Capítulo 31 - Adeus

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Todos estavam abismados com o que ouviram naquele instante. Os raios nos olhos de Enzo davam lugar a lágrimas que acariciavam a sua face e desciam lentamente pelo seu rosto. Aos poucos, os efeitos da desaceleração do tempo pelo relógio de Guga iam passando. O silêncio ainda perdurava por aquele local sombrio e sem vida, mas, inesperadamente, a ponta do sol, que estava escondido por de trás da montanha, emergia, trazendo para aquele local o mínimo de vida que ele jamais vira.

— Ela... me... amou tanto... — disse Donie lentamente, com o tempo a voltar ao normal aos poucos.

— Demais... — disse Guga para Enzo, que naquele momento, tocava a sua mão direita no chão, concluindo o movimento que faria para acertar o garoto, sem a presença dos raios.

Os monstros que estavam por todos os lados simplesmente pararam de lutar, incrédulos por ver o líder cruel deles com tal sentimentalismo. O corpo de Donie ia desaparecendo aos poucos diante de todos dali, e Antony, Aron, Carmélia e Vanda aproximavam-se de Guga naquele instante.

— Espero que um dia possa me perdoar — disse Antony para Donie.

— Eu não, apesar de já estarmos quites, Cobrich. Confesso que não me lembrava da proposta que fiz para a sua esposa — disse Donie, com a metade do corpo já transparente, com pontos de luz esverdeadas a surgirem em sua volta à medida que desaparecia. — Eu sei que não vou para um lugar bom, porque, sinceramente, não me arrependo de nada do que fiz. Sou mau por natureza, e sempre serei assim. Ser liberto desse lugar imundo e libertar as criaturas que foram tão excluídas por todos daqui, vivendo à margem dessa sociedade pacata assim como eu, era o meu objetivo, e vocês me fizeram fracassar. Nunca perdoarei nenhum de vocês. Até algum dia, seus desgraçados. — Concluiu, sumindo de vez da frente de todos, apenas a deixar a sua energia negativa e pesada no ar.

Olhando para Guga, Vanda percebeu o chapéu na sua cabeça a soltar algumas das luzes que Donie soltara ali a instantes atrás. Ao olhar para Tony, viu que o mesmo começava a soltar as mesmas pequenas esferas de luz diante deles.

— To... tony... n... não! — Gritou Guga, vendo que o seu amigo estava começando a sumir.

Tony, olhando para as suas mãos, viu que elas começavam a ficar transparentes. Não sentia medo, nem desespero. Apenas se sentia imensamente feliz e em paz, conseguindo se lembrar de tudo o que não lembrava. Com lágrimas nos olhos e bastante pesar, o ex-mafioso começava a falar as suas últimas palavras para os seus amigos:

— Gu... Gustavo! Guga! Eu sempre te chamava de pirralho, porque nunca me lembrava do seu nome. Me desculpe — disse ele, deixando escapar uma lágrima que caía involuntariamente da sua face.

— Droga... — sussurrava Vanda de coração partido, sem acreditar que o seu amigo estava partindo, com lágrimas a percorrerem as suas rugas.

— Bem, pra não perder a força do hábito... pirralho, você foi pra mim o filho que eu nunca tive. Que coração, meu Deus... qualquer pai ficaria muito orgulhoso de ter um filho como você — disse Tony, pegando nas mãos de Guga. — Velha, vou guardar o seu jeitinho rabugento pra sempre comigo, onde quer que eu vá. Aron, nem preciso dizer o quão grato sou a você, por tudo. E Carmélia, eu...

— Basta! — disse Vanda fazendo piadinha, sorrindo, em meio a um rio de lágrimas, olhando para a sua irmã que, naquele momento, desmanchava o seu jeito rabugento de ser, chorando muito com a despedida de Tony.

— Bem lembrado, Vanda, bem lembrado — disse Tony, sorrindo. — A nossa ida até a lanchonete Lamark vai ter que ficar pra outro dia, pessoal — concluiu, se lamentando, ficando cada vez mais transparente, enchendo o local de luzes pequenas e brilhantes.

Percebendo que Guga instintivamente iria retirar o chapéu para entrega-lo ao seu amigo, Aron, Carmélia e Vanda estenderam as suas mãos na direção do garoto, na tentativa de fazê-lo permanecer por mais alguns instantes naquele mundo.

— Oh! Nem acredito que consigo tocá-lo novamente! — Disse Tony, pegando o seu tão querido chapéu, admirando-o em suas mãos, enquanto Guga ficava a derramar cada vez mais lágrimas no chão, envolto por uma áurea branca criada pelos seus três companheiros. — Pirralho, muito obrigado por tudo. Seja um bom menino, tá? Adeus, meus amigos — Concluiu, colocando o chapéu e sumindo lentamente na frente de todos.

Ao sumir, a ilha inteira começava a pegar embalo e despencar dos céus. Aron, Carmélia e Vanda iam cada vez mais perdendo as forças para manter Guga lá, mas nada mais podiam fazer naquele momento para salvar o menino. Ele então percebeu, enxugando as lágrimas, que aquele seria o seu fim. Virando-se para os seus amigos, o garoto fez um sinal meneando a cabeça, como se estivesse se despedindo. Então, fechando os olhos e abrindo os braços, Gustavo apenas aceitou que a gravidade guiasse o seu corpo até o solo.

O chapéu de Antony CobrichOnde histórias criam vida. Descubra agora