Casados há vinte anos, tinha se acostumado com ela, com suas manias e seus gostos. Nunca ficaram longe um do outro, a não ser no nascimento das crianças e quando ele fez a cirurgia para a retirada do baço após sofrer um acidente automobilístico. Ah! Teve o dia em que dona Lúcia, sua sogra, morreu, nesta ocasião Silvia ficou por dois dias longe dele.
Vinte anos e se afastaram apenas por dez dias. Dez dias!
A ideia de passar o resto de vida que lhe sobrava sem a mulher provocou-lhe um arrepio agonizante pelo corpo.
Levantou a cabeça e olhou Silvia. Estava serena e tranquila. Não a via assim já há muito tempo. Desde quando a doença foi diagnosticada nunca mais tiveram paz. Foram dias horríveis e intermináveis. Cinco anos se passaram e tiveram poucos resultados positivos.
Procuraram vários médicos, viajaram para testarem novas tecnologias contra a doença, novas drogas que surgiram no mercado... Porém parecia que apenas adiavam o inevitável e assim prolongavam o sofrimento de todos. Tudo que o dinheiro podia fazer por ela foi feito. Até descobrirem que não dependiam do dinheiro. Estavam à mercê da sorte, de Deus, ou da fatalidade.
Por um momento teve a impressão de vê-la sorrir. Como? Podia alguém que está morrendo sorrir?
Ele agora passaria o resto da sua vida sozinho. Sozinho naquela mansão enorme. Talvez mudasse de casa. Um apartamento. Isso! Um apartamento bem pequeno! Teria vizinhos, pessoas com quem conversar para enganar a solidão que se tornaria sua companheira dali por diante.
Outra mulher? Ainda era novo tinha quarenta e quatro anos apenas. "Não, não!" Balançou a cabeça numa negativa. Mulher nenhuma substituiria Silvia. Ele a amava e não se via ao lado de outra. Ao menos não para dividir sua vida.
Ele não entendia, horas antes dela adormecer no coma há três dias pediu que vivesse intensamente, que encontrasse alguém que o amasse. Pediu aos filhos para terem forças e obedecerem ao pai. Como ela sabia que não voltaria? E como o liberava do compromisso que mantiveram por tanto tempo?
Os filhos, graças à educação de Silvia eram pessoas muito boas e educadas. Foram criados no luxo mais não eram ostensivos nem arrogantes, muito pelo contrário, eram simples e amáveis.
Casada há três anos, Claudia, a mais velha, estava segurando bem a barra ao seu lado. Não quis permitir que Claudia se casasse. Ainda via nela uma criança, a sua menininha, mas Silvia fez com que ele recordasse que eles também se casaram muito jovens. Fez com que ele lembrasse a paixão que sentiu avassalar seu peito quando a viu pela primeira vez.
E como ele a amou... Como ele a amava...
Sentiu a vida deixar o corpo de Silvia. Em um último e profundo suspiro sua amada morrera!
O desespero quis tomar conta da sua mente alguns instantes, mas tinha que manter a calma por causa dos filhos.
Claudia era mais madura, entenderia e estava mais preparada, mas Roberto...
Este daria trabalho. Roberto tinha o seu nome. Antes mesmo de casarem tinham combinado de colocar o seu nome na criança se esta fosse menino. Mas primeiro veio uma menina, Claudia, dois anos depois nascia o tão desejado menino.
Era muito apegado à mãe. E já fazia algum tempo mostrava-se revoltado com tudo. Não conseguia administrar a dor de perdê-la.
Ajoelhou ao lado do corpo inerte da mulher e proferiu mais uma oração.
A última.
Pediu que Deus desse-lhe forças, que ele pudesse enfrentar a dor com serenidade, que pudesse apoiar os filhos e os consolar. O tornasse forte. Mais forte do que vinha sendo todos esses anos.
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Sobre Assassinos e Medos
HorrorEste é um livro que reúne alguns contos. Os quais narram sobre o íntimo, o medo e assassinos imperdoáveis... ou não! "Não separe com tanta precisão os heróis dos vilões, cada qual de um lado, tudo muito bonitinho como nas experiências de química. Nã...