Passional

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O ar pesado e o calor insuportável fazem com que o suor empape sua blusa de cetim, grudando a alta gola em seu pescoço. Não sabia exatamente porque a vestiu, a gola apertada provocava-lhe angustias. A ansiedade crescia a cada minuto de espera, reencontrá-lo agora seria um alento para tudo de ruim que passou.

Nos últimos tempos as coisas ficaram cada vez mais difíceis, e vê-lo tornou-se algo praticamente impossível. Augusto dava sinais de desconfiança fazendo com que adiassem cada vez mais seus encontros. Tornando suas vidas um verdadeiro suplício. Não estava fácil manter uma postura fidedigna com tanta paixão fervilhando por dentro.

A noite levantou seu manto escuro e cobriu o céu a horas e nada dele chegar.

"Merda! Nunca se atrasou antes!" — pensou olhando através da minúscula janela daquele pardieiro. Algumas nuvens encobriam a minguante lua, que esta noite parecia quase tocar a terra.

A tempestade que atingiu a região, pela tarde, foi intensa. Ventos, raios e granizo... Agora a calma reinava ironicamente, o agitamento do povo na praça lembrava formigas que iam e vinham...

Mentiu muito e não tinha a menor dor na consciência por tê-lo feito. Não podia dar na cara assim sem mais nem menos, tinha que ter muito cuidado. Sabia o que era preciso fazer, mesmo assim foi insuportável. Necessitava tanto dele quanto do sangue que corria ferozmente por suas veias e do ar que entrava por suas narinas....

A praça estava barulhenta, já passava das dez e nada do povo dispersar. Carros, cachorros, gatos, passantes... Todos estavam a mil. Aproximou-se mais ainda da janela com a vã intenção de refrescar-se um pouco com a brisa! Mas nada! Nem mesmo um sopro! O mundo a sua volta estava mergulhado em um torpor imenso, em uma calmaria inquietante. Abaixo, na rua, o carrinho de algodão doce estava parado no centro da praça onde várias crianças brincavam de pique esconde entre os bancos. Alguns bancos abrigavam casais de namorados, um dos quais pareciam discutir. Limpando as lágrimas com as mãos, a moça, mostrando indignação, levantou-se, disse algumas palavras ao rapaz que atônito e aparentemente sem reação a observou partir.

Ele a seguiu com o olhar até desaparecer em uma esquina. Cabisbaixo e com ar de quem não entendeu o que acabou de acontecer também foi embora na direção contrária se perdendo em meio às pessoas que preenchiam o lugar.

Alguma coisa naquela cena a fez lembrar quando era mais jovem, e um aperto no peito a fez lembrar das horas!

"Filha da puta! Ele não chega nunca!"

Durante o dia Augusto estava irreconhecível! Nervoso, gritava e chorava. Se soubesse que esta seria sua reação não tinha contado daquela forma. Teria fugido. Uma coisa era certa, a situação como estava não dava mais.

Estava escondendo o romance com Marcelo há mais de dois anos, não suportava mais mentir, fingir e não viver. E depois que Marcelo separou-se de Úrsula tudo piorou, era ele que agora cobrava uma atitude dela e o fazia com razão. Afinal não existia motivo algum para permanecer com Augusto. Principalmente depois que descobriu que o marido, Augusto, mantinha com a mulher do próprio irmão há anos. Tentou aproveitar-se desta informação para causar o divórcio. Achou erroneamente conseguir assim, por fim em seu casamento que já estava defasado há muito tempo, sem expor o seu próprio erro.

O sino da igreja anunciava vinte e duas horas e nada dele aparecer.

"Onde diabos ele se meteu, que não aparece!"

Uma criança começou a chorar, caiu enquanto brincava, a mãe correu ao seu encontro para acalenta-la.

Um aperto envolveu-lhe o peito. Não teve filhos. Não sabe exatamente o motivo, mas nunca aconteceu. Talvez agora, quando as coisas se acalmassem ela e Marcelo pudessem, quem sabe, tentar...

Sobre Assassinos e MedosOnde histórias criam vida. Descubra agora