E a parada ficou séria

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Acariciando minha pulseira do reggae, perdido em devaneios distantes, tive uma ideia genial para mudar as coisas.

A semana estava parada demais, eu fiquei muito gripado no dia da célula e não pude ir, na quinta-feira fui dormir durante a tarde e minha mãe esqueceu de me acordar pra hora do culto, quando levantei já eram dez da noite. Estou me sentindo estranho, parece que arrancaram um pedaço de mim. Sinto falta dos novos amigos, do ambiente da igreja. As brigas aqui em casa aumentaram, meu pai voltou a chegar bêbado depois do trabalho. Ele tinha conseguido parar auxiliado pelas reuniões dos Alcoólicos Anônimos, mas estava se afundando novamente.

Eu achei que havia uma esperança através de mim, sabe? A semana anterior foi tão intensa, e agora estava tudo tão... Normal.
Uma semana experimentando a loucura de Deus ativou meu lado inconformado. As coisas da minha antiga rotina não me satisfaziam mais.

Porém, uma força pesada e massante tentava me levar a preencher esse vazio com coisas naturais pra um cara como eu.
Eu tive a ideia de vasculhar meu quarto, sem nenhum motivo, e achei meu bom e velho skate. Estava surrado, todo arranhado, rodas gastas, mas ainda era o meu melhor amigo de todas as horas. Coloquei na rua e comecei a remar, sem rumo. Era um sábado, sem nada marcado, o dia seria todo meu.

Natalia faltou a semana inteira e o celular caía na caixa postal. Ou ela era bipolar ou estava acontecendo alguma coisa muito ruim. Eu não sou de ir na casa das pessoas sem avisar, então nem pensei em dar um pulo na casa dela. Tenho vergonha dessas coisas. Se fosse o contrário, ela já estaria na minha porta desde o primeiro dia em que eu faltasse o colégio.

Mas estamos falando de mim, e eu sou complicado.

O skate ganhava velocidade e o vento batia com mais força no meu rosto. Não havia quase ninguém nas ruas, era um dia nublado e um pouco frio. Mas eu sinto calor o tempo todo, então saí de camiseta, bermuda e um vans preto. Meu cabelo espetado precisava ser raspado urgentemente, então coloquei um gorro preto. Sem querer aparecer, mas eu sou um cara bem estiloso.

Dobrei uma, duas, três esquinas e continuei remando. Num momento em que eu me distraí legal, um carro atravessou a rua e me pegou em cheio.

- Ai meu pai! Ai meu Deus! - gritou alguém.

Nessa altura eu estava estatelado no chão, com a cabeça doendo e vendo estrelas.

- Ai minha cabeça... - eu tentei me levantar, mas uma pessoa se debruçou por cima de mim e me manteve imóvel.

- Fique calmo, garoto, meu filho está chamando a ambulância, tá?

Estava tudo embaçado e voltando ao normal aos poucos.

- Joe? Joe!!! - outra voz surgiu. - Mãe, é o Joe! Amigo da Natalia!

- Meu Deus do céu! Eu queria tanto conhecê-lo! E acabei de atropelá-lo!

- Eu acho que estou bem. - levantei num impulso e fiquei sentado. Minha nuca e algumas partes dos braços e joelhos ardiam.

- Ainda bem que eu não estava indo tão rápido! - a mulher exclamou, sentando-se ao meu lado.

- Acho que eu é que atropelei a senhora. - sorri.

- Será que precisa de ambulância? - Pedro veio em nossa direção com o celular na mão.

- Não, que isso! Eu vou pra casa lavar a cabeça, minha mãe faz um curativo. - tentei me levantar, mas fiquei tonto, cambaleei e sentei-me novamente. A cabeça doía demais.

- De jeito nenhum! Faço questão de te levar ao hospital, vamos dar uma olhada nessa cabeça aí! Está sangrando, e só Deus sabe se teve traumatismo! - ela me ajudou a levantar e sinalizou para Pedro buscar o skate. - Eu trabalho no hospital, conheço alguns plantonistas que podem ajudar.

O dia em que eu pireiOnde histórias criam vida. Descubra agora