Minha casa ficou cheia de gente, de repente! A sala cuspia pessoas de tudo quanto é lugar que vinham pra me ver. Digo, literalmente apenas "ver". Não era um culto marcado, uma visita de parentes preocupados, mas gente da cidade que souberam do que aconteceu comigo. Políticos, vizinhos, colegas de trabalho, da escola. Eu percebia cada vez mais que eles não estavam somente querendo saber minha história, mas havia uma curiosidade pelo sobrenatural, algo que eles desejavam carregar com eles, mesmo que não dissessem isso claramente.
- Cara, eu vi no youtube! Tá rolando milhões de visualizações do garoto que era cego e do nada começa a enxergar, outro que foi curado da pele e depois os policiais chorando! E sua cara de bobão orando pela mulher, e todo mundo orando junto. No face só se fala disso!
- Eu nem toquei no celular ainda, nem tomei banho na verdade. Mal cheguei e parece que choveu gente aqui.
- Você é uma celebridade agora, você e seu pastor.
Uns amigos antigos da escola estavam ali, junto com a multidão, como se minha casa tivesse virado algum tipo de boate. A minha mãe estava pirando na cozinha, fazendo sucos e mais sucos, enquanto umas vizinhas enchiam seus ouvidos com perguntas e opiniões. Meu pai parecia outra pessoa, estava animado, contando a história que nem ele viu. O wi-fi ficou até lento de tanta gente usando. Com a chuva aumentando, foi-se a internet e a luz, mas o pessoal se cansou? Não. Continuaram noite a dentro, com velas espalhadas pelas mesas e estantes, enquanto meu pai me lembrava um pirata aventureiro contando suas façanhas para sua tripulação. Nunca imaginei isso acontecer algum dia porque sua personalidade era o oposto de extrovertida.
- Como você teve coragem de rezar em público assim? - Camila indagou, coçando o nariz ao lado do piercing brilhante.
- Não foi reza, eu orei. Não é tão difícil. Admito que em outros tempos eu não faria isso, jamais.
- Agora o mundo todo está vendo, cara! Você vai ficar mais famoso que o Justin Bieber! - Chico empurrou meu ombro de leve, sorrindo. Senti o cheiro da maconha em seu hálito.
- Não faz assim com ele, acabou de chegar do hospital! Vamos, vou te ajudar a sair daqui um pouco. - alguém me carregou pelo braço em direção ao corredor, foi muito rápido. Era uma voz mansa e doce, um cheiro maravilhoso. - Onde é seu quarto?
Algo com 40 graus negativos explodiu em meu estômago e gelou até o cérebro.
- Amanda Sophia?
- Que bom que sua memória está boa, né? - ela piscou os olhos em câmera lenta, alguma música brega e romântica começou a soar em minha mente, aquilo era um péssimo sinal. Toda vez que uma música tocava só dentro da minha cabeça, era quando eu estava prestes a colar a boca em alguém. Eu tinha essa mania de criar um clima pra eu poder beijar devagar, devido a reclamação de uma ficante sobre eu ser muito "apressado". Quanto mais brega a música, melhor a "ficada". Só que eu fiz isso tantas vezes, que se tornou um gatilho. E agora, meu corpo estava tentando me sabotar.
- Pode deixar que eu me lavo depois. Obrigada pela preocupação! - dei um sorriso e me desvencilhei daquelas garras vermelhas.
Ela não desistiu e me segurou forte.
- Só quero ajudar. - sua testa franziu. - O que você acha que eu faria? Sou da mesma igreja que você! Que absurdo!
Me lembrei de Natalia me convencendo que não deveria julgá-la pelo seu passado. Realmente, talvez eu devesse deixar a paranóia, até porque eu era uma nova pessoa. Olha quantas coisas aconteceram comigo! Deus me usou pra converter um hostpital inteiro! Nem a Miss Universo me tiraria do fico agora, quero dizer, foco. Nem aqueles olhos maravilhosos e aquela boca carnuda poderiam me tentar.
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O dia em que eu pirei
EspiritualMeu nome é Joe e eu pirei de vez. Eu era só um cara de 16 anos nada especial. Tudo começa com ela, Natalia. Ela me levou a experimentar algo misterioso, algo que mudou tudo, abriu todos os meus poros. Agora não posso voltar atrás porque sinto coisa...