Minha cabeça lateja e cuspo sangue na pia novamente, a mulher está sentada na privada com uma bolsa de gelo na cara, seu sorriso é animado. Seu cabelo está amarrado, mas alguns fios clamam por liberdade, fugindo com sucesso do prendedor, o suor em seu rosto escorre sem pressa e sua língua hidrata a sua boca constantemente.
- O que é que está olhando? – Sua rouquidão está ainda mais forte, reviro os olhos.
- Você está horrível – Seu sorriso aumenta, seus dentes estão sujos de sangue.
- Você já se olhou no espelho, Grandão? – Viro a cabeça e encaro meu reflexo.
Há hematomas em todo o meu corpo, há cortes demais, algumas partes inchadas e estou totalmente dolorido, aperto a bolsa de gelo em minha costela e caio na gargalhada, a russa me acompanha. Rir machuca, mas é o que temos que fazer agora, independente da dor.
- Eu estou cansada – Ela suspira, joga a bolsa de gelo na pia e levanta para se encarar.
- Eu também – Apoio no batente da porta para lhe dar espaço e encaro-a se encarando – Quer comer?
- Não – Dakota diz desanimada, passa a mão nos roxos em seu rosto e se vira para mim – Foi uma péssima ideia treinarmos sem uma médica aqui – Reviro os olhos e concordo com a cabeça – Tem remédio pra dor aí?
- Deve ter sim – Suspiro fundo e encaro a loira tirar a blusa apertada do corpo, agacho apressado à procura do remédio no armário e ignoro a garota rindo de mim.
- Vai tomar banho comigo?
- Se eu tomar banho com você, não iremos tomar banho – Digo o óbvio, levanto o rosto a tempo de encará-la já despida e com um sorriso grandioso no rosto.
- Exatamente – Seu sotaque deixa tudo mais instigante, respiro fundo.
Eu não deveria me interessar tanto assim por ela, não deveria deixa-la ter esse poder sob mim, não deveria permiti-la fazer o que quiser. Dakota é um ímã, um doce ímã, um vicioso ímã.
*
- Às vezes eu me imagino vivendo uma outra vida – Apoio minha nuca em meu braço e tenho a inclinação perfeita para encarar a russa falando – Em um lugar bem, bem longe daqui – Continuo a acariciar sua perna que está em cima de mim e presto atenção nas palavras que saem de sua boca – Uma outra história, uma outra aparência, outra personalidade, parece ser tão fácil – Pavlova mexe e remexe em suas madeixas e encara o teto enquanto divaga – Nenhuma vida é fácil, mas com certeza seria mais fácil que a minha – A mulher deixa suas mechas de lado e me encara – Você já se imaginou em outra vida?
- Em outra vida não – Seus olhos, agora, captam tudo o que faço – Mas já me imaginei fugindo, indo jurar minha lealdade a algo que me pertence de verdade – Os azuis de seus olhos me amedrontam levemente, minha vez de encarar o teto – Mas nunca deu certo em meus pensamentos, quem dirá na realidade – Seus dedos penteiam os pelos em minhas pernas e me acomodo ainda mais nos lençóis – Às vezes imagino como teria sido se eu estivesse junto de meus pais quando eles sofreram o atentado.
- E como é? – A curiosidade da garota é invejável.
- É lindo – A melancolia no quarto é quase visível, quase tocável, quase consigo escutar o choro de quem não tinha ninguém com quem chorar.
- É, acho que consigo ver a beleza mesmo – Meus pelos se arrepiam e a tremedeira me atinge, não quero dormir agora, não sabendo o que me espera ao fechar os olhos, não quero comer, apesar da minha barriga embrulhar pela fome, não quero falar, um bolo se forma em minhas cordas vocais – Que melodrama cansativo – A russa se maquia novamente e senta na cama, a coberta cai em seu corpo – Quer transar de novo?
Eu queria ter forças o suficiente para negar minhas vontades, mas eu não tenho. Eu sou fraco.
- Quero – Dakota sorri ao se aproximar, sorri ao me tocar, sorri ao me acariciar, mesmo sabendo que está se aproximando de uma bomba, que está tocando uma arma prestes a matar, que está acariciando a pessoa que verá pela última vez, porque eu não consigo matar pelas costas.
Conto os ossos de sua costela, aperto sua carne macia, redescubro sua pele pálida e toco meus lábios em todo o seu corpo, deleitando de suas reações, seus sons, seus reflexos, eu nunca gostei tanto de ter alguém em meus braços como estou gostando de tê-la. E isso é perigoso demais, eu sei disso, ela sabe disso e qualquer estranho que nos observa sabe disso.
- Eu sei que você não pode me prometer algo do tipo – Ela diz ofegante demais, absorta demais – Eu sei mais que ninguém que você não pode me prometer isso, mas – Seus olhos encontram os meus, oceano com oceano, frieza com frieza, menos com menos que vira mais – Mas será que você poderia me prometer que lutará por mim? – Arrepio, sinto as pontadas em minha cabeça, encaro qualquer outra coisa além de seus olhos, eu jurei minha lealdade à Cosa Nostra, não meu coração.
Mas, eles ensinam que ambos fazem parte do mesmo pacote.
- Desculpe – Ela entristece, seu olhar cai e meu peito dói, seguro sua nuca e forço-a a me olhar.
- Você mais que ninguém sabe que eu não posso prometer isso – Seus olhos me observam com cuidado – Mas eu farei o possível para lutar por você – Seu sorriso me ilumina e por um momento, um curto momento, só isso importa.
- Obrigada – Sua voz não sai, mas consigo ler seus lábios.
- Obrigado.
Eu não sei muito bem pelo que estou grato, mas sei que estou, muito.
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A Máfia - Soldado Renegado
RomanceHernanez Lancellotti encantou os corações de todas as leitoras no primeiro livro de A Máfia, mas ele tem sua história para contar, seus segredos para esconder, seus ideias para omitir e os amores proibidos que o perseguem. Hernanez não é só um simpl...