Capítulo 3

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A Matriarca e as anciãs já tinham saído da sala e eu, ainda com o rosto vermelho e inchado, vesti minha túnica sob o olhar cortante da Tutora e uma certa complacência da irmã Brígida.

A túnica de noviça nada mais era do que um camisolão folgado de algodão cru sem nenhum tipo de detalhe. Praticamente um saco com buracos para cabeça e braços. Senti falta das roupas de baixo e a irmã Brígida se apressou a me explicar.

- Nenhuma de nós usa, você vai se acostumar.

Também descobri que as noviças andavam descalças. Depois de ordenadas, as irmãs tinham a opção de usar uma sandália de couro trançado, mas muitas acabavam se mantendo descalças por conta do hábito adquirido.

Fui avisada que era hora de me despedir da Tutora para me encaminhar para as orações noturnas. A mulher que tinha sido a maior constante na minha vida até ali tinha poucas palavras a me dizer.

- Não me decepcione.

Com isso foi-se embora o último vestígio da minha antiga vida e eu agora era a noviça, sem nome e sem posses, começando uma nova vida de serviço e orações.

Fui encaminhada ao grande salão onde as irmãs faziam as refeições e orações, tinha um lugar para mim no banco das noviças. Éramos apenas quatro, não era fácil conseguir um posto de noviça naquele convento, era preciso uma família realmente influente e uma educação anterior sólida como a que eu tive.

Também o que se dizia era que a maior dificuldade era suportar o treinamento completo de noviça, chegar à ordenação era considerado um feito apenas para as mais dedicadas e devotas.

Recebemos a ração noturna de pão e água que foi comida sem nem uma leve troca de olhares entre as integrantes da mesa. O silêncio era regra a não ser pelas orações cantadas em uníssono. Eu não precisava do meu livro para lembrar de todas, mas sentia uma falta dolorida da presença física dele.

Ao fim das orações houve um período de silêncio. Segui a imobilidade das minhas companheiras de mesa, era a única coisa a se fazer, uma vez que ninguém ali parecia dar a menor importância para a minha presença.

Ouvi o toque agudo de uma sineta e depois a voz anasalada da irmã que sentava ao lado da Matriarca na mesa principal. Ela devia ter um papel de administradora, pois o que se seguiu foi uma série de avisos práticos e burocráticos sobre o trabalho no dia seguinte.

O convento era basicamente uma propriedade rural, onde se plantava grãos e frutas e se criava animais. As irmãs produziam uma grande quantidade de alimentos que eram fornecidos aos habitantes das cidades vizinhas.

O serviço parecia não ter fim. Além do trabalho com a produção, tinha o cuidado com as roupas de todas, o trabalho na cozinha e a manutenção de todo o complexo. Além de tudo tinha o serviço religioso e o atendimento aos necessitados que todos os dias vinham em busca de auxílio.

A irmã distribuiu as tarefas com eficiência listando os nomes de cada uma e seu posto na próxima semana. Às noviças foi atribuído o trabalho na horta, o que me pareceu um bom lugar para começar.

Eu estava leve e feliz. O trabalho ao ar livre seria revigorante e me ajudaria a me concentrar na nova vida, talvez eu até tivesse oportunidade de conversar com as outras noviças.

Mas a fala eficiente da irmã administradora jogou um balde de água fria na minha leveza.

- Como todas sabem recebemos hoje uma nova noviça. A novata será destacada exclusivamente para o serviço particular da Matriarca por tempo indeterminado. Para esse fim ela será orientada pela irmã Brígida.

Eu me senti derretendo no duro banco de madeira. A lembrança das minhas pernas sendo abertas em cima da mesa e do exame frio daquela mulher que me deixava sem palavras só com o olhar, ainda fazia meu rosto arder. O coração disparado me impedia de respirar e eu tive que fazer um esforço tremendo para segurar as lágrimas.

As noviças ao meu lado não conseguiram conter as expressões de surpresa e um certo olhar de inveja. Eu tenho certeza que era considerado uma grande honra fazer o serviço particular da Matriarca, mas eu não me sentia nem um pouco afortunada. Trocaria com qualquer uma delas o meu posto pelo trabalho na horta.

Ao meu redor as mulheres começaram a se levantar para se dirigirem aos dormitórios e eu continuava colada no banco incrédula.

Também me sentia perdida, não sabia pra onde ir ou o que fazer naquele momento. Eu tinha saído da inspeção da virtude diretamente para o salão, não conhecia nada do complexo nem sabia onde iria dormir.

Como que por encanto a irmã Brígida se materializou na minha frente com um leve sorriso encorajador. Consegui me levantar ainda trêmula e acompanhei a mulher que seria responsável pela minha orientação.

Entramos em um quarto espartano com uma minúscula janela gradeada e apenas duas camas simples e uma mesinha como mobília. A irmã Brígida começou a se desfazer do hábito sem se preocupar com a minha presença. Enquanto ela se desnudava foi me dando uma breve explicação sobre o serviço do dia seguinte.

- Amanhã levantamos antes do alvorecer e vamos preparar o desjejum das nossas Senhoras.

- Nossas Senhoras?

- Isso menina. Você será treinada para o serviço particular da Matriarca, eu estou no serviço particular de outra Senhora. Uma parte das nossas tarefas é bem semelhante, por isso fui designada para te orientar.

Eu tinha tantas perguntas para fazer, mas fui pega completamente de surpresa pelo corpo nu da minha companheira de quarto que desfazia vagarosamente a trança dos longos cabelos negros.

Subitamente me dei conta do quanto a irmã Brígida era jovem. O corpo alto tinha curvas que lembravam as lindas mulheres desenhadas nas tapeçarias dos salões da minha família. Me peguei admirando aquela beleza e corei sentindo um fogo me queimar por dentro.

Mas outra coisa também me surpreendeu na visão do corpo que logo foi novamente coberto por uma túnica de noviça igual a minha. A jovem tinha a pele coberta de desenhos intrincados e também de algumas cicatrizes e hematomas. Percebendo a minha surpresa, a irmã não deu espaço para perguntas.

- Durma. Amanhã o serviço começa cedo.

A Guardiã da VirtudeOnde histórias criam vida. Descubra agora