A velha senhora

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Gostaria de saber por que as pessoas resolvem envelhecer? Somos eretos, donos da razão, saudáveis, temos a pele firme e de repente estamos encurvados, alienados, enrugados e necessitamos sempre de alguém para nos ajudar a fazer tudo o que antes fazíamos sem mesmo nos dar conta de que fazíamos.

O quarto é simples, o sol o preenche por completo todas as manhãs. Os vizinhos são pessoas boas e alegres em sua maioria, alguns se tornaram amargos devido às intempéries que a vida lhes trouxe pelo tempo a fora. Aqui, nesta vila do esquecimento, todos são velhos. É como se fosse um museu de gente. Cada um tem uma história longa e diferente para contar. Cada um tem uma experiência e uma forma diferente de ver e lidar com a vida. Que com uns foi generosa e com outros fora mesquinha e cruel.

As muitas árvores do jardim proporcionam sombra e frescor na medida certa. Envolta dele existe uma via pavimentada onde flores de várias cores seguem paralelas. Ali caminhamos uns com ajuda, outros ainda podem dar-se ao luxo de o fazerem sozinhos. A comida não é das piores, claro, a minha é muito melhor, mas aqui eles não deixam a gente cozinhar a nossa comida. Uns não mais conseguem, outros preferem mesmo a comida daqui.

As empregadas são boas, agradáveis. Uma inclusive sempre lê para mim livros que pega na biblioteca. Todos os dias à tarde ela faz isso.

Aos fins de semana, os parentes nos visitam. Sinto por aqueles que não têm mais ninguém. Vivem aqui esperando a morte chegar.

Ah! A morte! Esta por todos os lados sempre. Espreitando por uma fresta qualquer, pronta para escolher este ou aquele que mais lhe agrada.

Vejo a senhora à minha frente em seu vestido é lavanda, salpicado com flores azuis minúsculas. Ela me fita profundamente, está tão franzida... Parece uma sanfona, me lembro vagamente dela quando não tinha tantas rugas no rosto. Era mais alegre, mais lúcida. Quase sempre ela se esquece das coisas. Coisas simples, como comer ou ir ao banheiro por exemplo. Onde já se viu alguém se esquecer dessas coisas!

Em uma das paredes amarelas do quarto, um calendário mostra que estamos em julho de 2010. Deus! O tempo voa! Até parece que

foi ontem que conheci esta senhora.

Coitada, deve ter passado por muitas coisas na vida. Dizem que perdeu um filho em um acidente, que o marido morreu por causa de um AVC ainda jovem em 1985. A única filha nunca veio visitá-la.

Ela que sempre foi tão prestativa quando jovem, agora velha, está sozinha. Pelo que sei foi uma boa mulher, bonita, sempre disposta a ajudar os outros. Tinha seus defeitos, era impetuosa. Nunca admitiu que ninguém a controlasse, nem mesmo o marido.

O casamento durara apenas dez anos, viveram felizes neste tempo. Apaixonou uma vez após a morte do marido. Um homem casado. Sabia o que isso significava e não estava disposta a ser segunda opção de ninguém... Nunca seria.

Sofreu muito, mas graças a Deus e aos filhos que ainda eram pequenos conseguiu se fortalecer e continuar a viver. E viveu muito, por setenta e cinco anos viveu intensamente, fez tudo o que quis, falou tudo o que pode até que o Alzheimer a pegou em uma esquina da vida. Daí pra cá nunca mais fora a mesma. Apesar de viver não se reconhecia mais. Como um fantasma, apenas estava lá em algum lugar e ligeiramente se lembrava das coisas que vivera.

"A senhora está com sede?" — perguntei a ela.

"Sede? Quem é sede? Eu a conheço?" — ela perguntou com um ar de dúvida. Na realidade eu também não me lembrava bem dela.

Será que ela não se lembrava nem mesmo de mim? Eu sei que fui importante em sua vida, porém para ela somos duas estranhas, falta uma peça neste quebra cabeça que nos ligue. Ela age como se nunca lembrasse quem sou. É tão estranho, não me lembro de quem ela é e nem ela me entrega a resposta de quem eu sou.

A enfermeira entra no quarto, e amparando-me pelo braço me ajuda a caminhar até o pátio para que tome um pouco de sol. Pergunto a ela se a senhora não virá também, a enfermeira me responde suavemente que logo ela nos acompanhará. Volto-me e aceno um adeus à velha senhora, o qual ela me corresponde gentilmente com outro aceno e um sorriso.

Sentada no pátio as horas anunciam que tenho que preparar o almoço do Alberto e das crianças. E tenho que ir comprar algumas roupas também, as pequenas flores azuis do meu vestido de cor lavanda estão tão desbotadas...


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