... alguns instantes antes...
"Não posso acreditar no que acabei de ouvir. Finalmente tenho um meio de acabar com tudo isso, e de quebra, ainda descobri como abrir o diário de Francisca. Essa ida de Felipe pra casa de Romero me deu uma luz no fim do túnel. Só preciso saber desse detalhe tão pequeno, mas tão importante, que tá no diário. É só descobrir por ele o que acontece no dia vinte e um de março de mil novecentos e vinte e cinco" pensou Gustavo, após encerrar a ligação com Felipe.
Rapidamente, o garoto colocou o seu chapéu e retornou ao local sombrio. Olhou em volta e, imediatamente, identificou a árvore que havia próximo de onde ele deixara o objeto de extrema valia para ele. Colocando as suas mãos nos cipós negros que envolveram o diário, Guga tentou puxá-los com toda a sua força, sem êxito. Tentou por uma, duas, três vezes, e nada. Frustrado por não ter conseguido, o garoto sentou-se na grama, encarando os cipós, pensando no que poderia fazer para recuperar o diário.
O menino ficou a pensar por alguns minutos, quando um barulho no meio da vegetação o deixou em estado de alerta. Prestando atenção no ambiente, apenas ouviu alguns grilos e o balançar da vegetação com o vento, cessando a sua preocupação por um breve instante. Ao colocar as mãos novamente nos cipós, o barulho mais uma vez o deixou em estado de alerta. Guga, então, olhando para o meio do mato, percebeu a sombra de um dos monstros de Donie a rodearem o lugar. Vagarosamente, o menino se deitou sobre os cipós com uma das mãos no chapéu, com medo de ter o seu corpo dilacerado pelos bichos. Sentindo a vegetação a se enroscar no seu punho, o menino não conseguia mais ter a liberdade de tirar o seu chapéu. Os cipós agora agarravam todo o seu corpo, inclusive a sua boca, fazendo com que o garoto não conseguisse emitir som algum.
Sendo levado para debaixo da terra, o menino apenas fechou os olhos e aceitou o que parecia ser a sua sentença de morte. Abrindo-os em seguida, viu que na verdade estava no subterrâneo daquela ilha maldita. Os cipós começavam a afrouxar a sua boca, braços e pernas, e Guga logo notou que parecia estar em um complexo de cavernas bastante estreitas, com a iluminação do local sendo feita por pequenos cogumelos que emanavam uma luz de cor azul, que até o trazia um certo sentimento de paz. Por sorte, ele não era claustrofóbico. Ao olhar para a sua frente, viu uma jaula cheia dos cipós negros que o arrastaram para debaixo da terra, que se misturavam também às raízes da árvore que ele havia memorizado como referência para encontrar o diário.
Aproximando-se vagarosamente da jaula, viu que dentro dela estava uma das velhas gêmeas, sem saber se era Carmélia ou Vanda. A velha estava lá, de olhos fechados, imóvel e encostada na parede cheia de raízes do interior da jaula, com as mãos voltadas para elas, então ele, esperto como sempre, presumiu que os cipós foram controlados por ela para que ele chegasse até ali.
— Vanda? — Sussurrou Guga para a velha.
Abrindo os olhos, a idosa, ao ver Gustavo, balançou a cabeça em sinal negativo. Ao fazer isso, os espinhos na sua jaula saíam das paredes, tentando espetá-la. Rapidamente, a velha fechou os olhos para evitar de ser torturada por eles, usando os seus poderes. Mas, pelo que Guga vira, a velha já estava no seu limite para evitar que tal fato ocorresse.
"Então ela é Carmélia. Como diabos eu vou tirar ela daí?", pensou o menino.
Olhando para todos os lados em busca de uma saída, o garoto nada viu. De repente, sentiu o cipó gélido enroscar-se no seu punho, dando um gritinho com o susto. Olhando para ele, viu o seu relógio e teve a ideia de olhar a hora.
"São três e cinquenta. Ah! É isso!", pensou novamente, lembrando-se do efeito diferente que a gravidade daquele mundo tinha sobre ele.
— Certo, aqui vou eu — pensou o menino, dessa vez, em voz alta.
Puxando as grades da cela, o garoto conseguiu quebrá-las com certa facilidade. Carmélia, apressada, saiu de lá no mesmo instante. Ela segurou as mãos do menino e fez um sinal de gratidão, meneando de leve a cabeça, puxando-o em seguida para dentro dos túneis. O menino, sem entender muito a pressa dela, apenas a seguiu.
De frente a outra cela mais na frente, o garoto deparou-se com o conselheiro ferido, de joelhos, sendo torturado pelos espinhos na sua jaula. Guga, já sabendo o que deveria fazer, arrancou as grades dela, e Carmélia, fazendo um movimento com as mãos, afastou os espinhos do corpo de Aron. Mancando para o lado de fora da onde estava preso, ele falou:
— Gu... Gustavo... Carmélia... que co... coisa boa ver vocês aqui...
— Conselheiro, o que aconteceu? — Perguntou Guga.
— Eu e Donie brigamos, e eu... bem... eu levei... a... pior.
Vendo o conselheiro naquele estado, Carmélia estendeu as suas mãos enrugadas na direção da cabeça de Aron. Boa parte das suas feridas sumiram, o fazendo se sentir bem melhor do que antes.
— Você e a sua irmã são cheias de truques, em? — Disse Guga, brincando.
Dando um tapa no pescoço do menino e apontando para o canto de uma parede com a cara séria, Carmélia lhe indicou aonde tinha parado o diário que ele escondera. Guga lembrou-se naquele momento que a velha muda não era tão amistosa quanto a sua irmã.
— Escutem, eu quase descobri o que causou a morte de Donie — disse Guga, após ter pego o diário. — A única coisa que faltou, foi o que Francisca anotou aqui no dia em que Tony morreu.
— Antony? Como assim? Ele e Donie morreram no mesmo dia? — Perguntou Aron, curioso.
— Sim. Inclusive, eu já sei como Tony morreu — disse Guga, surpreendendo Carmélia e Aron.
— Então, Guga, eu presumo que os dois acabarão sabendo como morreram ao mesmo tempo — disse Aron, se chateando. — Para fazer Donie lembrar-se de como morreu, você precisa contar tudo o que sabe pra ele de um jeito que o faça reviver o momento na mente.
Carmélia, agoniada, chamou a atenção dos dois para caminharem até algum lugar, os puxando. Gustavo queria contar a ambos como Tony morreu, e qual era a chave para abrir o diário. Porém, a velha muda não o deixara dizer mais uma só palavra se quer. Mais a frente, fazendo um movimento com as mãos, a velha controlou a terra que havia por debaixo deles, e abriu caminho na parte superior dos túneis que eles estavam, os fazendo subir até a superfície. Lá, ela viu Donie prestes a dar um golpe certeiro no rosto de Tony, então, com os seus poderes, fez com que Tony e Carmélia se teletransportassem para próximo de si, ficando bastante exausta após fazer tal feito. Tomando a frente, o conselheiro, com a sua voz rouca, gritou:
— Enzo Donie! Arrependa-se enquanto há tempo. Seu caminho só te levará à ruína!
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O chapéu de Antony Cobrich
FantasíaGustavo, mais conhecido como Guga pelos seus familiares e amigos, é um menino de 13 anos que tem a sua vida virada pelo avesso. Após pegar um atalho para o caminho da escola e atravessar o bosque próximo da sua casa, notou um chapéu em um galho de u...