Capítulo 8

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Após a refeição silenciosa, já que estávamos presos em nossos próprios pensamentos, Azriel não permitiu que eu lavasse a louça, então me aconcheguei na poltrona mais próxima da lareira, aproveitando seu calor, para esperá-lo.

Devido a canseira e o estresse do dia, acabei dormindo em poucos minutos. Acordei em uma cama espaçosa, enrolada em várias cobertas, reconheci o local que eu havia deduzido como o quarto dele, já que suas roupas e pertences estavam no armário.

Afasto o monte de cobertor que estava sobre o meu corpo e saio direto para o banheiro. A casa está toda iluminada pelo sol quando eu desço para a cozinha, há uma adaga que eu reconheço como a Fatiadora sobre um papel na mesa, eu os pego, percebendo que é um bilhete direcionado a mim:

Lucille,

Tive que sair para resolver algumas pendências, não devo demorar. Fique a vontade para andar pela casa ou pela cidade. Mande me chamar se precisar.

Até logo,
Azriel.

P.S. Tenho certeza de que não vai precisar mas deixei a Reveladora da Verdade para você.

Dobro cuidadosamente o bilhete e o coloco no bolso, mantenho a faca perto de mim enquanto tomo café da manhã, subo para o quarto logo depois, me lembrando dos livros que vi na estante. Escolho o que me chama mais atenção e me jogo na cama para começar a ler. Eu conheci muitos livros de muitos tipos, mas nenhum tão novo e com temas tão leves quanto aquele.

O rei de Hybern não queria só alguém capaz de usar a força física, mas também alguém que soubesse usar a mente, irônico já que eu sou uma daemati. Sorrio de lado me lembrando de seu choque quando o expulsei da minha mente, meu sorriso morre quando lembro da punição que recebi em seguida.

Abro o livro, aproximando-o do meu rosto e apreciando o cheiro de novo. Sinto vontade de rir tentando imaginar o guerreiro de sombras lendo um romance meloso como esse.

Desço para almoçar depois de ter acabado a história, pouco tempo mais tarde eu me pego batucando os dedos na mesa sem ter mais o que fazer. Subo as escadas mais uma vez na intenção de voltar para o quarto mas uma porta no final do corredor chama a minha atenção e eu vou até ela.

Abro a porta encontrando um quarto escuro e sem janelas, passo a mão na parede ao lado do batente, procurando o interruptor, e acendo a luz. Meu queixo ameaça cair quando percebo que estou de frente para uma área de treinamento, entro observando cada espada, escudo, adaga e arco, havia um ringue no meio da sala e alvos espalhados por todos os lugares, achei aquilo bem interessante. Desembainho a Fatiadora e a deixo sobre uma das prateleiras, pego uma espada longa e afiada, girando-a ao redor do meu corpo.

-Atrapalho?

Em um movimento rápido, eu seguro a espada com força e giro, colocando-a no pescoço do invasor, Azriel nem mesmo pisca, apenas abre um sorriso de lado e levanta as mãos em sinal de rendição, abaixo a arma notando que os curativos e os machucados em seus braços, feitos por mim, tinham desaparecido.

-Procurou uma curandeira?

-Sim, fui ver uma delas hoje de manhã.

Sinto alívio relaxar meu corpo e me viro de costas para poder fechar os olhos e soltar um suspiro. Volto a prestar atenção nos outros objetos.

-Com quem você treina?

-Aqui sozinho, na outra casa eu treino com os meus irmãos.

Fico surpresa por saber que ele tem irmãos e sinto vontade de perguntar sobre, mas me sinto sendo invasiva. Ao meu lado, observo quando ele também pega uma espada e me viro para ele, uma ideia passando pela minha cabeça.

-Quer treinar?

-Com você?

Franzo o cenho e olho ao redor como se procurasse mais alguém, volto a olhar para ele que esconde um sorriso.

-Eu acho que sim.

-Pode não ser uma boa ideia.

-Oh vamos lá! - Sigo para o ringue - Não se preocupe, não vou machucar você. - Brinco.

Dobro as barras da calça e as mangas da blusa enquanto o espero. Estive curiosa sobre como ele luta desde quando quase nos enfrentamos na primeira vez que eu o vi. Faço uma trança e uso uma das amarras da túnica para prendê-la. O encantador de sombras vem lentamente até o ringue e eu estremeço em antecipação, de frente para mim ele sorri.

-Então vamos lá.

Depois da minha espada encontrar pela quarta vez o pescoço de Azriel eu me irrito.

-Você está me deixando ganhar! - Esbravejo sem mover a lâmina.

-Não estou.

Há suor por todo o nosso rosto e nossa respiração está ofegante, nossas espadas se encontraram várias vezes mas eu tenho certeza de que ele me deixou ganhar já que não pude usar nem metade do que sei antes de a luta ter acabado. Ele parece experiente demais para perder assim tão fácil.

-Você me deixou ganhar, por quê?

Ele não responde, porém não desvia o olhar. Sua espada está debaixo do meu pé, suas asas encolhidas e seus cabelos bagunçados, procuro rapidamente por sinal de ferimentos e não encontro. Opto por utilizar da técnica que aprendi há muito tempo.

-Sinceramente eu estou frustrada. - Deixo meu rosto o mais sério que consigo - Realmente pensei que você fosse um guerreiro experiente... - Seu cenho começa a franzir e eu sorrio internamente. Feérico ou não, acerte o ego. - Devo ter me enganado, ou pode ser que décadas de vida deixaram você cansado.

-Eu sei o que está fazendo.

-Não estou fazendo nada. - Abro um sorriso - Mas queria treinar com alguém experiente.

Suas feições voltam ao normal antes de ele sorrir e um brilho passar por seus olhos. Em questão de segundos ele sai do alcance da minha espada e segura meu pulso com força, dando um puxão e posicionando-se atrás de mim, com a outra mão prende meu braço livre às minhas costas, minha mão ainda segura o cabo da espada quando ele a coloca no meu pescoço, me obrigando a continuar segurando, meu corpo está totalmente preso ao dele.

-Aí está você. - Abro um sorriso maior ainda.

-Não são só décadas, querida. - Ele se inclina para falar no meu ouvido - São séculos. Tenho mais de quinhentos anos e posso garantir a você que tenho experiência em muitas coisas além da luta.

Minha respiração ofegante agora não tem relação nenhuma com o combate. A voz sussurrada de Azriel está diretamente no meu ouvido, posso sentir sua respiração no meu pescoço, enviando arrepios por todo meu corpo, minha boca está seca.

-Além disso... - Uma de suas mãos solta meu braço mas ele se aproxima ainda mais, o prendendo com seu corpo, a mão livre pousa sobre a minha costela - Você está ferida.

Não encontro o que falar e nem me esforço para isso. Ele também não. Continuamos na mesma posição, sua respiração ainda muito próxima e quente no meu pescoço, sua mão ainda no meu corpo, acariciando a pele machucada, meu coração acelerado, ambos respirando fundo.

-Eu vou soltar você agora.

Sem pressa alguma ele afasta a espada do meu pescoço e a tira da minha mão, mais devagar ainda seu corpo se separa do meu. Permaneço imóvel, tentando me recompor. Respiro fundo uma última vez antes de me virar para encara-lo, me sinto aliviada de perceber que não fui a única a ficar abalada.

-Bom... Foi muito bom, espero que possamos fazer isso mais vezes.

Dou uma piscadinha e fujo de lá o mais rápido possível.

A Corte de Sombras e EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora