— Qual o seu medo Sophia?
Ela parou um instante sem entender muito bem o que aquele homem perguntava.
— Como assim? Medo do que exatamente?
— Não sei. Diga-me você! Qual o seu medo?
Sophia olhou para ele. Angéli não era muito mais novo que seu pai. Talvez dois ou três anos. Não conseguia saber se os olhares que ele lhe lançava era exatamente de volúpia. Fome talvez. Levemente calvo no topo da cabeça, duas faixas de cabelos brancos emolduravam as laterais acima das orelhas. A pele amendoada quase nunca suava. Mesmo nesse calor insuportável. Os olhos era pequenos, juntos... Quase se fechavam por inteiro quando sorria. Um sorriso estranho que nunca saia se era sorriso ou uma artimanha que usava para seduzir os que se achegavam a sua volta. Uma pinta de nascença, grande e levemente protuberante que possuía perto do lóbulo da orelha direita quase o tornava repugnante. O nariz de ponta bulbosa, era largo e grande, os dentes todos enfileirados perfeitamente em ordem, nenhum deles estavam fora do lugar. Suas roupas sempre impecáveis, uma calça jeans azul escuro, camisa em um tom verde oliva com listrinhas bem fininhas laranja escuro. O sapato, um social preto de sola bege clara.
Angéli estava um pouco impaciente sendo observado por Sophia. Ela parecia olhar para tudo em si e isso o incomodava.
— Não sei Ang... — falou ela... — Talvez da morte...
Sophia desviou o olhar de Angéli e o depositou no por do sol que já estava no fim dando lugar para a noite escura que não tardaria.
— No fim tudo é medo da morte, já reparou? Não temos medo de nos ferirmos. Temos medo de morrermos por causa do ferimento. Não temos medo das doenças. Temos medo de morrermos por causa das doenças... Já reparou nisso?
Angéli segurou a mão dela com carinho.
— Sim minha menina. A única dor da qual todos temos mais que a morte é a do amor não correspondido.
Ele olhou dentro daqueles grandes olhos castanhos de cílios fartos. Tudo nela era fumegante. O cabelo liso, ruivo e farto ia até o ombro. A pele branca suava com facilidade. Sophia usava um vestido leve azul claro com flores lavanda. Não usava perfumes, mas exalava naturalmente um cheiro cítrico adocicado que o deixava embriagado.
— O amor é a única coisa da qual eu tenho medo. O amor é algo tão forte que ao mesmo tempo que constrói destrói tudo e todos. - Angéli passou os dedos nos lábios dela e em seguida a beijou.
— É isso? Seu medo é me perder? - perguntou ela
— Claro meu amor. Você é tudo para mim.
Sophia não fazia ideia do que estava acontecendo. Quem Angéli realmente era. Se ela soubesse de certo fugiria... Quer dizer... Tentaria. Ele nunca perdeu uma única presa. Com ela não seria diferente.
Ele a beijou novamente com mais intensidade dessa vez.
Sentiu um calor úmido no peito e o ar não chegava mais em seus pulmões.
"Como assim?" — pensou Angéli.
Afastou-se dela cambaleando. A camisa empapada de sangue. As mãos lutavam em vão para estancar o sangue que jorrava abundantemente do profundo corte que ia da mandíbula ao fim do pescoço.
Sophia o observava. Lambeu cuidadosamente o bisturi que segurava. Ela olhava dentro dos olhos dele, como se pudesse ler-lhe a alma.
O medo se apossou de cada centímetro do seu corpo.
— Não te disse meu amor. No fundo, o nosso medo é da morte. Todo resto superamos.
Angéli caíra de joelhos. Ela foi até ele, curvou-se e o beijou como se nesse ato quisesse sugar a alma dele pra dentro de si.
Estavam a poucos metros do penhasco. Ele era um homem grande, mas ela, com certo esforço, conseguiria arrastá-lo até a borda e depois empurrar o corpo.
Foi o que fez.
Ao chegar a borda o olhou mais uma vez. A pele pálida, os olhos abertos... Com o pé tentou empurrar o corpo. Ele pesava... Mas alguns centímetros e ele iria ficar destruído nas pedras lá embaixo.
Então Sophia sentiu algo segurar seu tornozelo. Não teve tempo para pensar em nada. Angéli em seu último arroubo de vida, enquanto rolava para o precipício levava junto de si o amor de sua vida. A mulher que mais amara. A última...
Sophia gritou. Mas não mais forte que o grito proferido da rasga mortalha. E o silêncio surdo pode ser sentido.
"O amor é sem dúvida a pior das dores. Temos que temer seus males. Porque ele tem força para construir e destruir e nisso leva tudo e todos a sua volta para a dor sem fim. A morte em vida.." — pensou o legista enquanto recolhia os corpos dilacerados de um casal apaixonado...
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Sobre Assassinos e Medos
HorrorEste é um livro que reúne alguns contos. Os quais narram sobre o íntimo, o medo e assassinos imperdoáveis... ou não! "Não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Nã...