Capítulo 8 - Segredos entre amigos

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Após passar uma manhã inteira sem conversar com a sua família, ouvindo o soar das batidas abafadas na porta de madeira do seu quarto, notou a sua mãe em pé na entrada do seu cômodo. O semblante dela estava transparecendo grande preocupação, a qual logo o garoto notou, fechando imediatamente o caderno que estava utilizando para estudar.

— Filho, o pessoal da escola me ligou, amanhã as aulas retornarão — disse Lúcia, coçando a cabeça.

— Tudo bem... — respondeu Guga, chateado pela notícia.

— Mais uma coisa: Felipe tá aí embaixo — disse sua mãe, abrindo um leve sorriso.

— Certo mãe, obrigado! — Falou Gustavo, animando-se e dando um salto da cama.

Entusiasmado, Felipe balançava a sua mão calorosamente para Guga no andar de baixo. Ambos eram crianças de poucos amigos, portanto, quando se viam, a alegria em seus corações era sempre contagiante. Sentando-se de frente para o seu amigo no já surrado sofá de seda do seu lar, Gustavo colocou-se a conversar com ele. Após alguns assuntos aleatórios sobre a escola e os jogos de videogame do ano, Felipe criou coragem e chegou ao assunto que mais queria falar:

— Seu padrasto esteve lá na minha casa ontem, disse que você havia sumido — falou Felipe, sussurrando para que Lúcia não o ouvisse.

— Sim, verdade, acabei dando uma sumida — disse Guga, abaixando também o seu tom de voz e olhando na direção da cozinha, com medo de que a sua mãe estivesse a ouvir a sua conversa. — Felipe, você não vai acreditar no que aconteceu, mas não posso falar aqui. Vamos sair.

Rapidamente, Guga levantou-se e foi até o andar superior da sua residência, jogou o chapéu dentro da sua mochila e, prendendo o relógio agora funcional do seu avô no pulso, desceu as escadas fazendo um enorme barulho a cada passada.

— Aonde pensa que vai, mocinho? — Perguntou a mãe de Gustavo para ele, cruzando os braços.

— Eu... eu vou ali com Felipe mãe, vamos conversar perto do lago — respondeu o menino.

— Mas vocês podem conversar aqui, não? — Perguntou Lúcia, preocupada com que o filho acabasse sumindo outra vez.

Os dois amigos se entreolharam na porta. Gustavo compreendeu que Lúcia ainda estava preocupada devido ao sumiço do dia anterior. Buscando então acalmar a sua mãe, Gustavo disse:

— Mãe, não se preocupe, eu volto antes de Getúlio chegar — falou Guga, passando segurança para sua genitora.

Consentindo a saída do seu filho com grande pesar no coração, Lúcia abriu a porta para que os dois garotos saíssem. Antes de Gustavo passar pela porta, ela notou o relógio do seu pai no pulso dele, mas nada comentou. Apenas observou os dois meninos a tagarelarem pela rua, felizes, intrigada com todas as esquisitices do seu filho.

Já nas proximidades do local em que ocorreu a primeira viagem de Guga à Monte Cinza, os garotos sentaram-se em um banco de frente para o lago. Ansioso para dar mais detalhes sobre o ocorrido para o seu amigo, Gustavo logo falou:

— Foi ali onde eu coloquei o chapéu e simplesmente fui parar naquele lugar estranho — disse Gustavo, apontando para o cajueiro em que estava no dia anterior. — Tinha um homem, um conselheiro, um jacaré, um submarino... —  falou Guga, atropelando as palavras e dando uma enxurrada de informações desconexas que de nada surpreendiam Felipe.

Olhando para o seu amigo, Felipe achou que ele estivesse louco. Gustavo, por sua vez, reparando a feição dele, logo puxou o chapéu da mochila e fez questão de pedir para que ele o colocasse.

— Eu já o coloquei antes, esqueceu? — Lembrou Felipe, totalmente descrente do seu amigo.

— Anda, coloca, você vai ver! — Insistiu Guga.

Colocou então o fedora em sua cabeça e nada aconteceu, como ele mesmo já premeditava. Gustavo então irritado tomou o chapéu da mão do seu amigo, o colocando, e para a surpresa de Felipe, Gustavo sumiu diante dos seus olhos.

— Gu... Gu... Guga!? — Chamou Felipe pelo seu amigo com a mão na boca, espantado.

Uma senhorinha passava pelo local e, vendo Felipe com a cara de abobalhado, sacudiu a cabeça em tom de desaprovação. Caminhando vagarosamente, a velha ranzinza logo tomou distância do menino, com cara de poucos amigos.

Poucos segundos depois, Gustavo reapareceu na frente de Felipe, de pé, com as mãos na cintura, orgulhoso. Sabia que agora o seu amigo acreditaria nele.

— Co... co... como isso é possível? — Perguntou Felipe para o seu amigo, gaguejando.

Rindo do estado dele, Guga colocou-se a explicar, dessa vez calmamente, toda a situação pela qual passara em Monte Cinza. Quanto mais falava, mais Felipe se abismava, sentindo até um pouco de inveja do seu amigo ter visto o que ele não viu.

— Mas... por que não funciona em mim? — Perguntou Felipe, ajeitando os óculos.

— Bem, me disseram que eu era um dos poucos do meu mundo que posso usar. Não me disseram o porquê, infelizmente — respondeu Gustavo. — Felipe, posso te pedir uma coisa?

— Já até imagino o que pode ser, mas diga —  respondeu Felipe, preocupado.

— Preciso voltar pra Monte Cinza. Me ajude confirmando pra minha mãe que dormirei na sua casa hoje, pode ser? — Perguntou Gustavo.

— Pode sim, mas me diga, quando você vai pra lá? — Perguntou Felipe, sentindo um frio na barriga.

— Assim que a gente se despedir — respondeu Guga. — Vou ter que ir até a frente do hospital da cidade e colocar o chapéu lá. Cada lugar aonde eu coloco o chapéu aqui, corresponde a um lugar diferente de lá, e lá na frente do hospital é mais próximo e seguro pra eu chegar no submarino de Tony — completou.

Guga não gostava de usar o seu celular, que estava em casa naquele momento e, após pegar emprestado o smartphone de Felipe, ligou para a sua mãe, a notificando de que iria para a casa do seu amigo naquele instante e dormir lá por aquela noite. Com certa relutância, a sua genitora concordou após o menino muito insistir, então, se despedindo do seu amigo, Gustavo seguiu rumo ao hospital da cidade, aonde novamente colocaria o seu chapéu e se aventuraria pelas terras cinzentas de Monte Cinza.


O chapéu de Antony CobrichOnde histórias criam vida. Descubra agora