O dia em que meu mundo foi destruído

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Sensível. Essa é uma palavra que não me descreveria, jamais. Meus problemas sempre guardei só pra mim, e não queria saber dos problemas dos outros. Cada um que resolvesse o seu. Cada um no seu quadrado.

Mas, quando essa essa piração toda começou, alguma coisa mudou. Algo se quebrou. Algo que eu nem admitia que existia: um ego enorme. Minha mãe sempre me tratou da melhor forma possível, um medo desesperado de me perder. Meu pai também, do jeito dele. Os dois não suportariam se algo acontecesse comigo. E algo estava acontecendo. Eu estava doente.
Uma aparente síndrome, um quebra-cabeça que os médicos não conseguiam resolver.

Soube que meu pai estava tentando uma transferência pra mim a dias, por isso ele não aparecia no hospital.

  - Até na justiça ele foi. - disse minha mãe. - Não queríamos te deixar preocupado.

Antes, eu gritaria com eles, sairia dali a força me jogando na paredes e socando quem tentasse me impedir. Eu só pensava em mim. Tudo girava ao meu redor. Eu era o centro do meu mundo.

Mas naquele momento eu queria tanto que aquilo acabasse pra que meus pais não sofressem! Nem me reconhecia mais em meus pensamentos. Parecia que alguém pensava por mim. Como se os pensamentos de alguém bom, alguém amoroso, estivessem tomando os meus, me transformando.
E em meio ao caos, algo estava sendo construído em mim. E algo estava sendo destruído também.

- Você não sente vergonha, cara?

- De quê, guri?

- De sua mãe te dar comida na boca e te levar ao banheiro?

- Confesso que é difícil acertar alguma coisa no escuro.

- Que horror! - o garoto riu.

- Que pensamento poluído! Estou falando da colher!

Ele riu ainda mais.

- Podemos fazer um programa juntos, depois que sairmos do hospital. "Cego e Tostadinho".

- Por que Tostadinho?

Ele ficou em silêncio.

- É que...é meu apelido...por causa da minha pele.

- E você gosta desse apelido?

- Não muito...- ele fungou e disfarçou. -eu acho outro nome pro nosso show, então.

- Sério, Gabriel. Não deixe ninguém te chamar assim se você não gosta. Ser negro é motivo de orgulho, não se envergonhe de quem você é.

Ele não fez mais comentários e isso me preocupou.

- Que tal: Risada e Risadinha?

Ele riu baixinho.

- Não gostou?

- Parece nome de dois palhaços idiotas. - ele continuou rindo.

- Vish, é verdade. - gostei de tê-lo animado de novo. - então pode ser "Sorriso e Gracinha"!

- Hora do banho. - a mãe do Gabriel interrompeu, buscando o guri. Eu podia imaginar a expressão de constrangimento dele.

- Mãe!

Ouvi as rodinhas da cadeira de rodas se afastarem até não ouvir mais.

- É muito bom isso que você está fazendo por ele. - disse uma voz feminina e até então desconhecida. Voltei o rosto na direção da voz.

- Quem é?

- Não lembra de mim? Sou a Marta! Você bateu no meu portão aquele dia, e ficou de orar por mim! E pelo meu marido.

O dia em que eu pireiOnde histórias criam vida. Descubra agora