Capítulo XI: Assim Morrem Os Justos

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— Ninguém jamais conseguiu vencer estes demônios! — afirmou Azazel.

— Suas bestas não são nada, decrepito — respondi — Meu poder está em constante expansão, e a cada passo que dou, ele triplica.

— Não importa a técnica que você utilizou — respondeu ele —, não será capaz de me enfrentar, vai tombar perante mim como das outras vezes!

— Você se regozija ao ver o passado — retruquei — Eu me regozijo ao ver o futuro, e neste futuro, você é meu!

— Destrua-a de uma vez, Azazel! — ordenou Lúcifer.

Azazel obedeceu. Ele invocou um poder sombrio em suas mãos e começou a falar palavras de cunho oculto e que são indecifráveis, ele atirou tal poder sobre mim e não tive como desviar. A magia de Azazel me atingiu em cheio e eu fui lançada para longe, ele invocou um novo poder que se transformou em uma mão gigantesca que me lançou contra o solo, acabei ficando inconsciente por alguns segundos.

Eu havia me esquecido de um detalhe enquanto lutava com Azazel: Muitos anjos são vulneráveis a magia demoníaca, aquela lançada pelos demônios e seres místicos, foi assim que muitos caíram durante a guerra contra os Vigilantes. Azazel sabia disso, logicamente, era a forma mais fácil de matar um anjo.

— Como está se sentindo sendo esmagada por meu poder? — provocou o demônio — Eu falei que não conseguiria me enfrentar de igual para igual.

Ele continuava lançando seu poder sobre mim e eu não podia revidar, por mais que tentasse. Ele foi até mim e começou a me golpear com quatro socos rápidos, novamente me agarrou e lançou em direção aos troncos das árvores.

— Você é tola, Auriel! — provocou o demônio — Quando entenderá que nasceu para ser uma derrotada?

Eu tentava me recuperar dos fortes golpes de Azazel, mas o sangue escorria. Olhei para Azazel e vi a fúria em seus olhos, não era a toa que o infernal era um dos mais temidos habitantes do Inferno. À aquela altura já estava ficando sem forças depois de lutar em sucessão, mas ainda podia aguentar.

— Onde está o seu amigo? — provocou — Está entregue aos escorpiões, você nunca conseguirá me vencer em combate. Se de fato tem honra, entregue-se a nós e eu te executarei.

— Um anjo guerreiro nunca desiste! — retruquei, com os lábios manchados de sangue — Nenhum anjo jamais desiste do seu combate.

— Prefere continuar apanhando? — perguntou Azazel — Você sabe que nunca me vencerá, entregue-se e prometo que morrerá de uma forma honrosa.

Ele lançou novamente sua magia sobre mim mas dessa vez consegui ficar de pé e rebati aquela coisa.

— É impressionante a sua teimosia — disse Azazel — Entregue-se logo.

Quando ele ergueu seu braço em minha direção com o intuito de me derrubar, em um ato rápido, consegui segurar sua mão e olhei diretamente em seus olhos.

— Eu disse que UM ANJO NUNCA DESISTE! — gritei — Ainda que a chance seja uma em um milhão, eu irei lutar.

Em seguida novamente senti meu poder restaurado e meus olhos brilharam ainda mais, de meus punhos saíam faíscas semelhante a fogo e meu corpo inteiro brilhava com uma aura prateada. Rápida, golpeei Azazel duas vezes com socos e o lancei longe.

— Não é possível! — exclamou o demônio — Como pode se regenerar assim? Eu nunca vi isso antes.

Antes que ele terminasse a fala, eu fui pra cima e comecei a deferir-lhe socos e golpes rápidos, Azazel tentava se defender como podia mas dificilmente conseguia êxito nisso, a luta estava feroz. Ele me empurrou e lançou mais uma de suas magias, o poder liberado me atingiu em cheio, mas eu permanecia de pé sem sofrer dano algum, aquilo deixou Azazel apavorado. Ele conseguiu ver a derrota bem debaixo de seus olhos, contudo, dificilmente se entregaria.

— Não é possível que você esteja resistindo aos meus poderes — falou o demônio — Não é possível uma coisa dessas.

Usando um dedo consegui cortar seu poder e fui novamente para cima dele, Azazel estava muito nervoso e aquele foi seu erro maior.

— Posso ver você em meus pés, Azazel — afirmei — Seus poderes estão sem utilidade nesse momento.

— Você não é normal, está resistindo à minha magia — concluiu o infernal.
— Seu ego não o deixa enxergar a humilhação que está passando! — afirmei imponente.

Eu dei dois socos em sua face, o agarrei pelo cabelo e o joguei nos troncos, que caíram com o impacto. Ainda lhe dei um forte soco na barriga que o fez vomitar sangue.

— Eu podia acabar com você agora mesmo — disse —, mas eu não sou como você. Que Deus tenha misericórdia de sua vida, porque da próxima vez que nos encontrarmos, eu não terei!

— Isso vai ter volta, garota — disse Azazel, cuspindo no chão — Eu ainda vou me vingar de você.

Eu dei mais dois socos em sua barriga e pisei em seu pé, ele caiu diante de mim inconsciente, mas vivo. Quando ele caiu, voltei ao normal, meus olhos não estavam mais brancos, meu cabelo voltava ao rubro que tinha, e minhas mãos também retornaram, nunca tinha me acontecido algo igual aquilo. Estava tão distraída com Azazel que não notei a aproximação de Lúcifer. Quando acordei, os dois já haviam desaparecidos, e o Enviado também, este foi preso e levado até as autoridades.

Acordei com o barulho das espadas após retornar ao Plano Físico e vi ele acorrentado pelos soldados, que zombavam dele, eles o tiraram da floresta e o levaram em direção à cidade.

Ao raiar do dia permanecia na porta do lugar onde ele havia passado a noite, agora já materializada em meu corpo mortal. Eu estava escondida entre alguns barris quando resolvi me levantar e andar um pouco por aquela redondeza, encontrei ali um homem idoso que varria o chão do lugar. O chão cheirava a bebida e a fumo e nele ainda haviam joias e pedaços de roupas. Parecia ter havido uma briga.

O senhor que limpava o local era baixo, magro e com cabelos e barba brancos, olhos castanhos e marrom, como quase todos os habitantes daquele lugar. Sua expressão parecia ser de tristeza, algo o incomodava. Quando me aproximei percebi seu olhar em minha direção, as rugas revelavam o olhar de um trabalhador honesto, a simpatia da idade; já estava em seus últimos dias, mas ainda apresentava energia.

— O crime de muitos é falar a verdade contra o império — disse o senhor.

— O senhor vive aqui há muito tempo? — perguntei meio sem jeito.
De certo ele é natural do lugar, não é, Auriel?

— Eu servi a família sacerdotal a vida inteira, minha filha — respondeu ele.

— Eu procuro o homem que trouxeram aqui ontem de noite, o senhor sabe para onde o levaram? — perguntei, já sabendo a resposta, pois havia ouvido algumas pessoas mencionarem o assunto.

— Para o palácio do Governador — respondeu ele.

— Muito obrigada pelas informações — agradeci — Espero que o senhor tenha um bom dia.

— Será complicado hoje — respondeu o senhor.

Eu me despedi do senhor e tomei a rua principal. A cidade estava movimentada, pessoas de todas as partes estavam em Jerusalém para a festa pascoal. Queria chegar rápido ao palácio do governador mas sabia que andando naquela velocidade seria difícil. Tive a ideia de ir pro Plano Espiritual, afinal era inconcebível usar meus poderes entre os homens. Porém, quando estava fazendo isso, senti emanações negativas no local, auras sombrias pairavam no ar, a cidade estava infestada de demônios.

Pude sentir auras angélicas na cidade, havia outros anjos no lugar, mas não sabia se os procurava ou não, o que sabia era que minha presença já havia sido detectada por ambas as partes.

Eu seguia para o palácio do governador, a antiga residência da dinastia dos Herodes, em Jerusalém, quando notei algumas sombras que caminhavam pelo local, as mesmas sombras que vi no Jardim quando ele foi preso. Eu olhei para o lado e vi o mal em minha frente. Era Lúcifer. Ele me encarava com um olhar macabro, havia derrotado Azazel mas sabia que se Lúcifer resolvesse me atacar eu não teria chance. A medida que recuava sentia o ar cada vez mais pesado, ventava muito aquele dia e o véu que cobria meu cabelo acabou caindo, quando me abaixei para pega-lo, o demônio fez o mesmo movimento.

— É melhor sair daqui enquanto há tempo — disse Lúcifer, com uma voz mortal.

Meu coração quase saiu pela minha boca quando ouvi o que o demônio dizia, suas palavras eram como flechas lançadas com o intuito de matar. Eu respirei fundo e olhei fundo nos olhos vermelhos de Satanás. Lúcifer agarrou meu pescoço e começou a aperta-lo. Achei que ele iria me matar ali mesmo, não tinha poder suficiente para enfrenta-lo de igual pra igual. Enquanto gemia de dor e tentava me desvencilhar, ele respirou fundo e sentiu a atmosfera da cidade.

— Eu poderia matá-la aqui mesmo — disse Lúcifer.

— Você é um monstro! — respondi — Sua ganância nunca tem fim.

— Eu devia acabar com sua raça mesmo, no entanto — continuou o infernal —, vou te poupar, mas ai de você se cruzar meu caminho novamente. Até alguns anos.

Ele me soltou, eu caí e quando olhei em volta, Lúcifer havia desaparecido. Tentava respirar e voltar ao normal, notando alguns civis indo ao palácio do Governador, estavam agitados e pude ouvir um deles comentar sobre o Enviado. Eu me levantei e mesmo ainda debilitada caminhei mais depressa, em passos largos chegaria ali rapidamente, mal sabia que uma multidão já se era vista em frente ao local.

As auras de anjos e demônios se afastaram da cidade, deixando o ar mais leve. A multidão estava bastante agitada e cheguei a flagrar alguns policiais romanos até mesmo agredindo alguns deles, a situação deixara o povo revoltado e eles começaram a gritar ainda mais alto.

Depois de um tempo, o Governador Romano se apresentou ao povo e recebeu um coro de vaias da população local, ele parecia os ignorar e continuou com seu discurso. As vaias ficaram mais fortes e soldados romanos foram chamados para tentar conter aquilo. No alto, o governador deu ordem para que seus homens trouxessem os dois prisioneiros que estavam encarcerados. Um deles era ninguém mais, ninguém menos, que o Enviado, estava bem diferente que da última vez que vi.

Sua face estava em sangue, ele também estava acorrentado nas mãos, nos pés e no pescoço, estava completamente ferido e suas vestes rasgadas e sujas cheias de sangue. Ele usava uma espécie de coroa feita de espinhos na cabeça, e isso produzia ferimentos em seu cabelo. Havia sido torturado pelos romanos com certeza.

Apesar da tradição, os romanos poderiam tê-lo libertado, mas não o fizeram e ele foi condenado. Alguns minutos depois, uma figura saiu do palácio romano carregando uma cruz, era o Enviado escoltado pelos soldados romanos, que a todo momento o agrediam e o insultavam, ele estava irreconhecível. Seu corpo completamente ensanguentado e dilacerado, sua face destruída e que nem de perto lembrava a de horas atrás, estava tão debilitado que mal podia carregar o objeto que em minutos seria aquilo que o mataria.

Enquanto eu chorava silenciosamente, ele me olhou com um olhar de tristeza mas ao mesmo tempo de determinação, ele havia me proibido de intervir em seu sofrimento e por isso nada fiz, mas minha vontade era arranca-lo daquela situação e cuidar de seus ferimentos. Eles o forçaram a carregar a cruz em meio a açoites de ossos e ferros, deveria ser uma dor insuportável. A procissão continuava pelas ruas de Jerusalém e um rastro de sangue formava uma avenida sobre o local.

Os soldados levavam ele até um monte próximo da cidade e ali mesmo eles começaram o processo de execução, eu acompanhei de longe mas pude ver tudo o que ocorria. Com o tempo, o céu se fechou e nuvens negras tomaram conta dele, trovões eram ouvidos e vistos pelas pessoas. Da cruz, o Enviado olhava para baixo e depois para cima, sua hora era chegada. Ele fechou os olhos pela última vez, sua jornada estava concluída. Ele foi crucificado, mas suas palavras de amor jamais foram esquecidas. Assim morrem os honestos, os justos e os inocentes. Assim uma longa jornada chegou ao fim.

Cavaleiros do Ar: Elos do ParaísoOnde histórias criam vida. Descubra agora