A Ordem e o Demônio

72 5 0
                                    

Longe dali, o ritual havia começado devagar, mas agora havia embalado até chegar ao seu ponto sem volta.
Vários homens estavam dispostos ao redor de um círculo de invocação, preparado com glyphos de aprisionamento e proteção em suas bordas, enquanto entoavam os cânticos de invocação.
Seu lider, o Grão-Mestre liderava o ritual, com sua voz suplantando as demais.
-Venha ó caído! Lhe damos a ferramenta para se vingar daquele que o humilhou! Em seu nome de Belial, Belzebub e Lucifer, o triunvirato infernal, eu o invoco!
O grão-mestre um ramo de ervas batizadas com sacrifícios e jogou ao fogo que ardia no centro do circulo, ao qual ficou roxo com a oferenda.
-Eu ofereço sangue! Um sacrifício de bom grado, dado livremente.
O homem retirou um punhal de suas vestes, realizando um corte transversal em seu braço, ao qual esticou para dentro do circulo, enquanto o sangue escorria para dentro do fogo.
Ao seu redor, os cânticos aumentavam mais e mais. Em meio a cacofonia infernal, o homem agarrou alguns objetos e os arremessou ao fogo enquanto gritava:
-Eu ofereço as penas da asa de um anjo, uma moeda cunhada no inferno e um nome retirado da sujeira. O nome para retira-lo das brumas do tempo e da morte, seu verdadeiro nome, venha NERGAL! Retorne a esse plano e vingue-se de seu odiado inimigo, John Constantine!
E então ele veio.
As chamas da fogueira de invocação se apagaram enquanto um vento sinistro começou a soprar pela sala. O cheiro forte de enxofre se espalhava, preenchendo o pequeno cômodo, enquanto tudo mais escurecia e se iluminava novamente.
A principio houve apenas silêncio, quando de repente algo pareceu brotar do chão. Parecia mofo, mas logo começou a se expandir, formando um precário esqueleto e depois um sistema nervoso, que pouco a pouco começou a ser preenchido por carne e fluidos. Como uma caricatura blasfema de algo vivo, a criatura grotesca tentou ficar em pé, conseguindo com dificuldade.
Então ele encarou as pessoas ao seu redor, com olhos que não eram mais do que órbitas negras, aonde de alguma forma, conseguia transmitir todo seu ódio.
-Quem....ousa...invocar...Nergal...do.....abismo...da...morte?
-Nós ousamos demônio! A Ordem de Osiris!
O demônio apenas cuspiu uma imitação de uma risada de escárnio.
-Amadores idiotas. Vou adorar encontrar maneiras criativas de matar todos vocês...
Todos os cultistas pareceram ligeiramente desconcertados, mas o Grão-Mestre logo impôs sua vontade novamente.
-Não o trouxemos de volta pra falar sandices demônio! Temos um inimigo em comum, ao qual queremos que você nos ajude a destruir!
-Eu não....sou...escravo, de ninguém, humano. Nem mais do Inferno.
O Grão-Mestre sorriu, como se já esperasse isso.
- Mas eu sei que gostaria disso. Não gostaria de vingança...contra John Constantine?
Nergal sorriu ao ouvir o nome de seu antigo inimigo. Ele agora estava mais firme, quase completo, mas ainda assim, era apenas uma sombra de seu antigo e orgulhoso eu.
-Aceito sua proposta humano. Mas estou limitado a essa forma patética, e contra Constantine, isso é perigoso.
-E como sugere prosseguir?
-Sua invocação foi quase perfeita. Quase. Mas seu símbolo de aprisionamento foi malfeito. Sendo assim, estou livre pra assumir....uma forma melhor.
O demônio então se transformou em uma nuvem de moscas, ao qual voou em direção ao Cultista mais próximo, que fora pego de surpresa pela investida. Nergal invadiu seu corpo através de seus poros, quebrando cada pedaço da resistência do pobre homem, instalando sua essência maldita pouco a pouco enquanto tentava expulsar a outra alma.
Ante o olhar horrorizado dos outros homens, Nergal apenas sorriu:
-Agora sim. Não se preocupem, ficarei mais confortável com o tempo. Voltemos aos negócios então. Tenho uma promessa a cumprir com todos vocês...

O corpo de Trevor explodia em dor e fúria enquanto ele cambaleava pelos becos, no limite entre a razão e a loucura, com sua camisa empapada de sangue e suor enquanto perdia o controle de sua bexiga e intestinos, manchando toda sua roupa.
Dói..demais..meu corpo inteiro...queima. Não deveria, eu..tinha...proteção - disse para si mesmo, enquanto os nós de seus dedos ficavam brancos de tanto apertarem seu medalhão.
Chama isso de proteção? É só questão de tempo - zombava a voz fria em algum lugar dentro de sua cabeça.
Você é meu,Trevor. Um pouco de cada vez.
-Não quero....saia.... - implorava o homem, enquanto desabava em lágrimas.
Mas era isso que você sempre quis, Trevor. Poder. Basta ter a força de vontade para controla-lo. Sei bem que você gostou de estraçalhar seus amigos. Não temos segredos entre nós...
Trevor quase caiu com a recordação do massacre que havia perpetuado, mas conseguiu escorar seu peso na parede a tempo.
Maldito. Ele fica cada vez mais poderoso. Não vou conseguir.
Ele havia dedicado sua vida e fortuna ao ocultismo, colecionando conhecimentos e objetos arcanos como um vício, sempre desesperado por mais e mais.
Fora por isso que havia sido convidado a se juntar a agora extinta Ordem de Osiris, a quase vinte anos atrás.
A primeira vista, a Ordem era apenas um clube para cavalheiros com posses, fundado em 1890 por Lorde Edward York, um lugar aonde os homens poderiam se afastar de suas esposas enquanto bebiam e discutiam negócios. Mas como Trevor descobriu mais tarde, seu verdadeiro propósito era muito mais escuro: reunir pessoas com poderes psíquicos, videntes, magos, ocultistas, entre outros, com apenas um objetivo:
Estudar e compreender a fundo tudo que envolvesse a Morte, para que assim conseguissem alcançar a imortalidade.
A Ordem havia conseguido alguns sucessos, conseguindo até mesmo extender um pouco o ciclo de vida natural de seus membros, mas nunca conseguindo evitar suas mortes.
Até agora.
Quando a Brujeria começou seu ritual, cada estudioso do Grande Mistério percebeu o que estava acontecendo. Então eles não tardaram em aproveitar sua chance.
Primeiro eles removeriam Constantine, depois interromperiam o ritual da Ordem rival, fazendo da Morte a sua escrava.
Tudo seria glorioso.
Mas não para você. Sua busca termina aqui, peregrino.
Seu corpo começou a sofrer espasmos e convulsões, se contorcendo grotescamente, até desabar em meio a sujeira.
Trevor estava morto.
Mas instantes depois, seu corpo se levantou novamente, com um sorriso de cruel satisfação.
Mas agora era Nergal.
Apenas Nergal.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora