Azriel está há alguns minutos congelado. A confirmação que eu precisava de que ele sabia. Sinto meu coração doer por ele ter escondido uma coisa tão importante assim de mim, sinto raiva por não ter ligado os pontos antes. Me afasto dele, endireito a coluna, levanto o queixo, minha voz é fria quando eu volto a falar:
-Nós vamos conversar agora. Espero você na casa.
Ele pisca e então recobra a consciência, há dor em seus olhos e eu preciso de muita concentração para não abraça-lo. Viro de costas e me apresso para chegar no mesmo local em que pousei mais cedo com Cassian, ouço os passos do illyriano atrás de mim, observo a longa distância entre a casa e o chão, tomo uma decisão imprudente causada pela raiva.
-Me deixa te...
Antes que ele possa sequer completar a frase eu pulo. Ouço seu grito de desespero ficando cada vez mais longe, o som de suas asas, o vento em meu rosto e então atravesso, surgindo na porta de sua casa. Entro a passos firmes, adrenalina ainda correndo em minhas veias, sigo direto para o quarto e em questão de segundos Azriel está atrás de mim.
-Ficou maluca? - O tom de desespero permanece em sua voz. - Você podia ter morrido! Como faz uma coisa dessas?
-Como eu faço uma coisa dessas? - Grito para ele. - Como é que você pôde esconder de mim que eu sou sua parceira?
Seus cabelos estão despenteados, olhos arregalados e sobrancelhas erguidas, seus olhos transmitem desespero, tristeza, dor e choque quando ele nota a mesma coisa que eu. O chão sob nossos pés tremeu quando gritei. Passo as mãos pelos cabelos tentando conter a fúria.
-Quando você soube?
-Quando eu te vi pela primeira vez.
Solto uma risada irônica, me sentindo ficar cada vez mais nervosa, ando de um lado para o outro, o quarto de repente parecendo pequeno demais.
-Tem todo o direito de gritar comigo...
-Não diga!
-Eu sei que eu errei, mas eu gostaria que me desse a chance de me explicar.
-Eu deveria ir embora...
-Não! - Ele se aproxima. - Por favor! Não vá embora!
O modo como suas mãos tremeram, como suas asas e sombras encolheram e o pânico em sua voz foram o suficiente para me travar. Eu paro de andar, cruzo os braços sobre o peito, e faço um sinal com a cabeça para que ele continue.
-Por favor, só me escuta. - Faz uma pausa para garantir que eu não vou sair. - Preciso começar com antes de você chegar, para que entenda. - Suspira. - Como eu te disse, por mais de quinhentos anos eu fui apaixonado pela Mor, e por mais de quinhentos anos eu fui rejeitado. Eu não sabia o porque, mas sempre tive certeza que a culpa era minha, eu não merecia o amor dela. Apesar de ter tido outras amantes, e de sempre ter tido a minha família comigo, eu me sentia sozinho. Não entendia porque o Caldeirão tinha feito isso comigo, ele tinha presenteado meus irmãos com parceiras e eu fui deixado de lado, mais uma vez. - Engole em seco. - Durante a guerra, acabei me aproximando de Elain, a irmã da Feyre, pensei que finalmente eu havia encontrado alguém, mas ela havia um parceiro, amaldiçoei o Caldeirão mais uma vez. Eu despejei toda a minha frustração e solidão nela, achei que eu estava apaixonado mas eu estava a usando e só caí em mim mesmo quando Rhysand e Feyre me repreenderam por isso. Me senti um monstro, mais uma vez eu entendi porque o Caldeirão não me dera uma parceira, eu não merecia, fui para o chalé para que pudesse ficar ainda mais sozinho, para fugir da situação horrível que eu havia criado com Mor e Elain. E então você apareceu, simplesmente apareceu na minha frente. Eu soube que você era a minha parceira assim que olhei em seus olhos e minhas sombras quiseram abraça-la. - Ele passa as mãos pelos cabelos numa tentativa falha de colocá-los em ordem. - Imagina o meu desespero quando eu vi todo aquele sangue e seu corpo rasgado. Eu não podia acreditar que minha parceira tinha acabado de me encontrar e já estava morrendo. Você estava morrendo, Lucille. Eu carreguei você para dentro e chamei Nuala e Cerridwen, implorei que elas me ajudassem a cuidar de você. Durante os dias que você esteve inconsciente eu não dormi, permaneci ao seu lado, na verdade, eu passava a maior parte das noites observando você dormindo, com medo de que a qualquer momento você pudesse desaparecer do mesmo jeito que apareceu.
Ele para, esfrega o rosto com as mãos trêmulas algumas vezes e respira fundo.
-Eu quis contar. Todos os dias desde então eu quis contar que você era a minha parceira, mas nunca parecia uma boa hora. Havia sempre algo nos atrapalhando. E nos raros momentos em que eu achei que tinha chegado a hora, fui covarde, tive medo de ser rejeitado mais uma vez. Que você se desse conta de que merece alguém melhor e fosse embora.
Respira fundo mais uma vez, tentando se controlar, o peito subindo e descendo rapidamente.
-Quando você acidentalmente me mostrou o que o rei fazia com você, eu fiquei louco, tinha levado você para a Casa do Vento para que a Feyre e o Rhysand pudessem cuidar de você porque eu iria até aquele lugar e o colocaria abaixo, nem que me matasse no processo. Mas então você acordou, e desde que nos conhecemos era a primeira vez que eu via você frágil daquele jeito, nem mesmo quando estava morrendo... Eu decidi que, mesmo que soubesse se proteger sozinha, eu protegeria você para sempre. - Faz uma pausa, engole em seco, continua: - Mesmo assim, ainda tinha algo faltando, alguma peça que não se encaixava. Você sentia os puxões no estômago, puxões que eu dava, como isso era possível se nunca tínhamos nos visto antes? Eu entendi quando você me mostrou como fugiu.
Franzo as sobrancelhas, confusa. Ele para um pouco, tentando se lembrar e prossegue:
-Nós estávamos em um dos acampamentos quando Elain sumiu. O Caldeirão a havia chamado e ela foi, se entregou inconscientemente ao rei de Hybern. Feyre e eu fomos resgata-la, invadimos o acampamento e estávamos fugindo quando fomos atacados, as bestas de Hybern rasgaram minhas asas. Eu não tinha força o suficiente para voar e estava carregando duas garotas, precisava salvá-las, precisava levar a minha Grã-Senhora em segurança, mas eu estava começando a cair, e então, eu senti um impulso tão forte, algo que, de algum jeito, me sustentou por tempo suficiente. Mas algo havia mudado a partir daquele momento, minhas sombras queriam ficar, elas queriam ir para o lado oposto do que estávamos indo, e pela primeira vez me dei conta de que tinha algo no meu estômago, uma corda, eu estava me segurando nela, tirando forças dela. - Ele joga o corpo para trás, encosta-se na parede. - Era você, Lucille, você me salvou. Sempre foi você. Então grite comigo, coloque essa casa abaixo se preferir, mas por favor, não vá embora.
Eu não tinha me dado conta de que estava chorando até aquele momento, levanto as mãos para limpar as lágrimas e percebo-as trêmulas demais. Eu estou em choque. Completamente em choque. Nós salvamos um ao outro inconscientemente, isso é... Não tenho palavras o suficiente pra isso. A minha vida toda eu pensei que estivesse sozinha, que o Caldeirão havia me colocado nesse mundo para viver a eternidade de solidão. Mas eu nunca estive sozinha. Azriel sempre esteve lá, ele sempre existiu, tudo o que eu passei, tudo o que ele passou, foi para que encontrássemos um ao outro. É difícil entender os planos do Caldeirão, mas uma vez que compreendemos tênis duas opções, aceitar ou ignorar e sofrer o resto da vida. Eu faço a minha escolha. Eu me jogo nos braços de Azriel, nos braços do meu parceiro.
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A Corte de Sombras e Escuridão
FanfictionMesmo após a guerra, as bestas de Hybern continuam a perseguir Lucille, que fugiu antes que a batalha começasse e que fosse obrigada a cumprir sua tarefa. Depois de meses de fuga ela acaba usando o pouco que restava de suas forças para atravessar o...