Vida Fácil

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Nada mais importava. Seu corpo, de pele suave ali estava quase que sem vida. Conseguia ver pouco, ou quase nada e o que via lhe era difícil distinguir em meio à escuridão da noite. Era impossível decifrar o que sentia... Medo talvez... Talvez pavor!

Inspirava com dificuldade e a cada expiração um pouco de vida lhe escapava. Era visível o quanto estava ferida por dentro.

E aquele perfume que não sumia nunca?!

"O menino!" — lembrou-se dele.

"Não devia tê-lo deixado. Não devia!" — pensou arrependida.

"Fique comigo esta noite mamãe..." — ele pediu com os olhinhos marejados.

Em seu íntimo recordou da vozinha infante na mente.

"O bichinho parecia saber! Devia tê-lo atendido..."

Ele nunca havia pedido para que ficasse. Sabia que a mãe trabalhava à noite e já estava acostumado com sua ausência nesse horário.

No entanto, nesta noite insistira que ficasse.

O gosto de ferro lhe subia à boca.

Lembrou-se do Toddy...

Toddy era um vira-lata branco com manchas grandes amarronzadas espalhadas pelo corpo. Tinha o pelo longo e macio. O cachorro devia ter uns três anos quando tudo aconteceu.

Seu pai quando o viu deitado nas próprias fezes e expelindo sangue pela boca disse-lhe tentando esconder a cena tampando o seu rosto com as mãos:

"Um animal nesse estado a morte é certa filha. Não tem o que se possa fazer, é tarde demais."

A cada minuto que passava entendia que seu fim se aproximava. E tudo conspirava a favor disso. Estava em um lugar deserto, não sabia a hora ao certo, mas com certeza já passava das três da manhã. Não tinhas forças para gritar. Tentou, em vão, rastejar para tirar seu corpo da estrada.

O perfume novamente a invadiu era como se estivesse em sua pele.

Sempre soube dos riscos que corria. Nunca se iludiu quanto aos perigos que essa vida lhe apresentava. Não tinha o trabalho que sonhara na infância, mas era com este que alimentava a mãe idosa, a irmã que sofria de paralisia cerebral e o filho. Era vendendo seu corpo que o alimento chegava à sua mesa e dava condições para que seu pequeno tivesse o mínimo de dignidade.

Não era uma vadia como muitos pensavam e cada homem que a possuía abria um corte em sua alma. Alguns, tão machucados e sozinhos quanto ela, eram carinhosos.

Outros brutos e violentos...

Mas aprendeu que dores passam e feridas cicatrizam...

Por muitas noites pensou em abandonar tudo...

A vida pode ser cruel demais com algumas pessoas que saem fora do que a sociedade julga ser o certo.

Não teve muito estudo, bonita, não conseguiu um emprego quando enviuvou. Ninguém emprega uma mulher como ela.

E tentou por muito tempo algo diferente antes de se deitar com o primeiro em troca do leite.

Ela tentou.

"Ahhh! Como tentou!"

Trabalhava três dias durante a semana como faxineira em duas casas diferentes. Mas o dinheiro era pouco, não inteirava o salário e o menino necessitava...

A mãe necessitava...

A irmã necessitava...

Moravam longe do centro. Não podia deixá-lo sozinho.

Sobre Assassinos e MedosOnde histórias criam vida. Descubra agora