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Dakota Pavlova

Minha perna ainda lateja pelos exercícios em excesso do dia anterior, mas não me importo tanto com isso. Retiro um fio de cabelo do meu olho e encaro a sala vazia do esconderijo, Hernanez aparece segundos depois com sua postura de soldado, meu coração acelera e meu medo ascende em mim. A vida poderia ser mais fácil, mas se fosse não se chamaria vida, se chamaria morte.

E olhando nos olhos de Hernanez, mesmo que ele não queira, consigo ver a minha morte já predestinada. Eu não sei em que acreditar, não sei se Deus realmente existe ou se outros Deuses é que são reais, mas não consigo entender o que eu fiz para merecer tudo o que tenho. Nascer em meio ao caos e erros de uma máfia, ser rejeitada pelo meu pai por ser mulher, gerar uma criança sem ser a hora adequada, ficar longe dessa criança e agora, para completar, apaixonar-me pelo homem que eu deveria odiar.

A vida é um mar de injustiças que não seca, apenas aumenta e apesar de passar por temporadas de calmaria, o que mais dura é a agitação, o revolto, a fúria inquietante.

- O que você está pensando? – É fácil perceber que Hernanez anda sob ovos comigo e isso me incomoda, mas ele não parece notar isso.

- Nada – Sorrio e encaro seu rosto bonito, ele também não teve uma vida fácil – Você teve notícias da sede?

- Nada ainda – Ele coça a barba por fazer e senta na poltrona a minha frente, puxando-me para o seu colo – Acho que tentarei entrar em contato.

- Talvez seja uma boa ideia – Não é. É estranho como eu fico confortável e relaxada em seus braços, mas ao mesmo tempo temerosa pelo futuro previsível em nossas vidas.

Hernanez raspa o dedo em minha coxa, sinto sua respiração sossegada em cima da minha cabeça e conto as batidas do seu coração na mente. Não há muito o que fazer nessa casa subterrânea, mas na maioria das vezes as horas passam depressa, afinal o relógio da vida não para.

- O que iremos fazer? – Pulo de seu colo com um sorriso animado no rosto, eu aprendi a me maquiar cedo demais e virou um vício.

- Eu ainda estou cansado de ontem – Ele me encara ainda sentado, começo uma dança engraçada e sorrio ao vê-lo rir, minhas pernas também estão doendo, mas ignoro a dor – Você não quer dançar a essa hora, né?

- Claro que quero – Grito animada como se tivesse uma música alta tocando, mas há apenas minha voz aqui – Ou você tem medo de perder de mim na dança também? – Puxo seu braço e faço um esforço para levantá-lo.

- Eu não tenho medo, porque tenho certeza que você vai ganhar – Ele ignora a vergonha e também finge que há uma música muito alta tocando na sala, seus movimentos saem tímidos e isso me faz rir.

- Isso! – Comemoro e continuo a pular, rebolar e mexer meu corpo de qualquer jeito, a música em minha cabeça é triste, mas animada, como eu.

Hernanez tenta fazer um rebolado com todo o corpo, mas mais parece uma dança de robô que qualquer outra coisa. Ele não consegue se soltar como eu e isso deixa todos os seus movimentos engraçados demais. Ele bate palma num ritmo que não conheço e fecha os olhos aproveitando do embalo do som inexistente.

Qualquer um que olhar para nós agora imaginaria um louco casal e é isso que somos.

Somos loucos por estarmos juntos, somos loucos por estarmos amando, somos loucos por não conseguirmos fugir de tudo o que nos ronda. Somos loucos e ponto, não preciso listar mais motivos para nossa loucura. Ao menos não somos loucos sozinhos.

Estamos tão absortos e embebedados pelo clima leve que forçamos que não percebemos de imediato o barulho alto da sirene de segurança. Hernanez percebeu primeiro que eu, observei seu enorme corpo correndo e trombando nos móveis com rapidez, assim, finalmente percebi o barulho ensurdecedor, arrepio. Eles nos acharam.

Não deu tempo de colocar calça, apenas enfiei o tênis rapidamente no pé, apanhei a arma que Hernanez jogou para mim e peguei a sua mão, nós estamos sendo invadidos, mas apertar sua mão com a minha deixa a situação mais tranquila.

- Temos uma saída de emergência que leva para o rio que corre ali embaixo, teremos que correr pela floresta – Hernanez informa e eu absorvo as informações, precisamos ser rápidos.

A cada porta que Hernanez abre para a gente passar, ele fecha também, para não deixarmos pistas. Enquanto corro atrás dele observo o suor escorrendo em sua nuca, ele não parecia tão nervoso assim quando fomos invadidos pela primeira vez e isso me deixa preocupada. Afinal, como os russos nos descobriram aqui?

- Falta só mais um pouco – Ele diz novamente e olha para trás para me avaliar.

Seu olhar de medo, me deixa com medo.

O céu claro invade meus olhos e é impossível não ficar cega por alguns segundos, a bolinha branca irritante invade minha visão e fica difícil correr, mas a mão de Hernanez me aperta um pouco mais e me puxa para segui-lo. Faz tempo que não vejo a luz natural.

O sol está se pondo e se não estivéssemos numa situação estressante, eu até conseguiria aproveitar a visão.

Alguns galhos arranham em minha perna e a ardência me atinge aos poucos, mas a adrenalina me faz continuar correndo, não posso ser fraca agora. Consigo finalmente sentir o cheiro do rio e depois de mais alguns metros caminhando, observo a água correndo devagar no córrego.

Hernanez descobre o jet-ski e sem minha ajuda o coloca na água, meu coração acelera quando o homem liga o motor do automóvel, mas nada acontece, meu corpo treme com o barulho que ele faz e encaro tudo a minha volta exasperada.

- Vem – Hernanez me puxa para o jet-ski e eu me ajeito de qualquer jeito no banco.

Parece ser difícil controlar o automóvel nessas águas, afinal não estamos no mar e geralmente se usa esse barco em mares abertos, mas o soldado faz parecer muito fácil.

- Não eram os russos – Hernanez finalmente comenta quando estamos longe o suficiente do perigo, ele me olha por cima do ombro e seu olhar de tristeza e medo me afligem – Eu disse que ia tentar lutar por você – O italiano revela e volta a encarar a sua frente, meu coração erra as batidas e meus braços apertam a cintura do grandão.

- Obrigada – Eu não deveria estar agradecendo, porque percebi que ajudei Hernanez a explodir, agora eu não sou a única com o futuro mórbido da morte.

Aperto ainda mais a cintura do homem e apoio minha bochecha em suas costas largas, eu sou muito egoísta, mas por enquanto só estou feliz porque não irei morrer sozinha.

A Máfia - Soldado RenegadoOnde histórias criam vida. Descubra agora