O céu nublado escurecia sem nem vestígio dos tons alaranjados de fim de tarde. Durante todo aquele dia cinza, minha carruagem sacolejou pela estrada gelada e o meu olhar distante atravessava o diáfano tecido das cortinas.
Eu viajava acompanhada da Tutora da família, mulher sisuda e de poucas palavras que estava ali não só para garantir que eu fosse entregue ao convento em segurança, mas também para garantir às irmãs que me receberiam que eu tinha tido uma educação adequada.
O cocheiro havia dito que chegaríamos no começo da noite, não devia estar longe. Cada vez mais algo se revirava no meu estômago. Eu mal tinha conseguido comer em nenhuma das paradas dos quatro dias de viagem, fiz o esforço de engolir uns poucos bocados por vez, apenas para evitar o olhar severo da Tutora.
Eu seguia ao encontro do meu destino, um destino que tinha sido traçado para mim no dia do meu nascimento. Sendo a quinta filha de uma família importante e muito devota, foi escolhido para mim o caminho da devoção e não o do casamento.
Minhas irmãs haviam crescido com o destino tão traçado quanto o meu, maridos escolhidos na mais tenra idade aguardando apenas que elas florescessem para que as virtudes fossem colhidas e elas pudessem assumir o papel que foram educadas para exercer.
Diferente delas a minha virtude não seria colhida nunca, o meu destino era mantê-la intacta e me dedicar ao serviço e às orações até o fim dos meus dias.
Nós todas aprendemos as tarefas domésticas, mas enquanto elas aprendiam as habilidades da corte eu aprendi os caminhos da virtude e as orações.
Finalmente tinha chegado o dia de entregar a minha vida ao que estava destinado para mim. Meu fervor ardia dentro de mim e cada volta das rodas da carruagem parecia interminável. Estaria eu a altura do meu destino? Seria eu virtuosa o suficiente?
Em meio aos meus questionamentos apareceu no horizonte os pesados contornos do enorme convento.
Algo se incendiou no meu interior. Olhei para aqueles muros sem saber o que me esperava, meu corpo vibrou de expectativa com um furor que eu não conhecia.
Lutei com todas as minhas forças para me manter sob controle e para esconder da Tutora as mãos trêmulas e o rosto afogueado. Certamente era o tipo de reação que a severa mulher, que tinha sido responsável pela minha educação por toda a minha vida, consideraria inadequada.
A carruagem cruzou os grandes portões de madeira e parou em frente ao pequeno jardim que se abria para a portentosa entrada do santuário. Descemos da carruagem e segui a Tutora em direção a uma porta mais modesta que ficava na lateral e estava entreaberta.
Entramos num vestíbulo que levava ao pátio interno, de onde era possível ver de relance as irmãs ocupadas com seus afazeres noturnos, ninguém pareceu nos notar.
Até que uma mulher alta, de traços amigáveis e com as mãos sujas de tinta se aproximou de nós.
- Boa noite! O que buscam por aqui a essa hora?
A Tutora se adiantou estendendo a mão com o envelope que continha a minha carta de apresentação.
- Venho trazer a nova noviça. Acredito que a Matriarca a esteja esperando.
- Sejam bem vindas. Sou a irmã Brígida. A Matriarca achava que vocês não chegariam mais hoje, dado o avançado da hora. Devemos nos apressar para não atrapalhar o serviço noturno de oração.
Nós três cruzamos o grande pátio com passos apressados. Eu praticamente tinha que correr para acompanhar as largas passadas decididas da alta irmã Brígida.
Me sentia desajeitada e inadequada ao lado das duas mulheres que irradiavam confiança. Mas eu nem imaginava o que ainda estava por vir.
Entramos em uma sala com as paredes forradas de livros e apenas uma mesa simples e uma cadeira como mobília, no mesmo momento a porta na parede oposta se abriu e minhas pernas tremeram. Nada no mundo teria me preparado para a força da presença da Matriarca.
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A Guardiã da Virtude
FantasyUma jovem noviça vai em busca de seu destino em um convento cheio de mistério e provações. É dentro dela que precisa encontrar as forças verdadeiras para prosseguir.