Capítulo 15 - O reencontro

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O reencontro

Melvil Shiyali apoiou seu braseiro sobre uma pedra e acomodou-se entre as raízes de uma árvore. Abriu sua sacola e tirou um maço de rolos amarelados e algumas varetas de pontas afiadas. Escolheu um dos rolos e o estendeu sobre a pedra, tentando evitar que enrolasse novamente, em seguida, testou a ponta de cada uma das varetas em sua bochecha, até que encontrou aquela que julgou mais apropriada, pousando-a sobre o braseiro. Quando a ponta ficou carbonizada, ele começou a escrever sobre a superfície da folha amarelada, repetindo continuamente a ação de aquecer a ponta da vareta. O grupo havia caminhado durante toda a noite e logo Flav estaria no céu, por isso, eles aguardavam as sentinelas encontrarem um bom abrigo para repousarem. Curiosamente, o momento mais escuro da noite é sempre imediatamente antes do alvorecer. Por estarem sob a proteção de uma floresta muito densa, Shiyali também usava o braseiro como fonte de luminosidade para que pudesse enxergar, mesmo que sua luz não fosse muito forte. A necessidade de se manterem ocultos, impedia o uso de tocheiros e o jeito era se adaptar aos recursos que tinha.

- Atrapalho?

Assustado com a aparição repentina de Immutef, Shiyali deixou cair sua vareta no chão.

- De forma alguma. – ele disse inclinando-se para procurá-la.

- Ah, desculpe-me, eu não tive a intenção de assustá-lo. – Immutef comentou ligeiramente constrangido.

- Tudo bem, – Shiyali respondeu já com a vareta na mão. – não foi nada.

- Sobre o que você escreve? – o estrígio perguntou curioso. – Isto é, se puder compartilhar essa informação comigo, é claro.

- Eu estou escrevendo sobre a nossa expedição. – Shiyali falou entusiasmado.

- Como um diário? – Immutef arriscou.

- Não exatamente. – Shiyali parou para pensar um pouco. – Eu quero registrar tudo sobre a chegada do Salvador de Wicnion. – ele disse envergonhado. – Quem sabe um dia esses escritos não serão inspiradores para as gerações futuras?

- Posso? – Immutef estendeu a mão pedindo para ver o que Shiyali já havia registrado.

O jovem gweno mostrou-se um pouco inseguro em deixar que Immutef lesse sua história, mas também não se sentiu confortável em negar-lhe a informação. Juntou as folhas que ele mesmo processara antes de sair de sua aldeia usando fibras vegetais e as colocou em ordem, entregando-as ao estrígio. Immuteff sentou-se sobre a pedra e trouxe o braseiro para mais próximo de si. Em instantes, sua fisionomia demonstrava que a leitura lhe era interessante e, exceto por um ou outro balançar de cabeça, ele parecia aprovar tudo que Shiyali havia escrito. Após ler todas as folhas, ele as devolveu na mesma ordem que as recebera.

- E então? – Shiyali perguntou ansioso. – Você não vai falar nada?

- Você escreve com bastante desenvoltura. – Immutef disse enfático. – Apesar de eu não me lembrar de alguns acontecimentos, como o fato de "uma marca brilhante no céu indicando o local de nascimento do Salvador", eu acho que você está indo muito bem.

- Ah, eu sou escritor e poeta, – ele disse sorrindo – talvez eu veja além daquilo que os olhos captam.

- Talvez... – Immutef concordou. – Veja, as sentinelas retornaram, vamos saber onde iremos descansar um pouco.

Shiyali se levantou, catou as varetas e enrolou as folhas, guardando-as novamente na sacola. Pegou um pouco de terra e jogou no braseiro para apagá-lo. Immutef foi andando na frente e o jovem gweno o seguiu.

O abrigo seria sob os galhos largos de algumas árvores frondosas que haviam crescido junto a rochas endentadas. A curiosa combinação tinha criado verdadeiras cabanas naturais, nas quais o chão era sempre um pequeno platô da rocha e o telhado, a junção de galhos e folhas das copas das árvores. Immutef pediu licença a Shiyali e foi em direção a Abdias, que parecia um pouco debilitado.

O Portal de Anaya - Livro 2 - Os mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora