Capítulo X: Embate nas Sombras

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Narração de Auriel

Tudo começou em um belo jardim, próximo de Jerusalém. Só se ouvia o som dos animais da noite, os corvos e as corujas entoavam seus sons em um bom tom e era possível até ouvir o som das folhas caindo aos montes no chão. Era tarde da noite e ninguém ousava passar pelo lugar, quer dizer, pelo menos era isso que eu, Auriel, imaginava. Eu me vestia como uma mulher local, com um longo vestido bege em tom claro que cobria totalmente meu corpo e articulações, usava também um véu da mesma cor sobre os cabelos.

O clima não era bom, um ar pesado e cheiro de morte tomavam conta do lugar. Enquanto eu caminhava em direção à floresta pude ver algo terrível: Sombras se mexiam nas árvores, elas tinha forma humana e ao mesmo tempo não tinham, mas não era humanos, esperavam que algo acontecesse ali. Aqueles eram os terroris, a classe dos demônios da sombra.

— Não irá vencer — disse a criatura sombria — Irá perecer.

Fiquei espantada com aquilo, olhando em volta pude notar que auras sombrias rodeavam o lugar além deles, pareciam animais famintos esperando pela caça.

Quando adentrei, o clima ficou ainda mais pesado, era possível sentir cheiro de sangue inocente, pude ainda sentir o suor mortal que vinha de dentro. Quando cheguei mais perto, as sombras ficaram ainda mais agitadas e eu ouvia vozes de homens se aproximando lentamente. Assim que me aproximei mais, pude enxergar uma figura de joelhos com o rosto no chão, suas vestes, antes brancas, estavam meio sujas pelo tempo no solo, ele era marrom, seu cabelo ia até os ombros e tinha barba cheia. Aquele era ele. Eu nunca o vi daquela forma.

Nesse momento eu me aproximei dele e me abaixei para vê-lo, seu suor pingava no chão como gotas de sangue e segurei na sua mão, mas ele não parava de tremer. Foi quando ergueu a face da terra e olhou nos meus olhos. Seu olhar era de alguém condenado, seu semblante era de agonia, dor e sofrimento.

Nós ficamos conversando um pouco e eu pude notar a sua angústia e ansiedade. Assim que ele terminou de falar, senti uma aura terrível caminhando pelo local em que estávamos, mas ela não estava sozinha, uma outra aura igualmente terrível a seguia, quando olhei para o lado e lancei um olhar entre os troncos das árvores, pude ver quem eram.

Ali se posicionavam duas figuras macabras, tão terríveis que até as sombras viventes se assustavam com a presença delas. Trajavam majoritariamente preto, uma delas tinha detalhes em vermelho, a outra em cinza, a primeira era mais assustadora. De pele alva, dava pra ver que tinha um cabelo negro e terríveis olhos avermelhados, mas que mudaram para pupilas verdes, usava uma coroa que lembrava chifres em sua cabeça. Suas asas estavam ocultas.

A outra também possuía pele branca, mas cabelo vermelho vivo, olhos negros e asas também cinzas. Eu me assustei ainda mais porque pude reconhecer aquelas figuras. Eram respectivamente Lúcifer e Azazel, o Rei dos Infernais e o Pai das Artes das Trevas, os dois sorriam como se estivessem gostando da cena.
Quando vi aquilo fiquei assustada e temi que pudessem atacar o Enviado. Lúcifer colocava um sorriso em seu semblante e me encarava. Os demônios das sombras saíram dos troncos e ficaram atrás dele, as criaturas emitiam grunhidos e sons assustadores. Para piorar, uma forte neblina estava no local.

— Não tenha medo! — disse ele segurando em minha mão.

Sua mão estava molhada com um líquido que parecia sangue. Eu o fitei e vi uma calmaria, não parecia tão angustiado, mas ainda sofria.

— Veja só para você — disse Lúcifer para ele —, parece um derrotado, é possível ver a angústia em seu rosto.

— Você é um monstro — disse para Lúcifer — Um monstro sem qualquer remorso.

Lúcifer de fato era muito poderoso, ele só não era mais forte que o próprio Deus, mas podia facilmente me vencer ali mesmo.

Nesse momento o prometido cuspiu sangue no chão. Seu cuspe era aterrorizante. Enquanto isso, Lúcifer ria, parecia se divertir com aquilo, o som de sua risada era apavorante, as sombras e Azazel o acompanhavam. Em determinado momento senti alguém puxando meu cabelo e quando vi percebi que era um demônio da sombra. Os terroris começaram a avançar.

Eles me atacavam, mas não tocavam no Enviado, eram muitos deles de uma vez só. Eu tentava acertá-los com socos e chutes mas eles desviavam, alguns puxavam minha perna e outros meu braço, eu estava completamente imobilizada e sem saber o que fazer.

— Deixem-na em paz, seres asquerosos — pronunciou o Enviado.

Ele parecia mais confiante naquele momento.

— Estou pronto para morrer! — ele afirmou — Agora vá, e os elimine.

— Eu não posso abandona-lo ainda — insisti — Será muito doloroso para mim. Jurei protegê-lo com minha vida.

— Faça o que eu mandei — retrucou ele, acariciando meu rosto — A partir deste ponto, devo seguir sozinho.

Eu relutei bastante em deixa-lo pois temia por sua segurança. Lúcifer e Azazel guardaram os sorrisos por um instante para observar ao redor; brasas e tições vinham, parecia uma multidão.

Nós nos abraçamos pela última vez. Ainda chorosa, eu me levantei do chão e comecei a ouvir algumas vozes vindas da floresta, eram as vozes humanas. Pude ver as tochas acessas e uma claridade que percorria o lugar, os diabos voltaram a sorrir e a rir, pareciam satisfeitos. O guia daqueles homens era um velho conhecido do Salvador. Obviamente eles não conseguiam nos ver, apenas ele.

— Não perderei tempo com você, ophanim — disse Lúcifer —, Azazel quem vai.

— Já fomos apresentados não é, Auriel? — perguntou Azazel se aproximando de mim — Lembro de você na guerra civil e na luta contra Shemihazah, gostaria de tê-la só para mim. Seus poderes são de grande utilidade.

— Não ouse me tocar com suas mãos imundas, Azazel — respondi — Você é alguém que desprezo com todas as forças.

— Não fale assim — provocou o infernal.

— Se quiser lutar com honra será subjugado.

— Enfrentei você duas vezes — relembrou o demônio —, e nas duas vezes eu saí vencedor do embate, não será diferente desta vez. Pode ser poderosa, mas eu sou muito superior e nós sabemos disso.

Realmente, Azazel e eu nos enfrentamos duas vezes. Agora pela terceira vez iriamos nos enfrentar, era minha chance de enfim vencê-lo.

— Acabe logo com isso, Azazel — ordenou Lúcifer, cruzando os braços.

Azazel invocou seu poder. Um portal se abriu no meio da mata, dele saiu uma imensa besta. Sua aparência era uma mistura de um touro com a de um leão, ele tinha doze chifres e era coberto por sinais. O demônio o chamava de Chaos.

— Zyntarai, eu o invoco! — ordenou Azazel, invocando mais uma besta.

Um novo portal se abriu e uma nova besta saiu dele, sua aparência era humanoide mas tinha duas cabeças de bode e quatro chifres em cada uma, sua cauda era uma serpente naja e era coberto de pelos. Ambas as bestas emitiam sons indecifráveis. Quando as vi recuei e fiquei temerosa, nunca tinha visto aquilo. Azazel havia trazido seres extradimensionais para a batalha, seres dos quais nunca ouvi falar e nunca mais vi desde então.

— Será que você consegue vencer os meus bebês, Auriel? — perguntou o infernal — Eu controlo essas dimensões, sob meu comando elas triunfam!

— Que direito tens de fazer isso com as vidas deles? — desafiei — Não importa quem sejam e se está acima, são seres livres.

— Quem pensa que é para me dar conselhos? — ele retrucou — Eu faço o que eu quiser, e conforme meu senhor deseja — fitou Lúcifer rapidamente.

— Seus dias estão contados — avisei — Seu encanto será quebrado por mim.

— Ninguém jamais venceu essas criaturas, sua inútil! Por que acha que eu as trouxe para cá? — disse Azazel — Nem mesmo Gabriel foi páreo para elas, mesmo que ele não seja um guerreiro.

— Para tudo tem uma primeira vez — respondi confiante, apesar do embate que enfrentaria — Suas feras são bestas desprovidas de intelecto, assim como você.

— Chaos e Zyntarai a deixarão no chão, minha doce alada — ele alertou.

Ele recuou e vi Chaos, a primeira besta, avançando contra mim. Por sorte eu consegui desviar dele, mas logo em seguida veio Zyntarai e me agarrou, não tive como me soltar. A fera me lançou no chão e começou a me socar e a me pisotear; Seus golpes eram certeiros e já começava a sangrar, impressionada com aquele poder, mais tarde descobri o porquê eram tão fortes. Lembra quando disse que a criatura não era inteligente? Pois é, ali foi o seu erro.

Zyntarai era muito forte e pude ver isso, ele me jogava de um lado a outro e eu estava em choque com aquilo. Quando ele me lançou no chão novamente, pude ver seu ponto fraco.

— Está se divertindo, Auriel? — debochou Azazel — Agora você cala a sua boca antes de me insultar.

Mesmo ferida, eu não estava cansada, bem longe disso, estava me divertindo e aquela foi minha arma secreta; desviei de nova investida de Zyntarai, pulei no ombro da criatura, dali mesmo consegui aplicar cinco golpes que a desnortearam, porém não contava com uma investida inimiga por trás. Senti minhas costas em chamas, Azazel havia acabado de me acertar com seus poderes, mesmo assim continuei a lutar com Zyntarai.

Comecei a me recuperar e a atacar mais a besta-fera, eu saltei e a enfrentei no ar, mas fui derrubada novamente pela sua mão. A criatura novamente me pisou, eu desviei por um momento e novamente fui de encontro a ela, começamos a trocar socos e eu fui em direção ao ponto fraco do monstro.

Escondido em seu braço esquerdo ficava um tipo de chave que podia bani-la novamente, mesmo manipuladores de magia como Azazel não conseguem tirar o ponto fraco de suas criações. Eu consegui ir até a chave e abri o portal, porém fui socada e caí. Precisava empurrar a besta de volta. Com rapidez desviei das magias de Azazel e empurrei Zyntarai para o portal que se fechou.

— Você parece cansada, Auriel — zombou o bruxo — Deixe que Chaos a faça uma massagem, vai se sentir bem melhor.

Chaos avançou contra mim com força mas eu consegui pular sobre ele, o sangue escorria e era quente. Eu não estava nem um pouco cansada e também não quis dar esse sabor para Azazel. Eu encarei a besta e fui até ela. Com agilidade consegui desviar das investidas de Chaos e estava vencendo a fera. Os socos que dava eram rápidos e precisos, queria derrubar a besta de Azazel, mas em um momento de desatenção fui lançada contra os troncos.

Ele avançou contra mim e se aproveitou que eu estava encurralada, começou a desferir fortes golpes sobre meu corpo e me puxava pelos cabelos, me lançava ao chão e me pisava como se fosse formiga, adormeci por um momento mas continuava a ser socada pela besta. Ele me lançou ao céu e disparou uma magia de seus olhos, eu caí com força no chão e o fitei incrédula.
Chaos não parou e continuei a ser golpeada pela besta quando, de repente, senti minhas forças voltando.

Achei que era minha regeneração ativada, mas era ainda melhor. Uma forte luz semelhante a um raio tomou conta do meu corpo; me levantei rápido e fiquei de pé ante a criatura.

Meus olhos estavam brancos e brilhavam, meu cabelo também emitia o brilho, olhei para meus punhos e vi faíscas de fogo saindo deles, eu fui para cima de Chaos. Eu comecei a golpear a criatura e de minhas mãos saíam luzes feito raios, notei que a entidade começava a perder força e me aproveitei disto.

— Chegou a hora de você voltar para o lugar que veio, criatura repugnante! — ordenei, irada — Hoje você prova a fúria de uma anjo guerreira.

Eu dei um chute no queixo da criatura e vi seu ponto fraco escondido ali, em seguida acertei seus olhos, foi o suficiente para que ela caísse e fosse arrastada de volta ao portal. Para completar, dei um soco forte no chão e as pedras levitaram, era uma provocação a Azazel.

Cavaleiros do Ar: Elos do ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora