Pouco antes do fim do túnel, uma escada guiava os três para a superfície de uma das ruas de Monte Cinza. Guga naquele momento apertava os olhos devido à mudança repentina de luminosidade do ambiente, com o vento a tocar-lhe a face, dando-lhe uma sensação revigorante, trazendo-lhe alívio após sair de um ambiente tão sujo como aquele.
— E agora, pra onde nós iremos? — Perguntou Gustavo, ajudando Vanda dando a mão para ela, que naquele momento chegava também à superfície após Tony.
— Nós? — Perguntou Vanda. — Eu sumirei, pra tão longe daqui que ninguém possa me encontrar, com certeza pra bem distante de vocês.
— E a sua irmã? Vai deixar ela lá com Donie? — Perguntou Tony.
Após dar uma olhada de leve para baixo, aparentando ter sido tocada pelas palavras de Tony, a velha tornou a falar:
— Impossível resgatá-la do jeito que estamos aqui. Nem sequer sabemos direito em que buraco Donie se esconde — disse Vanda, com os olhos se enchendo de lágrimas. — Sem contar que dizem que ele tem um exército de mercenários e criaturas pra protegê-lo. Seria suicídio.
— A sua irmã nos deu pistas de como podemos encontrar aquilo que queremos — disse Gustavo para Vanda. — Ela disse que de início poderíamos ir pra rua da simpatia, mas ela meio que disse também que lá poderia ser o último lugar que iríamos. Acho que ela quis dizer pra tomarmos cuidado quando chegássemos ao local — deduziu Guga.
— Ela disse isso? — Perguntou Tony.
Guga olhou para Tony lembrando-se de que o seu amigo não tinha uma memória tão boa, acenando com a cabeça em sinal positivo confirmando a pergunta dele. Fitando os olhos de Vanda, o garoto começou a falar:
— Bem, entendo que a senhora já está em uma idade avançada, então eu e Tony...
— Silêncio! — Interrompeu a velha. — Primeiro: senhora é a sua avó. Pare de me chamar de senhora, pirralho! E segundo: posso ser bastante útil para vocês, então se quiserem ter, pelo menos, um por cento de chance de conseguirem salvar a minha irmã e os mundos de uma catástrofe, terão que me aturar — concluiu Vanda, falando com um tom bastante confiante.
— Certo, senho... digo... Vanda! — Disse Guga, animando-se.
Os três então seguiram pelas ruas desertas de Monte Cinza rumo à rua da simpatia. Antes de virar a esquina que dava para o local que queriam chegar, viram uma estranha movimentação pela rua. Na frente da porta de uma mansão luxuosa e cinzenta, dois indivíduos musculosos que mais pareciam armários protegiam o local, enquanto pessoas encapuzadas de aspecto sombrio e vestidas de preto perambulavam na rua, afoitas, como se estivessem procurando alguém. E de fato, estavam.
— Ótimo, temos companhia — disse Tony, encostando-se na parede. — Alguma ideia?
Os três se olharam, em silêncio. Sabiam que não haveria muito o que se fazer naquela situação, pois se colocassem os pés na rua, na certa notariam a presença deles na mesma hora.
— A minha irmã disse mais algo a vocês? — Perguntou Vanda.
— Ela falou algo sobre saber aonde está para saber aonde ir... acho que algo assim, não foi, pirralho? — Disse Tony.
Naquele momento, de olhos arregalados, um estalo na mente de Guga fez ele deduzir o que Carmélia lhes havia dito. Era relacionado às peculiaridades do charmoso fedora em sua cabeça.
— Esperem aqui, já volto — disse Gustavo, retirando o chapéu da sua cabeça.
— Mas o quê? Pra onde ele foi? — Perguntou Tony, procurando o garoto.
De volta à Monte Azul, Guga reparou algo bem curioso: estava na mesma rua que mora o seu melhor amigo, Felipe. Naquele momento, achou interessante a rua da simpatia corresponder exatamente à rua três de outubro. O dia no seu mundo já havia dado lugar à noite, mas, apesar de ser uma noite bastante escura, a iluminação precária fazia com que Gustavo notasse mais uma coisa interessante: a casa do seu amigo estava no mesmo local da enorme mansão que estava sendo protegida pelos dois marmanjos em Monte Cinza. Teria a casa de Felipe alguma ligação com aquilo tudo? O que estava sendo protegido naquela mansão? As palavras de Carmélia ecoavam em sua consciência, e como um CD arranhado, sua mente repetia: "para saber aonde deve ir, deve sempre saber aonde está".
Ficou confuso. Não sabia se seguia até a casa do seu melhor amigo, no fim da rua três de outubro, ou se voltava para junto dos seus novos companheiros. Se voltasse, sabia que não teriam chances de passar por tantos capangas de Donie. E ainda tinham aqueles dois armários na frente do portão principal da mansão! Após pensar um pouco, resolveu respirar fundo e não se deixar levar pelo impulso. Colocando novamente o chapéu em sua cabeça, o garoto voltou exatamente para o mesmo local em que estava e lá, começou a discorrer sobre as suas ideias e sobre o que havia visto para Tony e Vanda.
— Bem, se os nossos mundos estiverem de certa forma conectados, na certa há alguma relação do seu amigo com a família de Donie — disse Tony, deduzindo o que Guga o havia dito.
— Ou pode ser apenas uma incrível coincidência — completou Vanda.
— De qualquer forma, não temos muito o que fazer, né? — Disse o garoto. — Terei que ir até lá e entrar na casa dele, ou perguntar se ele conhece alguém com o sobrenome Donie.
— Eu tive uma ideia — disse Antony, entusiasmado. — Se cada lugar do seu mundo corresponde a um lugar do nosso e a casa do seu amigo tá no mesmo lugar daquela mansão suspeita, basta você colocar novamente o chapéu dentro da casa dele! — Concluiu Tony.
— Bem pensado! Malandro não deixa de ser malandro nunca, né? Haha! — Disse Vanda, dando um tapinha nas costas de Tony.
— Tá legal, vocês me esperam aqui? — Perguntou o garoto.
— Sim! — Responderam os dois ao mesmo tempo.
Antes de retirar o chapéu, Vanda segurou a mão do garoto, dando-lhe um recado:
— Às vezes um grande acontecimento pode gerar pequenas mudanças! — Falou Vanda para o garoto, que naquele momento, notava uma estranha chama vermelha no fundo dos olhos da velha.
— Mas o que diabo é isso? — Perguntou Tony, sem entender nada.
— Ah, me desculpem, eu tenho esses breves lapsos de vidência, assim como a minha irmã. Porém, eu não consigo ter tanto controle quanto ela, apesar de sermos gêmeas idênticas. Bem, é bom lembrar do que eu te disse garoto, acho que vai precisar. Ou não — disse Vanda.
— Tu... tudo bem, até logo! — se despediu Guga, retirando o chapéu.
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O chapéu de Antony Cobrich
FantasyGustavo, mais conhecido como Guga pelos seus familiares e amigos, é um menino de 13 anos que tem a sua vida virada pelo avesso. Após pegar um atalho para o caminho da escola e atravessar o bosque próximo da sua casa, notou um chapéu em um galho de u...