Capítulo 16

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Eu não cumpri o último dia de claustro. Acordei dois dias depois, deitada de bruços na confortável cama da enfermaria do convento.

Sentado na cadeira ao meu lado estava o Monsenhor, serenamente concentrado em seu livro de orações.

- Bom vê-la acordando. A senhorita enfrentou uma provação e tanto. Somos afortunados de poder contar com a dedicação e o conhecimento da irmã Agnes.

Tentei me levantar mas fui prontamente impedida pela mão afável do Monsenhor. Os olhos, que antes tinham sido de uma frieza assustadora, agora eram pura compaixão.

- Não se mova, vou chamar a irmã Agnes para ajudar. Seria bom a senhorita tomar um pouco de agua.

O homem que se afastou em busca de ajuda em nada lembrava aquele que tinha tão cruelmente me testado e me torturado. Mas eu também não me sentia a mesma.

Não era só pela fraqueza, pela dor intensa nas costas e o incômodo nos joelhos. Algo dentro de mim tinha mudado em definitivo. Eu sentia a serenidade e a confiança que eu via nas irmãs ordenadas, principalmente na irmã Brígida. O corpo podia estar temporariamente quebrado, mas o espírito estava livre dos tormentos para sempre.

A irmã Agnes chegou esbaforida carregando uma bandeja cheia de ataduras e unguentos, seguida de perto pelo Monsenhor com seu andar imponente.

Enquanto ela trocava meus curativos, ele segurou minha mão entre as dele e me olhou nos olhos com ternura.

- A senhorita tem o meu perdão, assim como a absolvição divina. Tenho certeza que a Matriarca ficará muito satisfeita e que esse convento se beneficiará muito da sua presença a partir de agora.

Bastou falar nela e os passos firmes da mulher que comandava o convento foram ouvidos no corredor. Ela seguiu em minha direção com o semblante sério de sempre, trocou impressões com a irmã Agnes sobre minha recuperação e depois veio falar comigo.

- A senhorita cumpriu seu período de claustro e sua penitência a contento e isso muito me agrada. Assim que completar sua recuperação nós teremos uma conversa importante.

E assim ela lançou sobre mim a expectativa da "conversa importante" e se retirou. Não importava o que acontecesse, tudo na mão da Matriarca era uma provação. Eu já tinha me conformado que era melhor me habituar a isso.

Minha recuperação foi lenta mas consistente. Os cuidados da irmã Agnes eram muito eficientes, mas o que mais me fazia bem era a companhia.

Todos os dias a irmã Brígida passava algumas horas ao meu lado. Ela sempre trazia novas leituras e assuntos do convento para discutirmos, sempre tinha novos ensinamentos e me fazia pensar e me desenvolver.

Além disso, sempre que podia ela vinha acompanhar as orações ao meu lado. Ouvíamos juntas o distante canto das irmãs do salão e enchíamos a enfermaria com a devoção de nossas vozes.

Até que finalmente chegou o dia que fui liberada da enfermaria. Saí de lá com os cabelos bem trançados e uma túnica nova cobrindo o corpo que agora era coberto de cicatrizes como o da irmã Brígida.

Fui direto ao encontro da Matriarca, apreensiva porém com ímpeto renovado.

Bati na porta e entrei sem afobação quando fui chamada. Comuniquei a ela respeitosamente que a irmã Agnes tinha me liberado para voltar ao serviço e aguardei as instruções.

- Isso é muito bom. A partir de amanhã a senhorita retoma sua rotina de serviço como já está habituada.

- Sim Senhora.

- Também quero que continue os estudos com a irmã Brígida. Preciso que evolua nos assuntos que ela está conduzindo.

- Sim Senhora.

- Pode ir para a biblioteca e depois para as orações da noite. Aguardo meu desjejum amanhã cedo e espero não ter surpresas com o chá.

- Pode ficar tranquila Senhora.

Fiquei alguns instantes ainda esperando que ela falasse mais alguma coisa, mas aparentemente aquela era toda a "conversa importante" que ela queria ter comigo.

- A senhorita pode ir. Até amanhã.

- Até amanhã Senhora.

Eu fui para a biblioteca quase correndo, morrendo de vontade de sentir de novo o cheiro de livros, velas e tinta que fazia aquele lugar tão especial. Encontrei a irmã Brígida atarefada e com leituras já separadas para mim.

O tempo passou voando. Quando me dei conta estávamos ouvindo os sinos que chamavam para as orações noturnas.

Encontrei o banco de noviças alvoroçado com o meu retorno. Eu era a veterana naquele grupo, todas as noviças que tinham vindo antes de mim já tinham sido ordenadas. Eu tinha aquelas meninas como irmãs mais novas e elas me olhavam como exemplo. Agora mais ainda, depois de ter passado pela provação que eu passei.

A emoção de novamente poder acompanhar os cânticos no salão junto com as irmãs foi tão intensa que meus olhos se encheram de lágrimas.

Claro que eu sabia que voltar a rotina do serviço não seria um mar de rosas, principalmente nas mãos da Matriarca, mas eu finalmente sentia estar cumprindo meu destino como ele devia ser cumprido.

Foi durante os avisos após as orações que eu tive a exata noção do quanto a minha vida estava prestes a mudar. Fui pega totalmente desprevenida pela voz anasalada da irmã Agnes fazendo o anúncio que me acertou como uma pedrada.

- É com muita alegria que comunico a todas que a teremos uma ordenação em breve. A noviça veterana será ordenada dentro de 15 dias e seguirá no serviço particular da Matriarca em conjunto com suas obrigações como irmã ordenada.

O salão explodiu em aplausos e eu congelei no banco das noviças.

A Guardiã da VirtudeOnde histórias criam vida. Descubra agora