Na boca do Inferno

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Costa da Escócia

Encostado em uma árvore enquanto fumava um cigarro, John aguardava pelo Monstro do Pântano, observando a nuvem de corvos que circulavam o porto, grasnando com voracidade.
-Ansiosos pelo fim do mundo? - perguntou John, olhando para o céu.
-Eles chegaru onti - comentou o marinheiro que passava por perto - Viero de uma veis, como gafanhoto, iscurecendu a luz du sol e 'ssustano nois. Mau sinar num é? Minha Vó sempri falava qui corvo nunca era boa coisa.
-Pior que ela não tava errada chapa - murmurou John, jogando o resto de seu cigarro ao ver Meia-Noite retornando.
-E então, pegou o resto de suas mandingas chapa?
O Feiticeiro apenas sorriu.
-Oferendas para os Loas, Mago. Estou pronto para pegar pesado.
Espero que esteja mesmo. Se não batermos com força em nosso ataque, não teremos chance nenhuma a não ser um ataque suicida.
-E você? Nenhum plano ou truque desesperado que possa nos ajudar de última hora?
-Cê me conhece. Sou do tipo que gosta de improvisar.
-Esse é meu medo. Quando começa a improvisar, pessoas morrem.
John fora salvo de responder aquilo quando um enorme rosto começou a se moldar na casca da árvore.
-John..
-Cacete! Quer me matar do coração, porra?!
Aos poucos, fendas que emulavam olhos vazios começavam a se abrirem, enquanto o rasgo que parecia ser a boca se mexia, deixando a árvore com uma aparência assustadora.
-Qual..meu..papel..Constantine?
-Simples chapa. Como toda boa trapaça, o segredo é ser simples. Jack deve ter desenhado um círculo de proteção ao redor de toda a ilha, impedindo que safados como eu e Meia-Noite consigam entrar. Mas não você. Você entrará na ilha, apagando alguns dos glyphos da costa da ilha, acabando por anular esse feitiço. Então espera a gente chegar e depois é só deitarmos na porrada todo filho da puta que cruzar nosso caminho, impedindo os sacrifícios de serem realizados.
A criatura olhou John demoradamente antes de responder.
-Não...matarei...ninguém..John.
-Ah pronto, de todos os monstros soltos pelo mundo, me cai no colo justo um com um coração mole. Você vai fazer o que é necessário chapa. Eles são bastardos com a alma negra, querendo o pior pra humanidade. Se ainda tiver dúvidas entre fazer e não fazer, pense em Tefé. O resto é fácil.
John sabia que era jogo sujo usar a filha de Alec contra ele, mas o tempo era curto e ele não tinha mais paciência.
-Um..dia..John…
-Ao qual não é hoje. Vai seguir o plano ou não?
O rosto começou a sumir da casca da árvore, mas John sabia que o Elemental iria cumprir sua parte.
Gente decente era sempre fácil de se manipular.
-Vamos encontrar nosso destino então? - perguntou Meia-Noite.
-Ainda não. Preciso encontrar uma mulher primeiro.
-Isso não é hora pra ser um bastardo hedonista - censurou o Feiticeiro, mas seu rosto logo se iluminou em compreensão - Ou tem algum plano desesperado em mente?
-Algo pra tentar, caso a força bruta não dê certo. E bota desespero nisso, é muito arriscado, mas farei o que faço de melhor.
-Amaldiçoar todos aqueles ao seu redor?
-Engraçadão. Enganar entidades bem mais poderosas do que eu e rezar pra sair vivo. Fácil quando se sabe apertar os botões certos.
Uma hora depois, ele e Meia-Noite remavam em direção a ilha, ofegantes através do mar que parecia sem fim.
A dor pelo esforço quase não o deixava pensar, mas ele agradecia por pelo menos essa pequena dádiva.
Não queria pensar nos horrores que iria encontrar naquela ilha.
Mas sabia que não conseguiria.

Algo estava errado no Verde.
Alec Holland havia demorado para perceber isso. Distraido, ele formentava seu ódio por John Constantine enquanto mergulhava no Verde, atravessando as barreiras subatômicas entre os reinos, até que sentiu como se sua persona se rasgasse em várias partes.
A alma do planeta gritava.
Ele sentia ecossistemas inteiros enlouquecerem. Alguns se viraram contra seus irmãos do verde ou contra si mesmas, consumindo-se em um frenesi auto-destrutivo, enquanto outras declararam guerra aberta contra a carne, expulsando e matando qualquer animal que estivesse ao seu alcance.
Alec sentia toda a loucura quase consumir seu ser, mas através de um esforço hercúleo, conseguiu se controlar.
Ele continuou, avançando até onde podia, mas a Brujeria parecia ter aprendido com seu confronto anterior.
Ele não conseguia sentir nenhuma presença vegetal na ilha, nada em que pudesse se manifestar, sentindo apenas o cinza, a podridão do reino da morte
Mas a vida era algo dificil de se purgar. Se concentrando, ele desceu a varios quilômetros abaixo do solo, onde conseguiu sentir e tocar uma pequena vegetação, que lutava para sobreviver.
As estimulando, ele conseguiu as fazer florescer, as forçando a abrir caminho pelo solo pútrido e morto, absorvendo qualquer nutriente que as ajudasse.
Com dificuldades, o Monstro do Pântano renasceu na ilha usando essa vegetação para formar seu corpo, enquanto gritava como um recém-nascido, rastejando em direção ao encosta. Com dificuldades, ele conseguiu se levantar, cambaleando em direção a seu objetivo, até conseguir apagar os glyphos de proteção.
Olhando ao seu redor, ele abençoou sua sorte por ter conseguido sair tão perto e fora da vista de algum maldito Invuche ou algum outro guarda, enquanto descia para as pedras abaixo, se escondendo.
Agora era só esperar John.

John Constantine conseguia sentir onde havia acontecido a ruptura na barreira. Se aproximando, ele percebia Alec ali, parado entre as pedras, o esperando.
Ao subirem todos a encosta, John perguntou:
-Muito trabalho?
-Esterilizaram...a..ilha. Não..sinto..mais...nenhuma...vida...só rocha.
-Merda. Esperava pega-los de surpresa, como da última vez.
-Mas eles ainda vão falhar. Onde há vida, sempre há esperança - comentou uma voz conhecida, se aproximando.
Todos olharam para trás, percebendo o Vingador Fantasma se aproximando.
-Mais uma vez, nos encontramos no olho da tempestade - sorria o Anjo.
John não conseguia pensar em nada espirituoso para dizer ao Exilado.
Sua presença o lembrara do disfarce que Satã usara no inferno ao tentar o enganar, usando a alma de sua mãe como escárnio.
E isso o deixava puto.
-O que tá fazendo aqui chapa? Veio assistir de camarote enquanto os macacos falantes salvam o rabo da criação mais uma vez?
-John - começou o Vingador, com seu sorriso esmorecendo - Como te disse na última vez e você não quis ouvir...A Voz se importa com você. Você é amado, além de ser importante na guerra que virá..
Constantine se moveu rápido, acertando seu punho com toda a força no rosto do outro homem.
Meia-Noite ria, gargalhava cruelmente, enquanto o Monstro ajudava o Vingador Fantasma a se levantar.
-Porque?
-Por que não gosto de sua cara feia chapa. Nem da idéia de ser um peão, seja de Deus ou do Diabo. Guarda o seu discurso pra coroinhas. É hora de se mexermos.
-O mal está tão forte, que não precisaremos de guia melhor - comentou Meia-Noite.
O Mago se abaixou, recitando umas palavras enquanto tocava o solo.
-Sim. Vai servir perfeitamente de bússola.
Os quatro caminharam em silêncio, contemplando a paisagem morta e a enormidade da tarefa que tinham diante si, até chegarem a enorme caverna de onde o mal emanava, quase palpável.
-Alguma chance de vencermos? - perguntou Meia-Noite.
-Poucas. Vai ser tipo Shakespeare. Já leram a Tempestade?
Meia-Noite deu de ombros, enquanto o Vingador Fantasma sorria.
-"O Inferno está vazio e todos os demônios estão aqui…" - recitou o Anjo exilado.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora