Os dias seguintes se seguiram iguais, eu agora passava as manhãs treinando na área, Azriel não voltou a treinar comigo, porém estava sempre presente, vez ou outra ele saía para fazer o que quer que fizesse, mas voltava a tempo das refeições, que agora fazíamos juntos. Antes de dormir eu me deitava ao lado da lareira para ler, o encantador de sombras se sentava de frente para mim e agora tinha o estranho o hábito de me observar. Nossos pesadelos voltavam toda noite, os meus envolvendo meu passado, a cidade e o meu anfitrião, os dele eram desconhecidos por mim, algumas vezes eu vomitava, em outras eu só me levantava e corria para fora, mas em todos esses momentos terríveis o macho aparecia para me confortar. Eu procurava fazer o mesmo com ele, algumas vezes eu precisei acordá-lo, em outras eu me sentava ao seu lado e ficava em silêncio. Na maioria das vezes eu estava tão cansada que dormia na sala, em seu ombro ou em suas asas, mas sempre acordava na cama, enrolada em várias cobertas. Segurar minha magia dentro do corpo aos poucos se tornava mais fácil, ela fazia força para sair e eu a forçava de volta para dentro, o processo era doloroso e cansativo, geralmente acontecia depois dos pesadelos ou durante os treinos, mas vagarosamente eu estava conseguindo.
Em uma tarde, depois do almoço, Azriel havia me convidado para um passeio na cidade, ele estava tão empolgado que, para a sua surpresa, eu disse sim. Fui para o quarto me trocar e quando saí ele estava encostado na parede da frente, os braços cruzados, as asas encolhidas, as sombras ao seu redor e os cabelos caídos sobre a testa.
-Você só está indo caminhar, não está indo para a guerra.
Há um sorriso divertido em seus lábios enquanto ele observa minhas vestes e as adagas presas às minhas coxas e cintura. Eu o olho de cima a baixo e abro um sorriso irônico, reparando em suas roupas escuras, na espada em suas costas e nos sifões em suas mãos.
-Só você pode se vestir como se a qualquer momento fosse ser recrutado para a linha de frente?
-Você tem um ponto.
-Eu sei que tenho.
Esbarro em seu braço propositalmente enquanto ando até a sala, ouço sua risada rouca atrás de mim, segundos depois ele está abrindo a porta.
-Primeiro as damas. - Reviro os olhos e saio. - O quê? Eu sou um cavalheiro. - Seu sorriso se alarga, fecha a porta atrás de si e vem até mim.
-Oh perdoe meus modos, senhor cavalheiro!
Seguro o braço dele e o entrelaço ao meu, Azriel ergue as sobrancelhas e eu dou uma piscadinha, ele rapidamente vira o rosto. Nós andamos calma e silenciosamente para perto do rio, fecho os olhos aproveitando os primeiros raios de sol em dias, ou semanas, eu não sabia dizer, que eu sentia em minha pele. Confiei que meu guia não me deixaria cair ou trombar com ninguém e acertei, senti um leve aperto em meu braço e abri os olhos para caminhar sobre a ponte. Suspirei quando as casas, lojas e restaurantes ganharam formas, quando reparei nos rostos alegres dos feéricos adultos e crianças que passavam por mim, me senti bem naquele ambiente, de certa forma me parecia familiar. Ao meu lado o homem observava atentamente cada expressão e som que eu fazia, expectativa brilhando em seus olhos, pude compreender que ele amava aquele lugar, e queria muito que eu gostasse também.
-Lá... - Ele aponta para o que me pareceu ser a montanha mais alta. - É onde alguns de nossos encontros acontecem, nossa sede, é uma das nossas casas da família.
Penso na história que me contou sobre os irmãos e a madrasta, certamente não seriam eles a família de Azriel, então... Quem seria?
-Quem é sua família? - Pergunto sem desviar o olhar do pico da montanha que aos poucos começa a parecer com algum estilo diferente de casa.
-É difícil explicar. Vai de illyrianos e feéricos a uma ex humana e... Sabe-se lá o que é a Amren. Eles são complicados de lidar as vezes, mas são ótimos.
O modo estranho mas ao mesmo tempo carinhoso em que ele fala da família faz eu me sentir culpada. Lembro dos meus últimos pesadelos e sinto angústia crescer em meu peito. Ele é sempre sincero comigo e eu estou sempre escondendo coisas, coisas graves que podem mudar qualquer que seja a ideia de pessoa boa que ele tem de mim. Eu poderia estar entregando agora minha cabeça de bandeja para ele, mas eu não me importava, precisava falar.
-Azriel... - Minhas mãos tremem.
-Está com frio? - Segura minha mão que estava apoiada em seu braço.
-Não... Eu preciso falar uma coisa.
Paro de andar e ele para também, se virando de frente para mim, a preocupação em seus olhos me obriga a desviar o olhar.
-Você conhece o Grão-Senhor da corte noturna, é claro...
-Sim. - De canto de olho eu vejo seu sorriso. - Ele é um dos meus irmãos.
Meu sangue gela, sinto a cor deixar meu rosto e meu coração bater mais rápido. Eu estou com medo, não do Grão-Senhor ou de sua Corte, mesmo que seja conhecido por seu poder, meu medo vem da reação de Azriel ao que estou prestes a revelar.
-Você está bem, Lucille? Está gelada.
Cuidadosamente eu tiro sua mão da minha, solto seu braço e dou alguns passos para trás, ainda sem coragem o suficiente para o encarar.
-Eu estava prestes a sair para uma missão na noite em que fugi... - Consigo sentir a culpa se expandindo. - Foi me dado dois alvos. Eu deveria entrar no acampamento inimigo, acabar com o primeiro e levar o outro, eram duas feéricas. - Olho para minhas botas. - Uma, a que eu levaria até o rei, havia roubado algo que ele queria de volta, e a outra... - Respiro fundo. - A morte da outra destruiria o Grão-Senhor da Corte Noturna. - Levanto a cabeça e olho em seus olhos, culpa agora por todo o meu corpo, envolvendo-o, me sufocando. - Eu fui mandada para matar Feyre Archeron, a parceira de Rhysand.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Corte de Sombras e Escuridão
FanfictionMesmo após a guerra, as bestas de Hybern continuam a perseguir Lucille, que fugiu antes que a batalha começasse e que fosse obrigada a cumprir sua tarefa. Depois de meses de fuga ela acaba usando o pouco que restava de suas forças para atravessar o...