Enterrado Vivo

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Enquanto ajudava Meia-Noite a desenterrar a cova, John Constantine ouvia os ensinamentos do Feiticeiro sobre o Vodu, absorvendo cada palavra.
-Nas lendas vodus, a serpente é o símbolo da terra. O arco-íris é o símbolo do céu. Entre um e outro, todos os seres devem viver e morrer. Mas por ter alma, o homem pode ser aprisionado em um lugar terrível em que a morte é apenas o começo.
-"Entre um e outro", isso é o tempo e espaço certo?
-Exato. Normalmente eu entraria em transe e canalizaria meus Loás. Mas como você não poderá usa-los, suas emoções serão a chave de tudo. Quanto mais forte e intensa, melhor. Te colocarei em um estado de quase morte, aonde você será jogado no fluxo do tempo. Mas como disse, se der errado, a Morte pode ser apenas o começo - sorriu Meia-Noite, batendo com sua pá em algo - Chegamos.
Juntos, os dois homens começaram a içar o caixão para fora de seu túmulo. John suava em bicas pelo esforço físico.
Porra, não sirvo pra ser ladrão de cadáver.
Assim que colocaram o caixão para fora, Meia-Noite avançou, usando sua pá para forçar uma abertura e arrancar a tampa de madeira, revelando um cadáver em estado avançado de putrefação.
Ao abrir, o cheiro começou a empestear o ar, explodindo o olfato de John, e o fazendo vomitar.
-HoHo. Quem imaginaria que um dos Magos mais perigosos do mundo não teria estômago pra isso? - zombava Meia-Noite.
-Os mortos merecem descansar chapa. Prefiro não mexer com eles pra eles não mexerem comigo.
-Menos se isso for te ajudar, certo colonizador?
Bingo.
O bastardo havia acertado no alvo.
Em suas andanças pelo mundo, John já havia cruzado com todo tipo de magia, mas Meia-Noite era o único que havia conseguido acessar o passado através do Vodu.
E John sabia por que.
Ao conseguir acessar o passado, Meia-Noite poderia conhecer os túmulos secretos de poderosos feiticeiros, usando sua necromancia depois, para força-los a revelar seus segredos, entre outros usos piores.
-Se lembra dos mitos sobre zumbis haitianos John? - perguntou Meia-Noite, enquanto esmagava o crânio do cadáver, recolhendo algo em seguida.
John se lembrava muito bem das histórias. O haiti era um país miserável, tendo sua cota de desgraças, sendo a pior delas, um ditador sanguinário conhecido como Papa Doc, que usava o vodu como arma política, ameaçando tanto a vida física quanto espiritual do seu povo.
Durante seu regime, era comuns homens eram dados como mortos e enterrados, apenas para serem vistos novamente caminhando com sua mente destruida, forçados a obedecerem o Mestre, um sacerdote que possuia suas almas.
Mas John sabia da verdade.
Não havia nada de místico nisso, além de fumaça e espelhos. Usando uma substancia conhecida como tetrodoxina, o algoz dopava sua vítima, deixando seu corpo em um estado semelhante a morte, ao qual era enterrado ainda vivo. A vítima acordaria debaixo da terra, desesperada. Mas só horas depois o Mestre viria, desenterrando sua vitima, que já estaria lesada pela falta de oxigênio no cérebro, acabando por ficar dócil a sua vontade e formentando o mito do zumbi.
-To ligado chapa. Sei que é isso que você vai fazer comigo. Mas já aviso, se voltar zoado de algum modo parceiro…
-Não se preocupe, "parceiro". Seu cérebro é valioso demais para perdermos. Eu aprendi a misturar minha magia com esse processo, sem lesar a vitima e poder absorver todo o horror de ser enterrado vivo, pra fortalecer a magia.
John não conseguia confiar em Meia-Noite, mas não tinha opção. Juntos, ambos sairam do cemitério e trabalharam por três dias e três noites na manufatura de um pó que seria usado nesse ritual.
Usando o veneno de um baiacu, o material que Meia-Noite havia roubado do cadáver, lagartos frescos, um sapo seco e algumas plantas específicas, eles finalmente estavam prontos a começar.
Retornando ao cemitério, eles se dirigiram a uma cova já aberta, onde um caixão já os esperava. Meia-Noite abriu uma garrafa de Wisky, dando uma boa golada.
-Com medo inglês? - perguntou, passando a garrafa a John.
-Não - mentiu John, bebendo um quarto da garrafa.
-Deveria ter. Atuarei como intermediário entre o mundo material e o passado através dos Loás, te mandando para onde precisa ir. Enquanto o espírito do cadáver que desenterramos, vai te servir de guia durante a viagem. Aproveite - disse Meia-Noite, enquanto assoprava o pó no rosto de John.
Johm desabou, caindo de costas no chão poerento do cemitério.
Seus sentidos pareciam ter sido expandidos ao máximo, podendo ouvir seu coração bater violentamente dentro do seu peito, conseguindo até ouvir os vermes rastejando dentro da terra desencavada.
Vários cheiros desconhecidos explodiram em seu olfato, o enebriando. Sem poder se mexer, John conseguia ver uma aura negra ao redor de Meia-Noite enquanto ele o carregava para dentro da cova.
Assustado, John também via um esqueleto vestido de noiva parado ao lado de fora do buraco, observando tudo. Vermes começavam a sair de suas órbitas enquanto ela entrava na cova, se aproximando e deitando ao lado de John.
Mesmo sabendo que aquilo tudo era uma alucinação, o inglês não conseguia deixar de se assustar. Acima dele, Meia-Noite fixava a tampa do caixão, gargalhando sinistramente.
-Bons sonhos Mago.
No escuro e sem poder se mexer, antes das trevas o engolfar totalmente, a última coisa que John ouviu era o barulho de terra caindo cada vez mais em cima do caixão.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora