Som e Fúria

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Penetrando na escuridão quase opressiva, os quatro desciam com pressa, sentindo o ar ficar cada vez mais pesado conforme avançavam.
Acariciando o pequeno frasco com sangue que repousava em um de seus bolsos secretos, John esperava não ter que que usar aquilo, mas como já havia aprendido em Newcastle, mesmo o melhor plano quase sempre dava merda.
-Podemos contar com alguma ajuda do céu? - perguntou Meia-Noite, ofegante.
-Não. De algum modo, o inimigo escondeu essa ilha do olhar D'ele. Assim que as barreiras começaram a fragmentar, as hostes celestiais se posicionaram, aguardando no limiar das dimensões enquanto vigiavam atentamente em busca da fonte do ritual - respondeu o Vingador Fantasma, quando todos pararam para recuperar o fôlego.
Aos poucos, a escuridão começou a diminuir, e logo perceberam que começavam a pisar em água, que subia rapidamente até a altura de seus joelhos. Um aroma fétido começava a impestiar o ar, como um cheiro atordoante de algo há muito podre e enterrado que parecia voltar a superfície.
-Merda. Do que é esse cheiro desgraçado?
Como em resposta a pergunta de John, a água começou a mudar de cor, se transformando em um vermelho vivo, começando a oscilar quando corpos apodrecidos começavam a emergir por todos os lados, os cercando.
O vento começou a ficar mais forte, chicoteando com violência enquanto o ar foi preenchido por lamentos.
Através de uma olhar mais atento, percebia-se que vinham das paredes, que como uma catedral de horror e carne, haviam se transformardo em um mosaico de corpos retorcidos que se fundiam uns aos outros, acabando por criar uma sinfonia de gemidos, gritos e súplicas.
-As barreiras dos reinos começaram a cair. Os mortos e os condenados começaram a  retornar, sedentos por companheiros para danação - anunciou o Vingador, se livrando do morto mais próximo, que tentava atacar.
Sem dizer nada, o Monstro do pântano avançou, começando a  atravessar e rasgar os corpos que estavam a frente com suas próprias mãos nuas, abrindo caminho para que os outros pudessem passar.
Eles aproveitaram a deixa e começaram a corre, e enquanto a criatura se afastava mais e mais, John olhou para trás pela última vez, vendo Alec Holland ceifar corpos a torto e a direito, mas acabando por sucumbir frente a maré de mortos e condenados.
Desculpa chapa.
Se concentrando em seu objetivo, eles continuaram avançando com dificuldade enquanto Meia-Noite derrubava qualquer um que se colocasse a sua frente, abrindo caminho para John, que socava o que estivesse ao seu alcance enquanto era seguido de perto pelo Vingador.
Desvencilhando dos mortos, eles começaram a atravessar bifurcações atrás de bifurcações, até finalmente pararem em um beco sem saída.
-Como vamos achar a saída dessa merda?
-Se concentre. Sinta o mal que emana mais a frente - disse Vingador.
Modificando um feitiço simples de orientação, eles continuaram a correr, regrediram algumas bifurcações e avançando outras, sempre olhando por cima dos ombros para não serem surpreendidos.
-Algo está vindo - comentou o Vingador, assustado enquanto se ajoelhava, pressionando com força sua cabeça.
John não teve como reagir: Sua cabeça explodiu de dor, preenchida por som e fúria, recebendo dezenas de imagens aleatórias do que acontecia ao redor do mundo.
Ouça.
Em Salém, ele via uma fogueira arder alta em uma praça, marcando o retorno do Tribunal do Santo Oficio, cujo fogo era alimentado principalmente por mulheres inocentes acusados de bruxaria.
Ouça os gritos.
Na Alemanha, o ódio contra as minorias ressurgia com força, fazendo homens e mulheres invadirem as casas e comércios de seus vizinhos, atacando violentamente pessoas as quais antes eram suas amigas, enquanto clamavam que era hora de retomar e purificar seu país contra os parasitas vindo de fora.
Ouça os gritos e veja a fúria.
Em Londres, o sangue corria grosso pelas ruas. Incendios explodiam a todo canto, enquanto pessoas corriam por suas vidas, fugindo de amigos e familiares que haviam enlouquecidos. John podia ver algumas pessoas se refugiando em uma igreja, enquanto uma horda de Pregadores do Fim do Mundo tentava forçar sua entrada, inflamados de ódio por saberem que o dia do juízo final havia finalmente chego, mas que eles haviam sido abandonados por Deus.
Não importava para onde olhasse, a chegada do Descriador havia invocado o pior de cada ser humano, fazendo todos seus preconceitos e ódios profundamente enterrados em suas almas, cultivados explodirem a luz do dia.
John agora conseguia ouvir a canção secreta do mundo. O desepero de todo um planeta morrendo. Assustado, se lembrou de um poema que havia lido quando ainda estava no colégio.
É assim que tudo acaba. Não com uma explosão, mas com um lamento.
Incapaz de resistir, ele começou a fraquejar, perdendo os sentidos, até ser abraçado pela escuridão.

-Acorde John..
Ao ouvir aquela voz, John abriu os olhos, assustado, percebendo que estava deitado no colo de uma bela mulher, com os olhos mais tristes que John já havia visto.
-Mãe.. - reconheceu John - Eu...finalmente mordi mais do que podia engolir dessa vez?
-Não filho. Está apenas desmaiado. O Descriador não age apenas no mundo físico. Ele está destruindo todos as dimensões, seja o mundo dos mortos, Inferno, até mesmo o Sonhar e o céu...nada está a salvo. Mas foi o que me ajudou a conseguir falar contigo.
-Que se foda todos eles. Estou finalmente com você. Tenho tanta coisa a contar e perguntar...por que você estava no inferno? Só por aguentar aquele merda a vida inteira, já devia ter um lugar no céu..
-Um dia você irá descobrir John. Mas nosso tempo é curto e você deve voltar. Jack tem que ser parado. Por Gemma, Cheryl, Chas e todos os outros.…prometa-me John. Prometa-me que fará o possível para parar aquele homem...
-Nem sei como tentar derrotar aquilo. Só tenho um plano desesperado pra tentar estancar a merda.. - resmungou John.
-Lembre-se do como Johanna o derrotou. E faça aquilo que faz de pior….Prometa-me John - pediu sua mãe.
-Tá bom porra! Eu prometo!
Sua mãe sorriu enquanto começava a sumir, sussurando algumas palavras que John não conseguia entender...

A visão de John oscilava, entrando e saindo de foco, enquanto percebia que estava sendo carregado. Conforme andavam, percebia ao seu lado mais presenças no escuro, vultos negros que exalavam o fedor de corrupção e maldade.
Ivunche. Merda.
Sua cabeça doia como o inferno, mas ao ser jogado no chão frio da caverna, ela pareceu desnuviar um pouco.
Rolando no chão, percebeu estar cercado por rostos severos, que demonstravam todo seu ódio e desprezo por ele.
Era o que restava da Brujeria, os Brujos e seus servos de cabeças retorcidas, as abominações chamadas de Ivunches.
John sentou-se, ouvindo Meia-Noite ser jogado ao chão, ainda inconsciente.
Seus olhos correram rápidos por seus inimigos, procurando por uma solução, até perceber o Vingador Fantasma estava ali, parado incólume, mas pelo menos tinha a decência de parecer envergonhado.
-Sinto muito John. Você conhece minha sina, sou obrigado apenas a testemunhar, nunca interferir, por pior que seja a situação. Minha tarefa era te guiar até aqui. De algum modo, esse é o lugar que o Criador desejava que você esteja.
-Seu traidor de merda! Por isso nunca confiei em vocês, babacas de asas. Sempre superiores demais pra se importarem conosco..
-Haha. Excelente. Vejo que não sou o único na familia a perceber o quão hipócrita são os agentes do céu..
Fervilhando de ódio, John não havia percebido a chegada do outro homem. Ele parecia quase um reflexo seu: loiro, alto e com um maxilar projetado, ele tinha um olhar astuto e cabelos rebeldes, mas com uma ou outra coisa diferentes, sendo a principal, a loucura que parecia permear todas suas feições.
-Jack Constantine. O lado negro de uma linhagem que nunca fora conhecida por suas boas qualidades.
-John. Fico feliz em finalmente te conhecer. O lendário John Constantine, cujos feitos ecoam através da história da magia - disse Jack, se abaixando para ficar cara a cara com John.
-Fico surpreso que tenha aparecido para tentar me impedir. Pelo que ouvi falar de você, você é mais do tipo que deixaria o mundo queimar.
-Sabe como é chapa. Não resisto quando vejo um zé-ruela tentar destruir tudo. Sempre tento passar uma rasteira nele - respondeu John, tateando seu bolso até constatar que o frasco com sangue ainda estava ali, o encontrando intacto.
-Destruir? E quem falou em destruição? Eu pretendo recriar, John. O Descriador é apenas um meio para meus fins, um modo de fazer tudo certo dessa vez, de fazer melhor. Quer me ajudar a reconstruir um universo?

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora