Capítulo 5 - Renascendo em Wicnion

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Renascendo em Wicnion


Havia um silêncio triste na aldeia. Da tenda central exalava uma fumaça perfumada. O curandeiro estava preparando a proteção do espírito daquela mulher e do bebê em seu ventre. Se o deus Nicola tivesse piedade deles, ela seria conduzida para além de Wicnion, para a morada dos deuses, onde nenhum demônio poderia tocá-la. Ela estava deitada em uma cama de folhas ainda verdes, rodeada por pedras úmidas e coberta por pétalas das mais variadas flores. Loody permanecia do lado de fora no mais puro estado de resignação. Mentalmente, pedia ao deus Nicola que lhe mostrasse o que fazer. Sabia que não teria muitos anos de vida pela frente e já havia perdido a esperança de ter um herdeiro que o substituísse na liderança da aldeia, quando sua esposa Nayne confidenciou-lhe que carregava no ventre sua semente. Assim que o curandeiro confirmou a gravidez, afirmando que lhe havia sido revelado pelo deus Nicola que seria um menino, a aldeia comemorou com grande festa, pois nenhum líder havia feito mais por aquelas pessoas do que Loody. Mas antes de completar o ciclo necessário para o nascimento da criança, Nayne foi picada por um escorfídio enquanto separava o alimento para a distribuição na aldeia. Ela já havia sido alertada de que essa minúscula e peçonhenta criatura se escondia entre os frutos silvestres, buscando sempre atacar mulheres grávidas, envenenando seu sangue lentamente para que a mãe abortasse e, somente alguns dias depois, tomada por febres e terríveis pesadelos, viesse a óbito. Loody havia lhe proibido de participar da separação do alimento para a aldeia, mas sentindo-se bem-disposta, Nayne contrariou os protestos das demais mulheres e a ordem do esposo, que ficaria fora por algumas semanas com o grupo de caça, e alegremente voltou a fazer a separação dos alimentos. Famílias com anciões recebiam um terço a mais, enquanto famílias com crianças recebiam o dobro da ração destinada a cada clã. Nayne sentia-se plena, e também vaidosa, afinal, carregava um herdeiro em seu ventre, o que a tornava uma abençoada do deus Nicola, pois já estava em idade avançada para gerar fruto. Durante anos e anos sentiu-se inferior e desventurada por ser uma árvore seca. A maior preocupação dos aldeões era o fato de seu líder não ter um herdeiro, e ela sabia que a culpavam por isso. Agora, queria mostrar-se, exibir-se a todos com orgulho, mas sua vaidade teria um preço, um alto preço.

Quando sentiu a picada no calcanhar, Nayne permaneceu quieta. Ao ser questionada pelas companheiras, limitou-se a dizer que havia pisado em um espinho. Retirou-se sob a alegação de que iria removê-lo em casa, recusando toda e qualquer ajuda oferecida. No entanto, foi para a tenda do curandeiro que ela se dirigiu, caindo aos seus pés em súplica, implorando-lhe uma poção que revertesse o veneno do escorfídio. Clamava perdão ao deus Nicola e rogava pela vida da criança. Seu esposo não a perdoaria. Ela não se perdoaria.

O curandeiro, então, deixou-lhe claro que nada poderia fazer por sua vida, mas estando em período tão avançado de gestação, talvez pudesse salvar o bebê, evitando que o veneno lhe provocasse as contrações que a fariam abortar. Após algum tempo misturando ervas, enquanto a mulher se tremia encostada a um canto, sentindo a febre que já lhe causava calafrios, o curandeiro concluiu a mistura e deu-lhe de beber uma grande quantidade. Instantes depois, Nayne parecia melhor. Sentia-se novamente bem-disposta, como se nunca tivesse sido picada. No entanto, o curandeiro lhe garantiu que aquele efeito era passageiro e que ela deveria tomar a mistura até o fim da gestação, mas os tremores continuariam sempre que passasse o efeito do remédio e que isso ocorreria a intervalos cada vez menores. Eles estavam sob o manto violeta de Blu, mas quando Arg se revelasse novamente, clareando a noite com sua luz prateada, provavelmente, a criança nasceria, e ele não tinha certeza se o remédio funcionaria por tanto tempo.

Quando o marido retornou da caça, trazendo à mulher um mimo especial, caiu de joelhos e chorou ao saber do ocorrido, pois mesmo que o bebê sobrevivesse, era certo que sua esposa morreria. E apesar de sentido e magoado, Loody perdoou a imprudência de sua amada e cobriu-lhe de atenção dia e noite. Então, aquele homem que era o líder da Aldeia dos Humanos, que já conduzira guerreiros contra o exército dos lobos para defender sua aldeia, ao entrar em sua tenda e se deparar com a morte iminente de Nayne, e quiçá de seu filho, compreendeu sua fragilidade e impotência de criatura.

O Portal de Anaya - Livro 2 - Os mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora