Capítulo 7 - Retorno ao lar

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Suas pernas magrinhas cortavam o vento como nunca em um incessante correr desesperado pela escuridão da noite, segurando com força o seu chapéu na mão. Ansiava em chegar ao seu lar o mais rápido possível, e logo se deparou com a possibilidade de cortar caminho pelo bosque. Porém, sabia o menino, que tal decisão, apesar de lhe render alguns minutos a menos até a sua casa, era perigosa demais. Optou então por correr pelas ruas desertas de sua singela cidade.

— Meu Deus, não sei mais o que fazer! Já perguntei pros vizinhos, pra mãe de Felipe, e nada. Ele simplesmente sumiu! Getúlio ainda tá perambulando pela cidade, o procurando, mas tudo o que encontrou até agora foi a mochila dele aonde ele costuma ficar, debaixo de um cajueiro daqui de perto — falava Lúcia no telefone com Serafina, desesperada, aos berros.

— Já te disse, Lúcia, você pega muito leve com esse menino. Na certa deve estar vagabundeando com os moleques daí. Já te disse irmã, as pessoas daí são péssimas influências pra sua família. Povo de baixo nível — disse Serafina, com arrogância em sua fala.

— Sabe o que penso sobre isso Serafina... enfim, preciso desligar. Acho que Getúlio chegou. Até mais tarde — despediu-se Lúcia da sua irmã.

Ao chegar em casa, o semblante de tristeza já denunciava a sua tentativa falha de encontrar o seu enteado. Abraçou a sua esposa e em seguida, juntos, sentaram-se no sofá, ambos olhando para o telefone na esperança de que algum vizinho informa-se do paradeiro de Gustavo.

Já passava das onze e meia da noite quando ouviu-se o soar da campainha. Ingênuo, Guga fechou os olhos e esperou receber vários gritos desesperados de broncas da sua mãe após o abrir da porta, mas recebeu abraços e beijos calorosos da mesma. Seu padrasto voltou as mãos à cabeça e respirou profundamente, tranquilizando-se ao ver que o garoto estava bem.

— Meu Deus, aonde você tava esse tempo todo, querido? Eu tive tanto medo de te perder! Não faz mais isso comigo, Gustavo! — Disse Lúcia, desesperada, abraçando o seu filho.

Gustavo nada respondeu, até porque ele não planejara o que diria à sua mãe. Apenas havia se preocupado em chegar rapidamente ao seu lar. Sabia naquele momento que se falasse a verdade, seria tachado de louco. Não era bom com mentiras, e preferiu de início manter o silêncio.

— Gustavo, a sua mãe lhe fez uma pergunta — falou Getúlio com rispidez, olhando para o chapéu na mão do garoto.

O seu corpo gelou. Sabia que teria que interromper o seu silêncio revelando algum fato mentiroso sobre o seu paradeiro, logo, tentou rapidamente pensar em algo. E conseguiu.

— Eu... eu tava no bosque. Um cachorro me perseguiu e acabei caindo em um buraco fundo, só consegui sair de lá a pouco — disse Guga com a voz trêmula, tentando disfarçar o seu nervosismo.

Getúlio e Lúcia se entreolharam e suspeitaram de que o garoto estivesse inventando toda a história, porém, resolveram por hora acreditar. Naquele momento, o seu padrasto fazia questão de exalar através da sua face o seu descontentamento com o que seu enteado havia dito mas, a fim de não estragar a relação que ambos mal construíram, resolveu por hora se abster e fingir acreditar no que o menino disse.

— Bem querido... tudo bem — Falou a sua mãe, notando que o garoto estava sem arranhões pelo corpo. — Vá tomar um banho, farei algo pra você comer.

Gustavo pensou em recusar a oferta da sua mãe, mas acreditou que a situação já estava estranha o bastante para fazer isso. O garoto então seguiu para as escadas, quando foi interrompido pelo seu padrasto que rompeu o próprio silêncio:

— E esse chapéu? Da onde surgiu? Do buraco? — Perguntou Getúlio, com ironia.

A mãe do menino olhou para o seu marido assustada com a rispidez do mesmo, já que ele nunca havia falado tão sério com o próprio enteado. Em seguida, desviou o seu olhar para o chapéu na mão de Guga.

Antes que pisasse no primeiro degrau de madeira, Gustavo parou por um instante, mas nada respondeu. Porém, pouco tempo depois, após puxar o ar para os pulmões, resolveu saciar as dúvidas do seu padrasto:

— Eu o encontrei no lixão a caminho daqui — respondeu o garoto, com as batidas do seu coração a acelerarem gradativamente em seu peito.

— Posso vê-lo? — Perguntou Getúlio.

Meneando a sua cabeça, Guga consentiu para que o seu padrasto pegasse o chapéu. Segurando o elegante fedora em suas mãos, lançou um olhar curioso sobre ele. Após cheirá-lo esperando sentir o aroma azedo de lixo, sentiu um cheiro de perfume masculino dos fortes nele. Devido a fragrância, o nariz de Getúlio logo tomou um tom de vermelho e o mesmo soltou três espirros sequenciados. Após esfregar o nariz, Getúlio devolveu o chapéu a Guga encarando os olhos do garoto, desconfiado. Logo, com o fedora em mãos, Gustavo virou-lhe as costas e subiu para o segundo andar da casa sem dizer mais nada.

Alguns minutos após se arrumar, Guga pegou o pão com manteiga que a sua mãe havia carinhosamente lhe preparado e o enfiou de uma vez só na boca, como se fizesse aquilo para permanecer menos tempo com aqueles que conviviam consigo, evitando mais questionamentos. Sua família nada mais conversou naquele estranho dia.

Chegando ao seu quarto, lembrou-se de que o relógio antigo que o seu avô lhe dera ainda estava no bolso da bermuda que havia usado. Retirando o seu amuleto da sorte dela, logo jogou-se na cama e repousou a sua cabeça no travesseiro, pensativo com a sua tamanha responsabilidade e com o que deveria ser feito no dia seguinte. Olhando para a janela, viu as estrelas e buscou nelas uma resposta, apertando o objeto contra o seu peito, aflito. Resolveu desviar o seu olhar agora para o relógio que estava em sua mão e notou algo peculiar. Fitando os ponteiros do mesmo, viu que eles se moviam. Como poderia o relógio quebrado do seu avô estar funcionando perfeitamente? Comparou a hora marcada com a registrada em seu despertador que estava em cima da cômoda na mesma hora e, para a sua surpresa, com grande precisão, ambas estavam iguais. 


O chapéu de Antony CobrichOnde histórias criam vida. Descubra agora