Madame Xanadu

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Deitados na grande cama de dossel, os dois amantes se abraçavam, nus como haviam vindo ao vindo, felizes por terem encontrado algum conforto na vida turbulenta que levavam.
John Zatara, o famoso mágico de palco e combatente ao crime, enrolava os cabelos de Xanadu com seus dedos.
-Você não sente medo?
Sonolenta, a mulher demorou um pouco para responder.
-Medo de que? De que descubram nosso pequeno caso? Pensa no que Zatanna iria dizer de você, traindo a memória da mãe dela?
Desconfortável, Zatara se levantou, sentando na cama. Mesmo de costas, Xanadu ainda sentia toda a firmeza e tensão de seu corpo.
-Não é sobre isso. E não, não tenho medo que descubram. Zatanna sempre foi madura demais pra entender essas coisas. O que queria dizer era: Com seu dom de ver o futuro, você não sente medo de se envolver sabendo exatamente como vai perder tudo?
Xanadu sentou-se na cama, abraçando as costas de seu amado.
-Já perdi e vivi tanta coisa, que aprendi a dar valor no presente, mesmo conhecendo o futuro. Mas porque isso tudo, de repente?
-Sei lá, só tive um pressentimento ruim. Nada demais.
-Seu velho bobo.
-Não me faça dizer sua verdadeira idade em voz alta querida.
Ambos se beijaram, e Xanadu lutou consigo mesmo, segurando para não revelar o que sabia.
Mais tarde, quando ele já havia ido embora, ela chorou desesperadamente, sabendo que aquela havia sido a última noite juntos.
Seu amor morreria ao salvar sua filha e evitar a volta de um mal ancestral ao universo. Essa era o dom e a maldição de Xanadu.
Sempre saber e nunca conseguir evitar.

Xanadu acordou, sentindo o peso dos séculos em suas costas, como não sentia a muito tempo. Já havia perdido muitos em tanto tempo, rostos que agora não eram mais do que brumas em sua memória, mas com Zatara sempre fora diferente. Ela ainda conseguia lembrar de cada linha de expressão de seu rosto, suas rugas de preocupação, do modo como as covinhas apareciam quando ele sorria ou até mesmo aquele bigode bobo que ele tanto amava.
Meu Deus mulher, esse sonho a afetou tanto assim? Porque tudo isso de repente?
Ela se levantou, percebendo que o sol já estava alto no céu, então se dirigiu a cozinha, desejando beber um chá de ervas antes de abrir sua casa e começar a tirar as cartas.
Enquanto preparava seu chá, uma sensação de opressão a dominou, um sentimento angustiante de impotência, tão avassalador, que a deixou momentaneamente atordoada.
Se concentrando com toda sua força, ela tirou a chaleira do fogo e logo correu para sua mesa, agarrando seu baralho.
A muito tempo atrás, ela aprendeu a nunca ignorar suas premonições espontâneas, mas suas habilidades ficavam mais fáceis de se compreender quando ela as canalizava através das cartas.
Seus olhos começaram a revirar em suas órbitas enquanto suas mãos se mexiam, manuseando automaticamente seu baralho. Flashes começaram a pipocar em sua mente:
Abominações com o crânio virado a 180 graus dançavam ao redor de um círculo, enquanto Cultistas usando peles humanas entoavam orações em uma língua estranha e secreta, enquanto o sangue jorrava copiosamente.
A visão mudou, Xanadu agora via John Constantine tentando dialogar com a criatura conhecida como Monstro do Pantano. Outro flash, uma jovem de cabelos brancos desconhecida jazia morta no chão da Casa de Xanadu, enquanto ela encarava serenamente alguém que avançava em sua direção.
Agora, Londres queimava enquanto os mais hediondos assassinatos eram cometidos pelo povo, que parecia ter sucumbido a loucura.
Mais uma vez, a visão mudou, retornando a John, que agora caminhava através dos Condenados, que imploravam por ajuda.
Tão rápido como veio, a visão se foi. Xanadu estava tremendo e gelada, mas ainda assim, estava suando em bicas.
O que foi tudo isso? Um evento de fim de mundo? E minha própria morte?
Ela baixou seus olhos para sua mesa, encarando as cartas que havia retirado enquanto estava em transe:
(O Louco) Algo vem pra quebrar o ciclo. Era o início e o fim de tudo.
(Roda da Fortuna) Pra recolher o que foi plantado e semeado.
(A Torre) Mudanças impactantes, sejam boas ou ruins, vão acontecer pra você aceitar que era necessário.
(O Julgamento) Pra no fim, vai haver uma renovação através da queda de todas as ilusões, conceitos e expectativas.
Ela ainda ponderava sobre tudo que havia visto e entendido nas cartas, quando a campainha soou.
Muito cedo pra uma visita profissional. Quem seja, apenas controle-se e seja profissional.
Colocando seu vestido de seda, ela desceu, mas ao abrir a porta, não conseguiu esconder seu desgosto e surpresa.
John Constantine estava a sua porta.
E como sempre, isso nunca era bom.
E ao seu lado, a jovem de cabelos brancos de sua visão.
Pelo visto, o Destino já começava a se por em curso.
-Olá Xan. Estávamos pela vizinhança e resolvemos parar pra uma consulta.
-Quem dera fosse tão simples assim John. Com você sempre é problema. Entrem.
-Desculpe por virmos assim, sem nem avisar....mas John disse que você poderia nos ajudar.... - perguntou Claire, com cautela assim que entrava, tentando não demonstrar em sua voz, todo o medo que sentia.
Xanadu apenas sorriu de soslaio, enquanto os guiava até sua mesa de trabalho.
John Constantine olhou brevemente as cartas antes que a mulher conseguisse retira-las. Seu rosto ficou sombrio por um momento, mas milagrosamente não disse nada.
-Fiquem a vontade. Querem beber alguma coisa? - perguntou, enquanto acendia seus incensos.
-Sem rodeios Xan. A situação é grave - cortou John - Claire, explique tudo, por favor.
A jovem contou sua história, preenchendo lacunas da visão de Xanadu, que agora começavam a fazer mais e mais sentido.
-E queremos sua ajuda, não para ver o futuro, mas sim o passado - disse John, acendendo um de seus cigarros vagabundos.
-Desculpe mas não entendo como isso pode nos ajudar. Pensei que fosse alguma outra coisa que pudesse fazer… - murmurou Claire.
-Informação, Claire. Se soubemos o ela quer, então podemos engabelar qualquer um.
-Mesmo a Morte? - perguntou Claire, com ceticismo em sua voz.
-Eu engano a Morte desde que nasci coração. Já te disse que compartilhei o útero com um irmão gêmeo que morreu? - disse John, com uma piscadela.
Isso era o que Claire mais odiava quando conversava com John Constantine.
O bastardo adorava costurar verdades em mentiras, fazendo com que fosse extremamente difícil saber a verdade ou conhecer o verdadeiro homem por baixo de tudo aquilo.
-Só preciso de um pouco de seu sangue John. Em vez de canalisar meu dom para ver o futuro nas cartas, irei usar seu sangue pra poder ver em que ponto algum ancestral seu mexeu com a Morte. Você é uma médium Claire, use seu dom para nos conectar e podermos compartilhar minha visão.
-Ok.
-Muito bem então - disse John, estendendo a mão para Xanadu, que já voltava com um punhal.
-Só um aviso coração. Não é minha primeira vez, mas seja carinhosa comigo - zombou John, piscando para a vidente.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora