A Implacável

Calor

- Não estou gostando nada dessa notícia...

- Pois é, Rebeca, pior que é verdade. Segundo informações dos corretores de imóveis com quem tenho contato na região, Enrico Gonzales finalmente está construindo aquele resort que estava com a licitação parada na comunidade no Litoral Norte.

- Raposo, você tem certeza de que essa comunidade é a Vila de Coco Verde? – a executiva parecia mais nervosa do que o habitual. Tanto que Luis Raposo, diretor estratégico, estranhou a forma emocional como Rebeca se endereçou a ele durante a reunião.

- Sim, tenho certeza absoluta. Estamos monitorando todas as ações dele aqui, e confesso que aquela região era um local de interesse para a construção do resort, mas Taciane nos informou que a comunidade é nativa da região, descendentes de indígenas e quilombolas. São pessoas que moram ali há anos, séculos.

Taciane Amorim, diretora da Rede de Iniciativas, prosseguiu a reunião, mostrando algumas fotos tiradas por drone a respeito do novo resort.

- Ele já está destruindo boa parte da Mata Atlântica... - apontou para a foto onde a terra estava sem grama ou árvores, para o choque de Wilma Bacci, diretora de Meio Ambiente.

Rebeca suspirou, tensa.

- Eu não gosto disso, ponto. Os motivos têm um lado estratégico e outro humano, obviamente. Nós estamos construindo um resort numa região próxima, mas de acordo com as regras ambientais e, principalmente, com o apoio da população. Esse resort concorrente de Enrico Gonzales vai ser um grande problema para o nosso, especialmente com esse comportamento predatório, porque muitos moradores vão correr para pedir a nossa ajuda, e isso vai dar merda.

Rebeca pediu à secretária que chamasse para a sala de reuniões Henrique Vilas-Bôas, braço-direito do diretor Jurídico da CDM/Calete, e seu irmão mais novo Álvaro - que já havia terminado o estágio na empresa e, recém formado, era engenheiro júnior.

No entanto, naquele dia ele estava no prédio, participando de uma reunião referente a uma obra no Subúrbio Ferroviário.

- Quero que falem com uma pessoa que vive na Vila de Coco Verde sobre como está a situação por lá. Se Gonzales está ameaçando pessoas. Quero me manter informada sobre tudo. - Rebeca levou a mão ao rosto, visivelmente cansada. – Podem ir. Nós três sabemos do que estou falando. 

- Você não parece bem meu amor ...- Thiago Maciel colocou Rebeca Cavalcante de Menezes na cama tirando os sapatos de salto alto e desabotoando o tailleur que a executiva usava. Ajeitou as almofadas e deixou a noiva bem confortável no quarto, enquanto ele buscava água e suco após deixar o ar-condicionado ligado.

O publicitário vinha trabalhando em um regime híbrido: escritório e trabalho remoto há algum tempo, já que não era tão necessária sua presença na agência. Yasmin passava mais tempo na empresa, cuidando da parte administrativa, e focando nos projetos que envolviam mais a área de programação.

Além disso, ele tinha mais um motivo para se preocupar em permanecer em casa.

- Eu não estou... – Rebeca suspirou. – Quando eu ouvi que Enrico Gonzales estava construindo um resort em Vila de Coco Verde... Thi, quando eu ouvi esse nome... Eu não vou deixar que-

- Beca, calma, meu amor... Você não pode se estressar, vai fazer mal ao bebê. Esqueceu que a gravidez é de risco? – ao ouvir o nome "Vila de Coco Verde", Thiago finalmente entendeu a tensão da noiva. – A missão de Alice é na paróquia de lá, não é?

- Isso... E eu não gosto da ideia. Esse homem, e tudo o que envolve o nome dele... Os métodos dele são violentos, são cruéis, e a minha irmã Alice é uma freira e a paróquia é pequena, humilde, ela não tem poder nenhum, nem ela e o padre de lá, que dirá uma comunidade pobre e marginalizada... - suspiro. - Se eu pudesse, eu contratava um grupo de seguranças para ficar de olho nela, cuidando dela, mas-

- Você sabe que ela não gostaria disso. - Tiago passou a mão pelo rosto da noiva e deu um beijo em seu rosto - Mas eu sei que você mandou alguém para lá.

- Sim, falei com Henrique e Álvaro. Eles ligaram pra Alice a fim de saber como está a situação na região. Mas muito provavelmente se der merda... Eu vou mandar Henrique pra lá.

- Você acha que Henrique pode cuidar de tudo de uma forma mais equilibrada?

- Thi, não estou contando com uma versão equilibrada de Henrique. Eu quero o Henrique Vilas Bôas de verdade, o que eu flagrei, o que eu conheço de fato.

O publicitário não entendeu a informação passada por Rebeca de uma maneira tão cifrada; queria apenas acalmar a executiva. Colocou a mão em seu ventre, já com uma ligeira saliência de uma gravidez de três meses. Ela o seguiu no gesto.

Era o primeiro neto dos Cavalcante de Menezes, e por conta da gravidez de risco, todos estavam preocupados com a saúde de Rebeca - que mesmo sendo recomendada a reduzir a carga de trabalho, não queria deixar para trás a sua empresa.

Entretanto, quando pensava que poderia finalmente relaxar, a notícia sobre sua irmã no meio de uma confusão envolvendo um magnata inescrupuloso construindo um resort numa região onde ela vivia, deixou Rebeca ainda mais nervosa.

- Por que Alice não ficou no claustro, ou no orfanato, cuidando de crianças? Pra que ela se enfiou num lugar distante, sem lei firme, arriscando a própria vida?

- Sua irmã entende a vocação de uma forma diferente de minha sogra. Mas ela inteligente e esperta, não se preocupe. A última coisa que ela ia querer era você mal, ok? Pelo bem dela, pelo bem desse bebê, eu quero que você se acalme, certo?

Rebeca sorriu. Como poderia viver tanto tempo sem a alegria de ter Thiago ao seu lado, todos os dias sendo o homem que completava as lacunas de coisas que ela nem imaginava não possuir ou faltar dentro de si?

- Então... Já que você quer cuidar do nosso bebê e de mim, fique aqui, esquece o seu trabalho e vamos ver alguma coisa bem idiota na TV. Que tal?

- Falando assim eu faço tudo que você quiser.