O Parlamento das Árvores

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O homem esfolado gritava de dor, implorando com todas suas forças por uma morte rápida, mas Nergal já não lhe dava mais atenção.
Fervilhando com um ódio frio, quase primitivo, ele havia seguido o rastro ainda fresco até culminar no velho cemitério, aonde havia capturado esse homem, que havia tido contato com John.
O torturando, ele soube que Constantine estava atrás da Brujeria, sendo agora acompanhado pelo mestre desse homem, o bruxo conhecido como Meia-Noite.
Outrora alguém a se preocupar, mas agora um peixe pequeno graças as artimanhas do próprio John Constantine.
Ele havia perdido o Mago por poucas horas, mas agora que ele sabia qual era seu objetivo, ele podia antecipar sua próxima jogada…

O medo que os homens sentiam era quase palpável. Como uma doença, John Constantine o podia sentir, pairando no ar e infectando cada vez mais tripulantes, conforme eles avançavam na nascente do Rio Tefé.
Ele não os culpava.
Possivelmente haviam crescido ouvindo sussurros de seus pais e avós, sobre as estranhas criaturas, os antigos elementais defensores do Verde, que encontravam ali um local de repouso final, quando se cansavam do mundo.
John se perguntava como iria conseguir convencer Alec Holland, o Monstro do Pântano, a deixar seu santuário, quando Gustavo, o guia da expedição se aproximou.
-John. Temos um problema - disse o homem, com um inglês carregado.
-Temos ou você tem, cara-pálida? O que eu tenho a ver com isso? - zombou John.
-Sem piadas John. Isso é sério. Minha tripulação não vai continuar subindo o rio. Estão assustados demais. Seu amigo os assusta até o ossos e eles também temem a ira dos antigos.
-Arrombados supersticiosos. Pelo visto vou ter que dar uma de Indiana Jones, me perdendo pelo meio do mato então?
-Sinto muito John. Mas vocês vão ter que descer. Estão a um dia de caminhada do lugar sagrado. Só vão ter que tomar cuidado com o povo que guarda a entrada do Santuário, eles...
-Corta o falatório, amigo. Não é meu primeiro rodeio com esses paus-velhos - disse John, o empurrando agressivamente, enquanto se dirigia a cabine de Meia-Noite.
-Ow zé-ruela, acorda! - chamou ele, enquanto batia na porta.
-Entre Mago - chamou Meia-Noite.
Assim que John entrou no quarto, John entendeu o motivo dos homens evitarem Meia-Noite. Ele estava besuntado de sangue (John nem queria pensar do que), jogando ossos fervidos em uma mesa.
-Temos um problema.. - começou John.
-Sim, temos. Uma sombra nos persegue, apenas esperando o tempo certo para atacar. E não é humano.
-Quê? - perguntou John, mas logo se lembrou - Nergal. Só pode ser aquele bastardo. Quase me matou em Londres.
-Nergal - repetiu Meia-Noite, saboreando o nome de seu inimigo - E qual o outro problema?
-Esses filhos da puta são covardes demais pra nos levar até o Parlamento. Vamos ter que caminhar o resto do caminho mata adentro.
A risada fria de Meia-Noite se fez ouvir através do barco.
-John Constantine fora dos confortos da civilização. Isso será algo interessante de se ver.
Ambos desembarcaram na margem do rio, munido de suprimentos e de um facão.
Mal haviam desembarcado e John já sentia-se desconfortável.
Além dos implacáveis mosquitos e do calor infernal, ele sentia como se estivesse sendo observado: Olhos antigos e julgadores, atentos a qualquer movimento, que ele sabia serem os olhos das árvores, o avaliando.
Já que carne nenhuma nunca fora permitida dentro do Parlamento antes, ele sabia que teria que improvisar quando chegasse a hora.
Apesar de conhecer o caminho, a caminhada ainda continuava difícil.
John tentava acompanhar Meia-Noite, que abria o caminho implacavelmente com seu facão, zombando da falta de preparo físico de John, mais acostumado a dois maços de Silk Cut por dia e a selva de pedra que era Londres.
-Humpf… - resmungava John, parado para retomar o fôlego, pela quarta vez.
-Porque precisa tanto da ajuda desse...homem, chamado Alec Holland?
-Ele já foi um homem um dia. Agora é apenas o avatar de toda a vida vegetal. Ele me ajudou no confronto anterior contra a Brujeria e espero que consiga novamente. Vai ser difícil desenraizar aquele toco, mas não quero ter que me arriscar sem necessidade.
-Esse é o Mago que conheço.
E ele ainda pode me ajudar com Claire e Xanadu - pensou John. Ele não havia se esquecido de sua promessa, mas agora com o solstício chegando, tinham pouco tempo para resolver a situação e impedir a chegada do Descriador.
Após retomarem o fôlego, eles continuaram caminhando, até que a noite finalmente caiu.
-Acamparemos aqui - decretou Meia-Noite. É perigoso demais continuar.
Constantine estava absorto em pensamentos, até que uma pergunta do outro homem o fez voltar a realidade.
-Esse outro Constantine…
-Jack.
-Jack. Se a Brujeria descobriu o ritual, então...
-Deve ter desenterrado ele e a ilha.. - completou John - Já havia pensado nisso. Já leu O Chamado de Cthulhu, de H.P Lovecraft?
-Lovecraft? Passo longe das baboseiras daquele cretino racista.
-Pois bem - continuou John - Acredito que Jack tenha influenciado psiquicamente pessoas sensíveis ao longo dos séculos, os bombardeando com imagens de sua cidade maldita, enquanto ele continuava preso embaixo d'agua. Os instigando a virem em seu resgate. Diabos, ele pode até ter sido a influência para o Lovecraft escrever tudo aquilo.
-Acha que a Brujeria ouviu seu chamado psíquico, e de algum modo, submergiu a cidade?
-Possivelmente.
-Então além de  evitarmos a vinda do Anti-Deus, teremos que enfrentar o culto profano da Brujeria e seu antepassado bruxo, com mais de quinhentos anos de experiência? É, vamos precisar de toda ajuda que pudermos mesmo.. - disse Meia-Noite, se virando para dormir.
-Nem me fala chapa. Nem me fale - respondeu John, para si mesmo.
Desde Newcastle que John Constantine não conseguia dormir direito, então quando sentiu assim algo roçando seu corpo, ele acordou assustado, acabando por acordar Meia-Noite.
-Que merda…?
A sua frente, raízes e folhas se costuravam no ar, formando uma figura vagamente humana.
-Constantine. Fique longe do Parlamento.
-Fique longe o caralho, precisamos conversar, você me deve caralho!
Mas a criatura já se fora, deixando apenas sua casca de seu corpo recém usado, pronto para ser levado pelo vento.
-Arrombado de merda! - gritou John, para a selva silenciosa.
Eles se levantaram assim que o dia amanheceu, continuando sua jornada com a disposição vigorada.
Sem ceder aos obstáculos naturais, eles caminharam por meio dia, até chegarem finalmente ao seu objetivo.
Uma clareira começava a se abrir a frente, mas uma flecha cortou o ar, como um aviso.
-Que..? - disse Meia-Noite.
Vários nativos começaram a sair do meio da mata, bloqueando o caminho até o Parlamento das Árvores.
Enquanto eles o cercavam, apontando suas lanças e seus arcos, John percebia que Meia-Noite começava a se mexer, preparando-se para atacar.
-Apenas aguarde. Um movimento e tudo será perdido.
-Como se eu me importasse..
-Pense na lança.
O outro homem pareceu ponderar por alguns segundos, mas acabou obedecendo, ficando por observar os guardiões gritarem em sua língua incompreensível.
-Acaba logo com o teatrinho verdão. Sei que ta ai, nos observando - resmungou John.
Por alguns segundos, nada pareceu mudar. Mas então, um voz como o trovão soou, como se vinda do céu.
-Constantine. Eu o preveni, e ainda assim, você veio.
O som de árvores torcendo e transformando madeira em rostos humanoides, começou a rodear os homens, revelando a presença de várias criaturas, enquanto os nativos caiam de joelhos, venerando os velhos Elementais do Verde.
O Parlamento inteiro veio me ver. Parece que sua fama lhe precedeu John. Ce sabe que tá subindo na vida, quando Elementais Anciãos saem de seu torpor, só pra te ameaçar.
-Carne...não...é...permitida...aqui - disse um dos rostos, ao qual John reconheceu como o mais velho ali. Quanto mais antigo o Elemental, mais enraizado no Parlamento ele estaria, tendo dificuldades em se lembrar de coisas humanas, como falar.
-Preciso da ajuda de vocês.. - começou John.
-Não nos interessamos pelos problemas da carne! - disse outro rosto, cortando John.
-A emoção é como fogo irmão. Então não deixe a raiva fluir. E quanto a você Mago, nós o conhecemos e não o queremos aqui. Vá embora.
-Desculpe por mais uma vez tentar salvar o rabo de toda a vida animal e vegetal, além de todo o universo. Nao viria se não fosse importante. Temos uma crise novamente nas mãos.
-Isso..não é..de nossa alçada...mais, adeus - disse o mais velho, se recolhendo junto aos outros e voltando ao parlamento.
-Todo mundo vai morrer, até Tefé! - gritou John, em um último e desesperado ato.
-Espere - disse uma das árvores, ao qual John conseguiu reconhecer o tom de voz de Alec Holland.
Sabia. O carvalho velho pode ter se retirado do mundo, mas ainda se preocupava com sua filha.
Anos atrás, enquanto possuia o corpo de Constantine, Alec Holland engravidou sua mulher, Abby, gerando uma poderosa híbrida. Com o tempo, ela enlouqueceu, tendo que ter sua memória apagada e posta para viver uma vida normal, sem idéia de sua origem ou poderes.
-Explique. Que crise?
-A Brujeria ainda persiste chapa. O que restou dela, conseguiu realizar um ritual para invocar o Descriador. Um inimigo da própria criação, uma sombra que odeia toda forma de vida, desejosa de destruir tudo. Temos pouco tempo.
-Aguarde.
O rosto do Monstro do Pântano sumiu da árvore, voltando para junto de seus colegas. Pelo que pareceu muitas horas, os homens aguardavam. A paciência de John se esvaia a cada minuto.
-O fim do mundo acontecendo e esses merdas perdem tempo discutindo, PUTA QUE PARIU, PORRA! - gritou, perdendo finalmente a paciência e chutando uma árvore.
-Você devia ser mais respeito pela natureza - censurou a voz de Alec Holland, enquanto seu novo corpo era construído.
-Foda-se essa merda. E ae chapa, vai me ajudar ou esperar o velho John salvar todo mundo?
-O Parlamento decidiu. Eu irei ajudar você.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora