Medidas desesperadas

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Bêbado como um gambá, o homem tentava ficar em pé sem dificuldades.
Segurando sua garrafa com uma mão, ele ia se escorando pelas paredes, tropeçando em seus próprios pés, mas conseguindo chegar ao banheiro do quarto, onde se assustou com o que viu:
Um rosto acabado, envelhecido prematuramente por uma vida de vícios e perdas, lhe encarando do outro lado do espelho.
-Como cê conseguiu chegar nesse ponto meu chapa? - perguntou John Constantine ao seu reflexo.
Ele havia voltado a Inglaterra a uma semana, esperando o retorno de Alec Holland, que havia partido em busca do refúgio da Brujeria.
Mergulhando na teia da vida vegetal conhecida como Verde, o Elemental poderia procurar por lugares onde a magia de Constantine não alcançaria, denunciando assim o esconderijo.
Simples, básico. Como toda boa trapaça.
Mas ele não dera mais notícias.
Já deveria ter voltado, mas até agora, só silêncio. Constantine já estava habituado a esse tipo de espera, a calmaria antes da tempestade, mas dessa vez era diferente.
Habituado a ser um homem de movimento, pouco a pouco ele começava a enlouquecer.
Parado ali, tendo apenas que esperar, coisas que tentava esquecer começavam a vir a tona novamente.
Pesadelos novos começavam a surgir, enquanto outros há muito esquecidos voltaram para o assombrar, o fazendo reviver todas as mortes que fora culpado, fato esse que o deixava quase irracional e auto-destrutivo novamente.
-O que são mais dois cadáveres pelo caminho? - perguntou para si mesmo, com amargura, tentando convencer a si mesmo, afastando a imagem do rosto de Claire e Xanadu de seus pensamentos.
-É a diferença entre o caminho de Javé e os caminhos do Inimigo, John - respondeu uma voz atrás dele.
-Cacete! - xingou John, se virando com pressa, percebendo o Estranho homem, que estava ali, parado com sua familiar expressão solene.
-De novo caralho? - gritou John, jogando a garrafa no Vingador Fantasma - Que cê qué agora porra? Porque não me deixa em paz?
-Vim te dar apenas um lembrete John.
-Vá pro inferno, não quero nenhum conselho seu.
-Lembre-se John, a Voz ainda se importa com você. Não deixe sua frustração abrir caminho para sua perdição.
-Vá se foder, você e a merda de Voz que você segue, chapa. Deus nunca fez nada pra mim, além de jogar merda na minha cabeça. Some daqui - resmungou John, jogando seu maço de cigarros na figura, que começava a sumir.
Tremendo, ele deixou-se cair em sua cama, pensando em como diabos o Vingador teria adivinhado o que ele planejava fazer.
Foda-se. Alec talvez não volte e a Brujeria consiga seu objetivo. Mas se for pra morrer, prefiro que seja sem mais nenhum bastardo me perturbando.
John Constantine planejava ir para o Inferno.
Não que ele realmente quisesse sofrer pela eternidade, mas como sempre, John tinha um plano para salvar as almas de Claire e Xanadu.
Ele tinha esperanças de usar os poderes de Alec Holland, que já havia conseguido ir até lá e voltado, mas com o Monstro desaparecido, só lhe restava medidas extremas.
Já havia preparado tudo na noite anterior, após ser assombrado por um de seus horriveis pesadelos, mas sua coragem falhou quando mais precisava.
Ele sabia pra onde iria se tudo desse errado. Irritado, procurou pelo quarto por alguma bebida, se arrependendo de sua explosão contra o Vingador Fantasma.
Não dá pra fazer uma merda dessas sóbrio. E nem sem ajuda. Merda. Não queria depender dele.
Saindo do quarto, ele descia pra rua, procurando o outro homem que ele saberia que estaria lá, quando seu senhorio o parou.
-O aluguel vence amanhã. E eu espero meu dinheiro sem falta, trapaceiro.
-E eu queria uma suruba com as Spice Girls, mas pelo visto a gente não pode ter tudo que deseja, pode campeão?
O homem o olhou com desprezo, mas John não ligou. Tinha coisas mais importantes em mente.
Foi quando deu uma olhadela de relance na rua, percebendo que o homem que procurava estava ali, parado na outra calçada, o encarando.
Meia-Noite. Desde que voltamos do Brazil, que o desgraçado não desgruda. Tá esperto demais pra ser passado pra trás. O que vai me servir..
John levantou seu dedo indicador e médio para o outro homem, o provocando.
Conto com você, zé-ruela. Não demore demais.
Vinte minutos depois, ele estava deitado em sua banheira, já terminado de escrever os últimos glyphos em seu corpo.
Uma boa ação antes do fim. Se seus amigos pudessem te ver agora John, não o reconheceriam. Merda, eles não poderiam fazer nada nem sem quisessem, já que você matou quase todos seu merda - pensou com amargura.
Com um movimento rápido, John usou uma lâmina para fazer o que tinha que fazer. Deixando a água levar seu sangue, ele sentiu o mundo desacelerar, tentando se manter acordado enquanto sua visão entrava e saia de foco.
Seu olfato começava a ser bombardeado por várias sensações ao mesmo tempo, o deixando atordoado.
Um cheiro de...flores? Parece misturado com outro, mais acre. Suor? e..sangue?
Foi então que outro cheiro mais forte e familiar se fez sentir, um cheiro que John jamais havia conseguido esquecer.
Enxofre.
Sentindo a temperatura cair, tudo escureceu.
Maldito. Sabia que viria. Atravessou minhas proteções como se não fosse porra nenhuma..
John sentia que não estava mais sozinho. Algo estava ali com ele.
-Johnny, Johnny Boy - ouviu atrás de si. A voz parecia melodiosa, mas ao mesmo tempo, parecia conter uma nota de escárnio e ansiedade por trás.
Constantine abriu os olhos e viu o homem, parado ao lado de sua banheira, parecendo se divertir.
Alto, com feições rudes, suas mãos e pés (que estavam descalços), estavam sujos de sangue. Com um sorriso cruel nos lábios e olhos que não transmitiam nenhum tipo de amor ou piedade, John reconheceu quem era aquele homem.
Era o próprio senhor do Inferno, Satanás.
-Olá John.
-A gente tem que parar de se encontrar assim, chapa - murmurou John.
Satanás gargalhou com gosto, mas John podia ver que não havia alegria alguma naquele ato.
-Respeito um homem que ri na cara da morte. Gosto disso. Me é familiar...apesar de imprudente.
-Sabe como é. Tudo pra manter minha imagem de fodão. Conhece mais alguém por quem o próprio Satanás viria reclamar a alma?
-Realmente. Não ficaria assim nem mesmo se o próprio Nazareno retornasse.
O demônio riu, saboreando o momento, até olhar acima dos pulsos de John, percebendo as inscrições em seus braços.
-NÃO! - Urrou a criatura, tão antiga quanto o tempo, mas cuja ira se inflamava com uma fúria nunca vista, novamente privado de reclamar a alma de seu maior inimigo.
John havia realizado um antigo ritual em seu próprio corpo, conseguindo prender sua alma, não deixando que nem mesmo céu ou inferno a pudessem reclamar….pelo curto tempo em que seu coração batesse, onde cada pulsação duraria horas.
Aproveitando que o tempo passaria diferente enquanto sua alma estivesse fora do corpo, John teria tempo o suficiente para descer ao Inferno, salvar as duas mulheres e conseguir voltar...se Meia-Noite o ajudasse.
Se demorasse demais para ser socorrido e seu corpo morresse, Céu e inferno estariam livres para leva-lo até onde pertencia.
Conto com você bastardo. Sei que vai sentir e ficar curioso com a mágica que aconteceu aqui. E pela manifestação fisica desse arrombado…
E com um sorriso nos lábios, seu ritual se iniciou e John Constantine começou sua jornada pelas Terras sem Sol.

John Constantine: Legado MalditoOnde histórias criam vida. Descubra agora