O anjo no pátio

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Enquanto eu esperava Natalia terminar de fazer a prova de geografia, eu ouvia Charlie Brown Jr., sentado no banco de concreto, entre os corredores do 2º e 3º ano. Pra escutar música eu sempre me isolava, era bom pra pensar na vida, refletir. Do nada, um rapaz sentou do meu lado e sorriu. Eu fui chegando pro lado, tirando os fones e me levantando pra dizer que ia procurar uma amiga, mas ele continuou me olhando e chamou meu nome.

- Por que está indo, Joe?

Meu corpo estremeceu por inteiro. Parecia que alguém estava me acertando com uma arma de choque na batata da perna. Eu me apoiei, trêmulo, no banco, sem conseguir dizer uma palavra. O rapaz levantou-se e disse, com voz firme:

- Não há aqui ainda algum profeta do Senhor, ao qual possamos consultar?

Seus olhos começaram a brilhar, e brilhar mais forte, e perguntou de novo:

- Não há aqui ainda algum profeta do Senhor, ao qual possamos consultar?

Todo seu rosto estava luminoso, ele estendeu sua mão esquerda e tocou em minha boca, senti como se estivesse me queimando com uma brasa encandescente.

- Não há aqui ainda algum profeta do Senhor, ao qual possamos consultar? - ele perguntou pela terceira vez enquanto eu caía prostrado no banco, todo torto.

Era uma pressão tão grande que, enquanto sentia tudo tremendo e queimando, havia um temor dentro de mim, mas não era medo, era algo que me fazia reconhecer que tudo o que estava acontecendo ali era muito maior do que eu, e talvez se durasse mais eu não suportaria.

- Joe? Joe? Joe!! - uma voz distante me chamava.

Alguém me segurou, enquanto outros chamavam os professores, ligavam para ambulância, e eu estava fora de mim, ofegante e perplexo. Só me lembro de recobrar as forças quando me colocaram sentado na diretoria e jogaram água no meu rosto. Mesmo assim, disseram que meus olhos ainda ficaram arregalados por mais vinte minutos. Outros disseram que eu estava pálido, mas meus lábios vermelhos como sangue. Outros ainda comentaram que minhas mãos estavam geladas, mas meu rosto estava fervendo. Enfim, disseram muita coisa, mas só eu sei o que eu vi. Cheguei no hospital e logo me liberaram porque nada do que aconteceu com meu corpo permaneceu por muito tempo, eu já estava normal de novo. A diretora, por ser amiga da minha mãe, me levou até minha casa e disse que eu era iluminado, porque conhecia minha família e sentia que o universo tinha um destino grandioso pra mim. Eu continuei calado, só digerindo.

Minha mãe fez um chá de camomila pra mim enquanto pedia pra eu repetir pela décima vez o que eu havia visto naquela manhã. Ela me passou a xícara, sentou-se na mesa comigo e suspirou, olhando pra janela. Não perguntou mais, e então eu resolvi perguntar o que ela achava. Sem muita cerimônia, sem voltas, ela olhou diretamente pra mim e disse exatamente assim:

- Filho, você acabou de descobrir quem você é.

- O que quer dizer? - perguntei, tomando um gole do chá.

- Quando as pessoas se convertem, geralmente demoram anos para entender de que forma elas refletirão a glória de Deus aqui na Terra, ou seja, como elas cumprirão o chamado de Jesus. Mas você, querido, teve o privilégio de receber uma mensagem direta, e isso é para poucos. Isso significa que você é o que chamamos de profeta.

Eu coloquei a xícara na mesa e ri.

- Ah, fala sério, mãe! - disse enquanto me levantava da mesa, levando a xícara até a pia e depois fui procurar um biscoito no armário:

- Profetas são velhos, barbudos, com aquela cara desnutrida, experientes. Não tem nada a ver comigo.

Ela se levantou, tranquila, e disse enquanto andava em direção à sala:

- Você pode lutar contra seu chamado o quanto quiser, mas jamais será satisfeito enquanto não desenvolvê-lo.

O dia em que eu pireiOnde histórias criam vida. Descubra agora