O abraço da morte

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Enquanto eu a conduzia de volta para sentar-se na cama, senti o alívio de ver a sinceridade nas palavras de Amanda. Era apenas mais uma garota que o sistema enganou. Rostos bonitos e festas não preenchiam mais o seu coração. Ela só queria recomeçar.

- Me desculpe por isso. Eu sou assim mesmo, o que vem na cabeça eu falo. - sua mão levou uma mecha de cabelo para trás da orelha.

- Que isso. Olha, podemos conversar sobre outra coisa, até você se sentir melhor, sei lá.

- Você sempre foi diferente... Não sabe o quanto isso é bom.

- Eu? Eu ia pras mesmas festas que você, lembra? Bebi as mesmas cervejas, dancei as mesmas músicas, provei os... Esquece. - agora quem estava ficando triste era eu.

- Mas você conseguiu abandonar, conseguiu mudar! Tenho tanta inveja de gente assim.

- Cara, quem te contou que eu virei o superman? Deve ser os óculos, eu não tenho um, mas vou comprar. Aí ninguém mais vai desconfiar.

- Certo, só falta o rosto maravilhoso e o corpo bombado pra ficar igualzinho a ele.

- Ah, sua...- parei antes que falasse alguma besteira enquanto os olhos dela brilhavam com aquele jogo de palavras.

- Sua o quê? - me empurrou de leve.

- O que eu quis dizer é que não existem super-heróis, somos todos humanos que dependem de Deus pra andar no caminho certo.

- Só que é mais difícil para alguns... - seu olhar se tornou vago, devia estar com alguma lembrança ruim.

- Eu não concordo. Tem dias que parece que morri e parei no inferno, de tão ruim que são as coisas.

- Eu passei por...por coisas... situações difíceis de se esquecer...

- Eu não falei que te entendo?

- Não é isso, não foram as coisas que eu fiz! Mas o que fizeram comigo! - sua voz se alterou. - eu era uma criança, Joe!

Eu juro que tentei falar alguma coisa, mas pensei em tantas possibilidades para o que ela realmente queria dizer, que não sei se estava preparado pra saber.

- Amanda! - minha voz saiu firme - Eu perdi meu irmão! E quando estava no hospital, tinha uma criança com o corpo todo queimado e que apelidaram de "tostadinho"! Todo mundo tem traumas, coisas inexplicáveis, injustas, mas e daí? A vida não é fácil pra ninguém, entende isso de uma vez!

Ela estava paralisada, os olhos cheios de um oceano amargo, prestes a transbordar. Tentei pegar mais leve:

- Eu não sei pelo que você passou. Mas sua dor não vai embora se você insistir em carregar esse fardo, sempre se achando culpada, e colocando a culpa em algo do passado, num ciclo infinito de depressão. Meu pai viveu assim por tanto tempo que aprendeu a conviver com isso, e só hoje ele começou a reconhecer que precisa abandonar esse fardo. Mas imagina quanto tempo ele perdeu carregando isso!

- O meu problema é que não sei até que ponto mereço esse fardo. - ela me encarou fixamente, seu olhar se transformou em algo que eu ainda não conhecia.  - Eu me tornei o que sou hoje porque aprendi a não confiar em ninguém e a ser dona do meu destino.

Cheguei até um pouco para trás porque sua voz estava um pouco intimidadora.

- Eu sou cristã, mas nada pode mudar meu passado, o que fizeram comigo não tem perdão. Eu lamento pelo seu irmão, mas não se compara com estar nas garras de um canalha nojento. Deus que me perdoe, mas eu ainda acabo com a raça dele!

O dia em que eu pireiOnde histórias criam vida. Descubra agora