A irmã Brígida teve que me mandar dormir umas quinze vezes até eu conseguir parar de fazer perguntas. Eram muitas e a maioria delas ela não podia me responder naquele momento.
- Menina, você tem duas semanas pra estudar. Vai ter tempo para se preparar e aprender tudo o que precisa. Agora a gente precisa dormir ou você vai atrasar o desjejum da Matriarca, eu tenho certeza que você não quer isso.
O argumento era indiscutível. Nunca mais na minha vida eu atrasaria o desjejum da Matriarca.
Outra coisa que o meu período de claustro tinha me dado era a compreensão do valor da disciplina. Realmente era o momento de engolir as dúvidas, fechar os olhos e dormir. Foi isso o que eu fiz.
No dia seguinte começou um período tão atribulado da minha vida de noviça que eu nem tinha tempo de alimentar a ansiedade e as inseguranças.
A experiência e a disciplina me ajudavam a cumprir as tarefas particulares da Matriarca com mais eficiência, o que me deixava mais tempo para os estudos.
Eu passava longas horas enfiada na biblioteca ouvindo as explicações e debatendo com a irmã Brígida, as vezes também com a Senhora das Iluminuras. A dinâmica entre as duas era algo impressionante de ver, existia uma sinergia nas ações e na postura que eu tenho certeza que era referência para muitas irmãs.
Os quinze dias passaram voando e quando me dei conta estávamos na véspera da ordenação. Como a irmã Brígida tinha dito, eu tinha estudado e aprendido muita coisa nesse período, mas eu continuava sem ter a menor ideia de como seria a cerimônia. Somente as irmãs ordenadas compareciam a cerimônia de ordenação, por isso, mesmo tendo visto outras noviças sendo ordenadas antes de mim, eu não tinha ideia do que me esperava.
Somente nos avisos da noite que as informações começaram a chegar. Eu sabia que precisaria de uma madrinha, como as outras noviças ordenadas antes de mim tinham tido. Embora eu tivesse quase certeza que essa decisão já tinha sido tomada, a tradição dizia que a Matriarca deveria solicitar publicamente que alguém se voluntariasse para cumprir o papel.
A voz dela soou mais clara do que nunca ao fazer a pergunta que eu já tinha ouvido algumas vezes. Só que dessa vez, diferente das outras, um arrepio correu minha espinha e o meu coração disparou de expectativa.
- Existe alguém nesse salão que aceita a tarefa de ser madrinha de ordenação da noviça?
- Eu aceito!
Eu nem precisei correr os olhos pelo salão para buscar a pessoa que estava se oferecendo. Aquela voz estivera mais presente na minha vida nos últimos quinze dias do que qualquer outra.
No lugar onde eu sabia que ela estaria, eu vi se levantar a mulher alta que eu sabia que escondia por baixo do hábito e do capuz, o corpo curvilíneo coberto de desenhos e os longos cabelos negros trançados.
O salão recebeu animado a notícia de que a irmã Brígida seria minha madrinha. Embora eu não fizesse ideia do que uma madrinha fazia, eu esperava muito que fosse ela. Mas todas as vezes que perguntei a ela sobre isso no período de estudos ela me respondia que só saberíamos na véspera. Agora eu sabia e não poderia estar mais feliz.
Nós duas fomos para o quarto e lá fui eu cheia de perguntas. Não era possível que a essa altura ela ainda tivesse que fazer mistério de alguma coisa.
- Calma menina! Eu tenho uma última leitura para você.
Ela me entregou uma pequena brochura de lombada costurada a mão e com a capa ricamente ilustrada. Eram os traços inequívocos da Senhora das Iluminuras.
Na primeira página tinha o meu antigo nome de família escrito na caligrafia caprichada da irmã Brígida e um espaço em branco para escrever o meu nome de ordenação, que seria escolhido pela Matriarca ao fim da cerimônia.
As próximas páginas traziam orações especificas da ordenação e uma descrição detalhada de todas as etapas da cerimônia. Conforme eu ia lendo meu coração se apertava e eu olhava para o rosto da minha amiga com a expressão incrédula.
- Você tem certeza que está disposta a fazer isso por mim?
- Eu tenho toda a certeza do mundo.
- Mas é demais! Eu nunca te pediria para fazer algo assim.
- Eu sei que não. Por isso ser madrinha é algo que deve ser voluntário. Alguém fez isso por mim na minha vez e eu tenho certeza que você fará por alguém no futuro. Faz parte do nosso ciclo.
- Obrigada minha irmã.
A resposta dela foi um longo abraço apertado e depois a já tradicional chamada para irmos dormir.
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A Guardiã da Virtude
FantasyUma jovem noviça vai em busca de seu destino em um convento cheio de mistério e provações. É dentro dela que precisa encontrar as forças verdadeiras para prosseguir.