Lafayette foi um dos muitos que cruzou seu caminho e assim como os outros se foi da mesma forma. A cigana o quis mais, isso era certo, o amou mais que a qualquer um.
Sua vida com ele fora perfeita até a moça de longos cabelos negros aparecer.
"Maldita! Se não fosse ela..." — pensou.
E o ciúme a invadiu mais uma vez. Era linda realmente, não admirava ele ter se encantado por ela.
"Que os demônios rasguem sua no inferno."
Repentinamente o horror tomou-lhe o semblante.
"Seria possível alguém saber? Impossível! Nem mesmo ele sabia."
Esta pergunta lhe perseguia há anos, desde o primeiro.
Como se para dissipar seus pensamentos da culpa procurou pelo ódio e o sentiu brotar em seus pés e subir até o seu estômago. O vômito quis sair boca afora, como se fosse algo com vida própria. Mas com um gole áspero e seco obrigou-o a descer garganta abaixo, deixando assim, apenas um gosto amargo em sua boca. Era este o gosto que ele deixou nela.
Já sabia que era assim. Lafayette não fora o primeiro. Eles chegavam, a amavam e após um tempo partiam. Alguns pediram perdão com lágrimas verdadeiras nos olhos. Porém, ela nunca aceitou... Nunca perdoou nenhum... Nunca deu uma segunda chance a ninguém!
O dia estava ensolarado, quente e abafado apesar do vento que só servia para levantar poeira. Uma camada de nuvens cobria o céu. Porém era fina demais para evitar que o sol abrasasse a terra. A feira nesta cidade era fraca pelo jeito. Poucas pessoas, quase todos pobres e famintos. O governo nunca dava o bastante para que tivessem dignidade. Sugava a todos, jovens, velhos ou crianças.
Uma mulher aproximou-se da banca, mais triste que antipática. Levava na face uma carranca de sofrimento tão vívida que passava aos transeuntes sentimentos de pena e angústia profunda. Uma criança de uns seis anos grudada em suas saias tentava esconder o rosto.
A jovem cigana que, apesar da altivez, parecia ter os olhos tão sofridos quanto os dela, vendia de um tudo. Roupas, sapatos, pentes, joias... As coisas se espalhavam pela bancada. Unhas postiças que pareciam reais e cabelos, que podiam ter algum dia pertencido a mulheres que foram belas e já não mais, dividiam espaço com sabonetes e perfumes sólidos. Eram tão perfumados quanto campos de jasmim e lavanda floridos. Nada se comparava a eles, sabonetes que ela mesma fazia. Ela os fabricava apenas de tempos em tempos, tão perfeitos em sua utilidade e perfume que todos ansiavam por eles.
A mulher olhou com as mãos as várias peças de roupas.
Um terno preto e um vestido verde-oliva foram estrategicamente colocados lado a lado. Balançavam com o vento, como se tivessem vida, dançando em um vai e vem suave de uma música muda e sombria.
Demorou-se um pouco observando-os antes de perguntar o preço.
― Uma moeda de ouro, senhora, pelo vestido. ― respondeu a cigana com seu sotaque húngaro.
― Uma moeda de ouro! ― repetiu a mulher indignada com o preço que a cigana dava a uma peça de roupa usada.
― Está usado! ― confirmou.
― Porém posso lhe garantir que a dona o usou apenas uma vez. Está novo. ― A cigana olhou para o vestido e soltou o sorriso torto que ele gostava tanto. Ainda podia sentir os gritos mudos, ainda podia ver as lágrimas que rolaram pela face dele antes de partir.
Muitos diziam que a cigana era bruxa. Ela não se importava. Deixou de temer as pessoas e as fogueiras quando descobriu que eram elas que deveriam temê-la. Mas ninguém sabia realmente quem ela era. Sabiam que aparecia pela região às vezes. Nunca souberam de onde vinha ou para onde ia quando a feira acabava. Era uma cigana solitária. Seus bens eram poucos: uma carroça coberta, um cavalo, uma vaca, uma cabra, um gato, um cão, algumas galinhas e seus pertences pessoais compunham sua comitiva. Um homem de aparência demente, corcunda de cabelos cor de fogo a acompanhava sempre e a ajudava. Mas nem mesmo ela se lembrava quando ele surgiu.
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Sobre Assassinos e Medos
HorrorEste é um livro que reúne alguns contos. Os quais narram sobre o íntimo, o medo e assassinos imperdoáveis... ou não! "Não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Nã...