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Dakota Pavlova

A vida é um mar de injustiças que não seca, apenas aumenta e apesar de passar por temporadas de calmaria, o que mais dura é a agitação, o revolto, a fúria inquietante.

Seu olhar não pesa ao me olhar e eu preciso me controlar para não chorar, Hernanez me encara com cuidado, curioso imagino. Toco sua nuca e ele não me afasta, acaricio seus fios e ele não me repugna, sorrio e ele não me julga. Enxergo compreensão em seu olhar, queria que fosse o suficiente.

- Nem tudo foi mentira – Sussurro quase sem forças, é difícil quando as coisas vão para o lado emocional – Nem tudo foi falsado.

Ele não diz nada, não deve ter o que dizer, reconheço. Deixo sua pele com dificuldade e apoio meus braços em minhas pernas, ele ainda encara meu rosto, pesquisa minhas linhas, aposto que está encontrando todas as minhas falhas.

- Eu queria poder te explicar – Continuo meu monologo com ele – Queria mesmo, queria te tirar daqui, queria te deixar a par do meu plano, queria você do meu lado – Ele me encara ainda mais profundamente – Mas sua lealdade é lá, não cá – Dou uma pausa para respirar e para achar as palavras certas – Você se arriscou por você, não por mim – Ele desce o olhar para o meu colar, antes guardado, do brasão da minha máfia e encara o chão, entendendo tudo o que está acontecendo, ele não quer saber de informações sobre máfias e esse nosso mundo, mas ele mesmo procura as informações sem saber.

- Você nos enganou muito bem – Ele diz meio rouco, sua voz quebra um pouco nas palavras, mas consigo o entender, assinto sem demonstrar meu orgulho – Você me usou muito bem – Quase assenti para sua constatação, apesar de ser a verdade.

- Desculpa – Minha voz quase não sai e preciso engolir o choro mais uma vez, sua risada nasalada de deboche me faz encarar o chão.

- Acho que nossos desejos se inverteram, afinal – Franzo o cenho e no mesmo segundo o encaro – Enquanto você está fugindo desse nosso mundo, eu só penso em morrer agora.

Suas palavras me levaram para o esconderijo subterrâneo, da nossa conversa depressiva após uma relação intima memorável, meus ombros pesam e minha visão desfoca sem eu querer.

- Desculpa.

Deixo o ar pesado para trás, fecho a porta do quarto assim que saio de lá e respiro fundo apoiada na parede. Agora não tem como voltar atrás. Limpo as duas lágrimas que saíram do meu olho esquerdo apenas e recupero meu fôlego, espero meu nariz parar de arder e abano meu rosto com a mão, torcendo para a vermelhidão, que o choro que quer sair me causa, passe logo.

- Don – Um dos meus Sottocapo me chama – Oh – Ele percebe meu estado e gira os calcanhares – Estamos prontos para avançar na nossa missão – Ele informa e por um momento, só fico aliviada e em casa ao escutar tantas palavras em russo.

- Ótimo, quero ouvir tudo o que descobriram, já estou pronta para compartilhar algumas coisas importantes, teremos que ser cautelosos – Minhas palavras saem sem freio, prepotentes e prontas para a ação – Avise os outros, precisamos nos atentar para algumas coisas cruciais.

- Sim, Don – Ele gira os calcanhares novamente para me cumprimentar adequadamente, como tradição e logo caminha para longe apressado.

Meus homens não me acham menos capaz por ter me apaixonado ou por ser mãe, muito pelo contrário. Fungo apressada, abano meu rosto um pouco mais, respiro fundo, dou três pulinhos e quando finalmente estou pronta para a reunião que acabei de organizar caminho em direção à sala certa. Foi entrar na sala, que meus subordinados levantaram e me cumprimentaram como a tradição.

- Нечего нa зеркало пенять, коль рожа крива!¹ – A frase nunca fez tanto sentido em toda a minha vida.

Afinal a culpa de tudo que está acontecendo em minha vida, é toda minha, do reflexo que vejo ao me olhar no espelho. Respiro fundo e repito a frase, permitindo que eles possam descansar em suas cadeiras.

- Estamos numa parte importante do nosso plano – Digo encarando cada rosto a minha frente, esperançosos demais para termos nossa máfia de volta a como era – Precisamos ser minuciosos agora, assim que o meu acordo com o Don da Cosa Nostra for concluído e eles tirarem o Yan do poder, vocês terão que entrar em ação, terão de me manter segura até voltarmos para a Rússia e finalmente retomarei minha posse como Don da San Andreas – Eles me encaram com sorrisos orgulhosos nos rostos – Bom, então, o que vocês aprenderam sobre as estratégias deles? Na questão da luta, já adianto, eles não são páreos para nós – Meu coração dispara ao lembrar que todos aqueles treinos com Hernanez não era apenas para matar o tempo e por um momento agradeço que eles começaram a compartilhar o que descobriram, pois, tenho certeza que conseguiriam escutar as batidas do meu coração de longe.

¹ - A culpa é do espelho.

A Máfia - Soldado RenegadoOnde histórias criam vida. Descubra agora