"Caminhos não há
Mas os pés na grama
Os inventarão.
Aqui se inicia
Uma viagem clara
Para a encantação."
- Ferreira Gullar.
Capítulo 1.
-
A loja de brechó de Black Bart.
- Bem-vindos à loja de brechó de Black Bart, me chamo Safira, fiquem a vontade!
Disse isso tantas vezes durante aquele dezembro que não aguentava mais ouvir a frase, mesmo que ela saísse automaticamente da minha boca. Eu estava de férias desde novembro, e, desde então, tive que ajudar minha avó a vender pequenas coisinhas na praia, como uma renda extra além da aposentadoria dela. Mesmo assim, eu não reclamava, precisávamos disso, nós duas.
Ela me acordava todos os dias bem cedo e caminhavamos até a Praia da Costa, que nem era tão longe da nossa casa, caminhando eram cerca de dez minutos. Lá, minha avó, ou "Maria da Costa" como era conhecida, tinha uma venda de crepes e pastéis, que ela fazia como ninguém, e eu ficava encarregada do brechó logo ao lado, que vendia de tudo, mas o nome tinha um motivo.
Além de óculos de sol, guarda-sóis, biquínis, maiôs e boias, vendíamos, também, artigos piratas. Não "piratas" como os óculos de sol, esses eram reais, mas coisas relacionadas a pirataria, minha avó sempre disse que era um sonho do meu avô fazer essa venda temática sobre o tal pirata mais bem sucedido de todos os tempos, e o fizemos em memória. Tapa-olhos, espadas de plástico, mapas do tesouro que não levavam a lugar algum, tudo isso, e eu ainda era obrigada a usar um chapéu pirata, mas nunca me incomodei de verdade. Os clientes eram, normalmente, amigáveis comigo, e quando não havia ninguém, eu passava o tempo detrás do balcão lendo "Mensagens" - de Fernando Pessoa.
Já fazíamos essa divisão havia três anos, ou seja, desde que nos mudamos para Vila Velha, no Espírito Santo. Eu a ajudava a vender e, em troca, todo domingo, dávamos uma escapadinha da praia para casa e ela cozinhava uma comida diferente para o almoço. Costela, comida vegetariana, uma vez até almoçamos bolo de chocolate, quando eu tinha doze anos, lá no começo dessa brincadeira.
Mas eu sei que não está aqui para ouvir o antes, e sim o durante, da minha história. Infelizmente, no passado, há coisas que você precisa saber para entender o presente, e é assim com toda história, mas voltaremos a isso depois. Por enquanto, vou lhe satisfazer.
Em uma manhã de qualquer dia normal, pelo menos para mim, acabei dormindo demais, e como era domingo, minha avó resolveu deixar-me em casa. Acordei, no entanto, às nove horas, com a campainha tocando. A história começa num dia em que não fui ao brechó.
- Seja bem vindo a loja de... Não... Espera... - Eu disse, acordando. - Já vai! Já vai! - Eu gritei, começando a me situar no mundo.
Me levantei para correr até o armário e colocar uma blusa e um short folgados, corri até o banheiro enquanto a campainha era tocada novamente.
- Já vai! - Exclamei novamente enquanto penteava meus cabelos, deixando a única mecha azul dele para frente, enquanto o resto do cabelo, preto, ficava para trás, solto e bagunçado de qualquer jeito. - Pressa pra quê? É sexta... Sexta não, domingo, devem ser as contas... - Olhei no fundo dos meus olhos azuis no espelho, deixando a escova na pia. - Espera... Que dia é hoje?

VOCÊ ESTÁ LENDO
Os que Mergulharam em Luz
FantasySafira Corais da Costa e Silva é uma menina que uns chamarão de corajosa, outros, de azarenta, outros, de maluca, e esses farão o papel de dizer: "Isso é loucura!". Ao que, ela responderá, sabendo o que está por vir páginas a frente: "E o que não fo...