Capítulo 21 - Prova de amizade

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De volta a Monte Cinza, deparou-se imediatamente com o grandioso oceano de águas cor-de-vinho que muito provavelmente guardava em sua profundeza o submarino do seu amigo. Aproximando-se daquela incrível obra da natureza peculiar daquele lugar, olhou para os lados, e nada viu além da própria paisagem em si, e nada ouviu além das ondas a ricochetearem nas pedras lapidadas em tantas eras por aquela imensidão de água.

Começou a olhar a vastidão do horizonte e a se perguntar do paradeiro dos seus amigos. Poucos segundos após pensar sobre, para o seu alívio, eis que a embarcação emerge das profundezas e o portão do lar de Tony vem ao chão, fazendo o mesmo barulho ensurdecedor de sempre da grande placa de aço ao se chocar no solo.

— Pirralho! Que bom te ver novamente! — Disse Antony, estendendo a mão para o garoto.

Desconfiado de Antony, Guga não lhe devolveu o gesto, evitando o aperto de mão. Sem entender, Tony ficou parado enquanto o menino seguia para dentro da casa, sem esboçar contentamento por rever o seu amigo. Seguindo o garoto, Tony logo entrou e a embarcação voltou para as profundezas do oceano.

— Tá tudo bem com você, pirralho? — Perguntou Tony olhando para Vanda, que naquele momento, devolvia-lhe o olhar com os seus olhos tristes.

— Você sabe quem é Francisca, não sabe? O que você fez, Tony? — Perguntou Guga, elevando um pouco o seu tom de voz.

— Pirralho, eu...

— Você o que? Não se lembra?

— De todas as coisas que gostaria de me esquecer, sem dúvidas essa era a que eu mais queria... Sente-se, vou lhe contar.

— Eu vou preparar um chá enquanto vocês conversam — disse Vanda, levantando-se da poltrona a qual estava.

Ambos se ajeitaram nas cadeiras e começaram a dialogar. Visivelmente, apesar da cadeira a massagear todo o seu tronco, Tony estava bastante desconfortável à medida que contava sobre toda aquela situação, que por acaso, lhe causava um sentimento de angústia profunda, o fazendo a todo tempo temer pela reação do menino, o qual ele tinha tanto apreço.

— Não me orgulho do que fiz, pirralho. De jeito nenhum. Sei que a minha cabeça funcionava de uma maneira totalmente diferente do que ela funciona agora. Na verdade, a cada dia aqui ela tem funcionado cada vez menos.

— Então, o que e porque você fez o que fez com Francisca? Você se lembra de tudo? Porque não me contou?

— Me lembrava de boa parte. Francisca era uma jovem muito linda, esperta. Era casada com Donie. Só que por algum motivo que não consigo me lembrar, eu fiquei furioso com ele — disse Tony, respirando fundo. — Então, mandei matarem a sua esposa. Depois de alguns longos meses, me veio a notícia de que haviam achado ela no Brasil e de que haviam executado com êxito o serviço. Donie, que já estava furioso por ter que mandar a sua esposa a força pra outro país na tentativa de salvá-la, enlouqueceu de vez, e com os homens dele, ele assassinou quase todos os meus fiéis companheiros. Acuado, eu e a minha mulher, Susana, tivemos que fazer o mesmo que Francisca fez, deixando toda a nossa vida na Itália para trás.

— Porque não me contou antes?

— Pirralho, eu sabia que você se assustaria com tudo isso. Ninguém em sua sã consciência confiaria em alguém com um histórico como o meu, e você tem toda a razão em querer deixar tudo pra lá e voltar pro seu mundo se quiser. Só quero que saiba que ao menos uma vez na vida, mesmo que em morte, eu queria fazer algo bom pra me redimir pela péssima pessoa que sei que fui.

Um enorme silêncio invadia todo o espaço do ambiente. Apenas ouvia-se Lilo com os seus dentes afiados a roer a base de uma das poltronas enquanto Guga olhava para baixo, com um turbilhão de pensamentos a invadir a sua mente. Vanda voltou para a sala de estar, perfumando o ambiente com os chás de algas do bar, que continham um cheiro bastante adocicado. Sentando-se na poltrona que Lilo estava roendo, o assustando, a velha fechou os seus olhos e ficou a relaxar com o massagear da poltrona. Reparando que o silêncio não só a acolhia, como acolhia também todo o submarino, Vanda ajeitou-se na poltrona e, com as mãos sobre os seus joelhos, fixou o seu olhar no garoto.

— Eu sei que você pensa que estamos só lhe usando. Mas olhe, menino, nosso objetivo aqui é impedir que Donie destrua o seu mundo. Não estamos tentando sacaneá-lo. Acho que se o nosso objetivo fosse esse, você já teria percebido, não acha? — Disse Vanda, tentando acalmar as dúvidas na mente do garoto.

— Eu sinto que devo confiar em vocês, mas não sei se vou conseguir confiar por completo sabendo do que descobri hoje. Espero que o que quer que aconteça, confirme a minha intuição. Desculpem — disse Gustavo, desconfiado.

Vanda entregou a xícara de chá para o menino e ele o tomou, mesmo desconfiado, apenas com um suave toque nos seus lábios, sentindo o gosto adocicado daquela iguaria. Sua mente emitia sinais de perigo para ele, mas a sua intuição o dizia que não havia nada a temer.

O silêncio agora formara um palco para que a sua mente se enchesse de preocupações. O menino começou a pensar em como gostava de estar ali, em Monte Cinza, e em como ele largaria Monte Azul sem pestanejar caso tivesse uma oportunidade. Tudo para evitar voltar para a casa da sua tia Serafina, realidade essa que se aproximava como um trem prestes a passar por cima de si e que estava logo ali, a poucos metros de distância. A cena que vira do barraco que a mãe fizera em frente ao seu lar se repetia em sua mente. Mas não queria pensar muito nisso, nem queria que Vanda e Tony percebessem a sua preocupação. Porém, mal sabia o garoto que a velha estava ciente de quase tudo o que ele sentia apenas por causa da sua mera presença ali.

— Percebo que, talvez, a sua desconfiança com a gente seja um problema pequeno comparado aos seus problemas pessoais. Quer falar sobre isso, garoto? — Perguntou Vanda, deixando o menino com uma expressão de surpresa.

Pensou rapidamente que não tinha para quem contar o que se passava em sua casa, apesar de todos da sua cidade já saberem da compulsão consumista da sua mãe que o levara sempre a situações embaraçosas. Ele não gostava muito de tocar no assunto, nem mesmo com Felipe, mas o tom de voz de Vanda lhe foi tão acolhedor, que a falta de confiança plena nos seus novos e esquisitos amigos se esvaía por completo.

— Eu e a minha mãe muito provavelmente seremos despejados de casa, e isso me deixa pesado. O pior de tudo é querer evitar tudo isso e não ter como. É bem sufocante pra mim. Mas enfim, não gosto muito de falar sobre isso.

— É por falta de dinheiro que isso vai acontecer? — Perguntou Tony.

— Sim.

— Pirralho, desculpe me intrometer, mas acho que posso te ajudar.

— Como? — Perguntou Guga, com curiosidade.

— Quando eu tava aqui no Brasil, resolvi esconder algumas joias de família que eram passadas de geração em geração. Venha até aqui — disse Tony, empolgando-se, puxando o garoto pela mão para perto da mesa na sala, abrindo o que parecia ser um pergaminho em branco que estava sobre ela. — Pelo que me lembre... é... então... qual o nome mesmo da cidade de onde você veio? — Perguntou, enquanto Vanda também se aproximava para ver o que Tony estava tramando, curiosa.

— Monte Azul.

— Ah, sim, Monte Azul — repetiu Tony. — Eu lembro que era uma cidade pequena, pacata, bem escondida. Perfeita pra ser meu esconderijo. Enfim, ela continua sendo uma cidade pequena? Ainda há um bosque nela?

— Sim, é o bosque que eu sigo pra cortar caminho pro colégio — respondeu Guga, cada vez mais curioso pelo que Tony iria lhe falar.

— Eu enterrei as joias mais ou menos por aqui — disse Tony, fazendo um desenho bem feito da posição do bosque em relação às ruas da cidade, especificando com uma bola marcada com o grafite o lugar aonde as joias estariam, como se tivesse um gps preciso na mente.

— Porque tá fazendo isso? — Perguntou o menino, totalmente surpreso com o que o seu amigo fizera.

— Porque você pode não confiar em mim, mas eu confio em você, pirralho. Faça um ótimo uso das joias.

O garoto não se conteve com a emoção e, imediatamente, seus olhos encheram-se de lágrimas. Guga vinha de uma família humilde, e ninguém, nem mesmo da sua própria família, nunca havia o ajudado de boa vontade antes. O menino logo deu um abraço apertado em Antony, selando de vez as suas desconfianças para com o ex mafioso. Em seguida, Vanda uniu-se ao abraço dos dois, fortalecendo assim o laço de amizade ali existente.

O chapéu de Antony CobrichOnde histórias criam vida. Descubra agora