Epílogo

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Meu estomago revira, minhas mãos chacoalham, agitadas demais. A ruiva a minha frente revira os olhos e continua tentando colocar a gravata em mim, já que arrebentei meu braço na última missão. Ela bufa estressada com minha tremedeira, mas não diz nada. Eu não achei que fosse ficar assim.

Já faz quase dois anos que não a vejo e isso me aflora ainda mais. Ela vai estar diferente? Vai se lembrar de mim? Não é possível que ela não se lembre, né? Será que vai me reconhecer? A ansiedade ataca novamente ao imaginar seus olhos claros direcionados a mim e a tremedeira volta com força total.

- Poxa Hernanez – A risada nervosa de Quinn me distrai – Eu sei que você está ansioso, mas calma, você está fazendo um nó de gravata parecer um campeonato mundial!

- Desculpa – Respiro fundo e tento controlar meu corpo, impossível – É que eu quero chegar logo – Ela revira os olhos mais uma vez, como sempre seus fios ruivos tentam escapar da touca, mas isso não prende minha atenção por muito tempo.

- Pronto, não ficou perfeito, mas foi porque você não deixou – Ela diz e passa a mão pelo paletó, como se tirasse alguma sujeira.

Viro-me para encarar o espelho e sorrio, está ótimo.

Agradeço a garota e finalmente a libero para voltar ao seu posto na enfermaria, ela revira os olhos mais uma vez para a minha ansiedade, nega com a cabeça e deixa meu quarto sem nem pensar duas vezes. Respiro fundo mais uma vez enquanto me encaro no espelho. Eu esperei muito tempo por isso. Será que fui o único?

Apanho minha arma e a guardo comigo como de costume, antes conferindo o cartucho de balas. Dou uma última olhada pelo espelho e deixo meu quarto no segundo instante, caminho pela sede apressado, todo mundo sabe o porquê de eu estar com pressa, ansioso, inquieto. Vou poder ver a loura russa hoje.

- Está bonito, o que aconteceu? Tomou banho? – Christovan diz assim que me encontra, não consigo entrar na brincadeira pela ansiedade e me limito a sorrir – Vai nem cumprimentar, irmão?

- Oi, Christovan.

- Oi, Hernanez – Ele revira os olhos e bufa, minha ansiedade está estressando as pessoas, percebo – Temos que esperar Graziela – Encaro-o apressado, ele ri da minha cara de súplica – Não olha assim para mim, o que podemos fazer? Nada, além de esperar.

- Que bom que sabe, Christovan – Gusman aparece ao nosso lado e formamos uma fileira até que engraçada no pé da escada, esperando Graziela aparecer – Sua prima pediu para você coloca-la na cama, mas como já está na nossa hora mandei alguém fazer isso por você – Não estamos tão atrasados ao ponto de Chris não poder colocar Rita na cama, isso é mais uma estratégia fraca de Gusman, tentando desenvolver um lado mais frio de Christovan.

- Claro, papai – O filho diz desanimado, suspira fundo e encara a escada vazia como todos nós, conforto-o com três batidinhas em seu ombro e ele me assente como agradecimento.

Finalmente Graziela aparece no topo da escada, encara nós três a esperando e segura a risada sarcástica. Ela desce lentamente a escadaria por causa do salto e isso faz minha tremedeira ansiosa voltar, Gusman passa a mão no rosto, Christovan jorra palavras apressando a mulher e eu apenas sinto meu estomago revirando, chacoalhando pra lá e pra cá, como se borboletas travassem uma guerra dentro de mim.

Assim que, finalmente, a mulher chega até nós, tudo passou a ser mais rápido, nós direcionamo-nos para a garagem, apanho a chave do carro e entro no automóvel à espera dos outros três, meu Caporegime que já nos esperava também adentrou o veículo. Por alguns instantes deixei a ansiedade falar mais alto e pisei no acelerador para que o caminho fosse mais curto, ninguém me impediu ou reclamou, mas eles me observam e não posso ser tão transparente assim.

O prédio do grande salão é alto, está todo iluminado e brilhoso, deixando tudo elegante e sofisticado demais, eu não costumo entrar como convidado, sempre espero no carro ou na entrada com meu Caporegime, como todos os outros Soldatos acompanhando seus Dons. Mas, Gusman resolveu me presentear e eu não poderia ser mais grato, há eventos quase todos os meses, mas apenas uma cerimônia – que acontece uma vez ao ano – recebe todos os Dons associados. Ou seja, Dakota estará aqui e Gusman me permitiu entrar para vê-la. Eu não poderia estar mais grato.

Entrego a chave para meu Caporegime, que hoje se encarregou dos meus afazeres e deixo o carro com Gusman, Christovan e Graziela ao meu lado. Encaro os soldados do lado de fora, todos alinhados e atentos, preparados para qualquer tipo de crise que possa acontecer. Finalmente, chegamos na recepção e entregamos nossos nomes, depois somos orientados a guardar nossas armas e apesar de não gostar disso, o faço mesmo assim.

Chris e Gusman já estão acostumados com isso, eles não se importam em deixar seus armamentos aqui e respiro fundo seguindo seus passos. Graziela revira os olhos e encara tudo apressada, ela nunca gostou da ideia de andarmos sempre armados, nunca gostou da ideia de estar na Máfia. A maioria das pessoas que entram na Máfia sem querer, realmente não gostam dessa ideia.

Após guardarmos nossas armas, enfim, somos levados para nossa mesa e minha ansiedade volta. A tremedeira toma conta do meu corpo novamente e é impossível não encarar todo o lugar a procura, quase esbarro em diversas cadeiras, mas Chris me guia puxando meu braço. Eu devia ser mais discreto, mas é impossível ser quando eu sei que daqui alguns minutos estarei olhando nos olhos da mulher que me ensinou a amar.

Acompanho o Don, sua esposa e o Sottocapo e assento na cadeira direcionada a mim. Meu olhar, entretanto, não está nem um pouco aqui, está espalhado pelo salão, esperando, estudando, a diferença é que antes eu estudava uma rota de fuga, caso algo acontecesse, hoje estudo os olhares, para achar uma certa russa arisca.

- Pelo amor de Deus Hernanez – Gusman exclama em sussurro – Ela ainda não chegou, agora para de olhar tudo em volta como se fosse um doido.

Suspiro fundo, viro para a mesa e encaro Gusman como um pedido de desculpas, ele assente. Christovan segura a risada ao meu lado e Graziela me olha com pena. Eu acho que também teria pena de mim se não fosse eu.

Meu coração acelerou e o mundo parou, o tempo passou muito devagar e a cena se torna em câmera lenta, minha tremedeira finalmente some e as lágrimas se apoderam dos meus olhos, mas não as libero. A mulher não me viu de primeira, está focada na criança pequena segurando sua mão, seu vestido é deslumbrante, como ela e a deixa ainda mais bela. Ainda mais única.

Quando finalmente ela ergue seu olhar, os meus olhos são os primeiros que ela encontra, sua surpresa, alivio e paixão pulsam e eu consigo reconhecer seus sentimentos porque é exatamente isso que sinto. Ela aperta um pouco mais a mão da criança, sorri lindamente e ainda me encarando caminha junto com a acompanhante até sua mesa. Não escuto as pessoas ao nosso redor, apenas escuto meu coração acelerado ao vê-la, acompanho-a sem pudor e ela também não se importa de se expressar tanto com o olhar.

Ela, finalmente, assenta e põe a mão no coração, faço o mesmo, selando nosso amor. Numa briga de quem será o primeiro a desviar o olhar, Christovan ganhou puxando-me para olhar para frente e nossa ligação por olhares é quebrada. Logo tudo volta ao normal, a movimentação, o falatório e a tremedeira.

É triste saber que não poderei falar com ela, não poderei tocá-la ou senti-la novamente, mas me tranquilizo por poder tê-la visto uma última vez. Ela está bem, e é só isso que me importa. Ao menos ainda tenho nossas conversas armazenadas em minha memória, nossos momentos de devaneio, de solidão, mesmo juntos, nosso romance, nossa percepção sobre o mundo e nossas histórias. Ao menos agora nós temos uma história juntos, para chamar de nosso.

O que mais eu poderia querer em meio ao caos que vivemos? Um olhar foi o suficiente para concretizar nosso amor.

Mas, que é uma pena que não possamos ficar juntos pela eternidade, como nos contos de fadas, sim, é uma pena.

A Máfia - Soldado RenegadoOnde histórias criam vida. Descubra agora