Capítulo 10 - O casamento

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O casamento

Salac escutou os gritos do Chefe dentro da sua cabeça e praguejou irritado, pois a diversão com a prostituta estava só começando. Ele saiu de cima dela e sentou-se na beira da cama, tapando os ouvidos com suas orelhas longas e caídas. A madra uivou baixinho e tentou lambê-lo por trás, mas a voz do Chefe estava cada vez mais alta, enlouquecendo-o. A prostituta insistia nas carícias e tentava puxá-lo de volta para os lençóis, mas ele a rejeitava, tentando silenciar as ofensas e ameaças do Chefe, até que perdeu o controle e a empurrou violentamente, jogando-a ao chão do outro lado da cama.

- Pare com isso! – Salac reagiu aos gritos. – Saia daqui!

A madra, assustada e revoltada, pegou suas roupas que estavam jogadas sobre uma poltrona velha e desbotada, e se vestiu rapidamente arfando de raiva. Ela saiu batendo a porta com um estrondo, enquanto Salac caiu de joelhos com a fisionomia contorcida.

- Eu estou indo, Chefe! – ele gritou com toda a força. – Eu estou indo! Pare com isso, eu imploro!

No mesmo instante, ele escutou a gargalhada do Chefe e logo em seguida tudo silenciou, apenas se ouvia o som da música no quarto. Salac vestiu o terno branco, de aspecto sujo, mas de corte elegante, e desceu descalço pelas escadas do hotel decadente. Caminhou pelo beco em direção à porta vermelho escarlate, mas, dessa vez, ao passar pelo grupo de prostitutas, elas não o cumprimentaram como de costume, pelo contrário, viraram-lhe a cara e ele percebeu a madra entre elas. Irritado com aquilo, Salac avançou para ela, puxando-a pelas orelhas. As outras recuaram amedrontadas.

- Cuidado com o que você fala de mim por aí, querida! – ele disse subjugando-a. – Eu posso ser bem pior do que você jamais poderia imaginar, entendeu? – ele a sacudiu, enquanto ela apenas chorava e tentava soltar as mãos dele. – Você entendeu, vadia? – ele repetiu quase espumando pela boca.

- E-en-ten-tendi. – ela balbuciou gemendo.

Salac a soltou, empurrando-a contra a parede.

- Isso serve para todas vocês, ouviram? – ele falou em tom de ameaça para as outras prostitutas que estavam paralisadas de medo.

- S-sim, Salac, nós ouvimos. – elas responderam submissamente, indo amparar a colega somente depois que Salac seguiu seu caminho.

Mais alguns passos e ele estava diante da porta tão conhecida. Um tamborilar de dedos sobre ela, um rosto disforme do outro lado da portinhola e logo já estava dentro do recinto. A escuridão, a música frenética, os clientes dançando em transe. Tudo era sempre igual. Salac estava ficando cansado daquilo que parecia ser o resto de sua existência, ou seja, a eternidade.

Seguiu pelo corredor e parou diante do gigante que guardava a porta da sala do Chefe, mas não foi preciso dizer nada, o brutamontes saiu da frente, deixando-o passar.

- Ora, ora, até que enfim chegou! Atrapalhei a brincadeirinha? – o Chefe perguntou com deboche.

Salac não respondeu, apenas riu com metade da boca e se esforçou para não ter nenhum pensamento comprometedor.

- O negócio é o seguinte, – o Chefe disse sem se preocupar com o silêncio de Salac. – tem algum rolo acontecendo em Wicnion! – ele se levantou num rompante, fazendo com que a cadeira de rodinhas na qual estava sentado fosse parar longe.

- Rolo? – Salac perguntou apático.

- Sim, meu camarada! – o Chefe disse sentando-se na beirada da mesa preta. – E tudo começou lá atrás, com aquele cãozinho, lembra?

- Mas isso foi há tanto tempo!

- É, eu sei, mas eu venho monitorando as coisas em Wicnion e nunca vi nascer tanta criatura por lá. – o Chefe falou apertando os olhos. – Em todas as aldeias o número de nascimentos aumentou.

O Portal de Anaya - Livro 2 - Os mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora