As lágrimas escorriam dos olhos de Ji-hoon (지훈) enquanto ele corria pelo corredor do Colégio Particular Sejong do distrito de Gangnam em Seul. Os outros jovens do colégio riam e apontavam enquanto ele passava, e ele tentava seriamente esconder o ódio e pavor que estava sentindo naquele momento. Pensou em quando tudo isto iria acabar. Pensava no que ele poderia fazer para mudar as coisas que aconteciam com ele neste colégio. Ele nunca teve amigos em Sejong, e preferia continuar assim. As pessoas que se aproximaram dele ou também foram alvo ou acabaram se afastando com medo de ser. Ji-hoon sofria todo o tipo de brincadeira por conta de sua aparência. Fora dos padrões quase impossíveis que a Coréia impõe na cabeça dos jovens, Ji-hoon era um garoto gordinho, cabelo oleoso, com espinhas em seu rosto e óculos quase fundo de garrafa por conta do astigmatismo.
Ji-hoon já pensou em desistir deste colégio muitas vezes, mas perdeu seu pai alguns anos e sua mãe sempre lutou para ele ter a melhor educação. Não ia falhar com ela. Ela lutou para pagar a prova para esta bolsa e ele vai lutar para mantê-la, mesmo que isso custe suas memórias boas dentro deste colégio miserável. Já era seu terceiro e último ano no Sejong e ele sofria estes abusos desde a primeira semana de aula, não era agora que fariam ele desistir. Ji-hoon queria ser invisível, passar despercebido, e apenas estudar em paz. Nas primeiras semanas chegou a ir na diretoria sujo, molhado, rabiscado, e nada nunca foi feito, ele então desistiu. Chegou no banheiro e entrou correndo para uma das cabines e se trancou. Ouviu alguns garotos rindo e comentando dele. A mão de Ji-hoon estava cerrada sobre o colo e ele pegou o celular. Haviam milhares de mensagens de outros estudantes do colégio. Ele abriu a primeira, de uma menina que não estava nem sequer salvo em sua agenda. Ela zombava dele, usando um desenho de uma baleia com a cabeça de um ouriço. O maldito desenho estava colado em sua carteira quando chegou na sala de aula hoje, e era como as pessoas viam ele. Corpo de baleia e cara de ouriço. Este último, um apelido que o perseguiu durante todos estes anos. Perseguia a ponto de ser seu nick ser goseumdochi, ou ouriço em coreano, no seu jogo favorito.
Encostou sua cabeça na parede do banheiro e continuou a ouvir as risadas e comentários sobre o desenho. Era assim que aqueles que praticavam bullying contra ele eram encobertos: "ou espalha nossa brincadeira ou fica no lugar dele". Ji-hoon reprimiu o choro, mas seus braços e dentes tremiam. Sabia que estava perdendo a última aula mas ele não conseguiria ficar na sala hoje. Suas lágrimas começaram a pingar na roupa e ele as parou com a mão. Queria ir pra casa logo. Ele não tinha a menor vontade de voltar para a sala de aula.
Quando o sinal tocou, Ji-hoon saiu do banheiro um pouco depois e correu até a sala vazia para pegar sua mochila. Andou devagar pelas ruas para ir embora para a casa. Tinha que pegar um ônibus mas passou direto do ponto. Continuou andando vendo as pessoas e os sons do centro de Gangnam. Jovens, crianças, adultos, trabalhadores e empresários passando de um lado para o outro, conversando, rindo, parecendo não ter preocupações ou medos. Como aquelas pessoas conseguiam viver tranquilamente? Invejou todas elas. Olhou para o prédio luminoso ao seu lado e viu um letreiro com o lançamento da música de Jun-ho (준호) um de seus cantores favoritos. Sorriu e acenou para um Jun-ho que sequer estava olhando para ele, sequer sabia que ele existia. O cantor bonito, com o sorriso iluminado quase angelical desapareceu do telão. Ji-hoon abaixou a mão devagar, sem graça. Respirou fundo e voltou a andar. Ele gostava muito de música, gostava de cantar, mas seu sonho de debutar na Coréia nunca iria existir com sua aparência. Talvez ele tenha nascido no país errado, imaginou enquanto ria.
Ji-hoon não teve fome quando chegou em casa, deixou de lado o bibimbap com kimchi que sua mãe separou para ele. Foi direto para seu quarto, jogou a mochila no canto da cama e se sentou no computador. Jogar era o que fazia ele sair deste mundo. Seu personagem no game Warriors Gundam apareceu na tela e ele sorriu ao ver as mensagens dos amigos no jogo. Ali estavam seus amigos de verdade. Pessoas que nunca o julgariam por sua aparência, e muito menos por quem ele era. Haviam pessoas ali que ele já tinha amizade de mais de anos. Amigos que o apoiava, que o fazia bem, e que sempre o elogiava pelas vitórias em jogo. Ele se divertiu, riu, conversou com eles por chamada e se esqueceu de tudo o que havia acontecido no colégio. Só então sentiu fome e foi comer a comida que a mãe deixou. O bibimbap parecia ótimo. Ele o misturou junto ao kimchi em uma tigela de metal e começou a comer. Sentado na mesa de jantar ele pensou que comendo desse jeito sempre seria o cara de ouriço. Descansou a colher na tigela de metal e se encostou na cadeira. "Não Ji-hoon" pensou "você não pode perder para eles". A barriga dele roncou.
A mãe de Ji-hoon chegava muito tarde em casa, e nesta noite não foi diferente. Chegou quase duas da manhã de seu trabalho e para não incomodá-la Ji-hoon ficou quietinho. Seu sono começou a vir. Se levantou da cadeira e foi para o banheiro escovar os dentes. Se olhou no espelho e virou os olhos para não se encarar. Ele tinha vergonha de ser quem ele era, e mesmo sem os óculos suas espinhas grandes e vermelhas ainda o incomodavam muito. Ele voltou para o quarto e pegou o livro de matemática no armário, abriu a mochila e lá dentro viu um papel dobrado. Ji-hoon não se lembrava de ter posto isto ali. Enfiou a mão e tirou de dentro o papel grosso, apertou os olhos e o desdobrou. Seu coração doeu como se tivessem enfiado uma faca nele. Ele jogou o papel no chão, seus olhos marejaram e ele se deitou na cama para tentar reprimir o choro e a mãe não o ouvir. Aberto, ali no chão do seu quarto, o papel repousava enquanto Ji-hoon chorava, e o desenho que o fez sofrer hoje seria sua companhia na noite.
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HEDGEHOG BOY
RomanceJi-hoon é um jovem coreano diferente dos outros: nerd, gordinho e com algumas espinhas, acabou alvo de Bullying na escola e apelidado de Garoto Ouriço. Apesar disto, ele tenta viver de forma alegre e se esconder em seu mundo de jogos e fantasia par...