III

14 1 3
                                    

– A cidade era um lugar muito tranquilo, até pouco tempo atrás. – o prefeito cruzou as pernas, jogando as costas no apoio da poltrona. – A primeira morte ocorreu há cinco dias, no dia 21. Aparentemente, uma criança brincava na rua quando um caminhão carregado de abóboras capotou, misteriosamente. A criança não foi atingida pelo veículo, mas morreu ao ser soterrada pela carga. – assenti, anotando rapidamente tudo o que ele dizia. – A segunda morte ocorreu no dia 24. Uma senhora de 78 anos estava no cemitério visitando o túmulo do marido quando, subitamente, a terra a engoliu.

– A terra a engoliu? – perguntou o Sr. Ray, franzindo a testa.

– É o que o coveiro disse. – o prefeito suspirou, bebendo mais um gole de uísque antes de continuar. – Segundo ele, em um momento ela estava ao lado do túmulo e no outro a terra embaixo dela abriu em um buraco, soterrando-a logo em seguida.

– Certo. – falei, terminando de anotar as informações obtidas até então. Uma falha geológica? – E houve mais uma morte, também?

– Sim. – respondeu o Sr. Wallace, tragando o charuto e abaixando o olhar. – Ontem, no dia 25, meu primo foi encontrado morto em sua loja. Seu corpo foi encontrado ontem à tarde, ainda está no necrotério. O velório está acontecendo na casa dele nesse exato momento, mas sua morte ainda não foi noticiada.

– Eu sinto muito. – respondi, ao que o prefeito acenou com a cabeça. O Sr. Ray continuou calado ao meu lado. – O senhor poderia nos dizer como exatamente isso ocorreu?

– É claro. É justamente por isso que os chamei aqui. – ele se inclinou para frente, apoiando seu copo praticamente vazio na mesa. – A polícia, claro, não fez nada direito. Eu sei que aquele bastardo do xerife não fez a mínima questão de investigar direito a morte de Lawrence, pois nos disseram que ele cometeu suicídio. – sua expressão fechou, tornando ainda mais óbvia sua antipatia pelo xerife da cidade. – Meu primo jamais se mataria. Acreditem, eu o conhecia bem o suficiente para saber disso.

– Mas qual foi a causa da morte? – perguntei. – Digo, o que levou o xerife a acreditar nessa teoria?

– Pelo que a polícia falou, um chiclete assassino com navalhas.

Franzi minha testa, assim como o homem ao meu lado.

– Como assim, chiclete assassino com navalhas? – perguntou o Sr. Ray.

– A autópsia do corpo revelou que, aparentemente, meu primo engoliu alguns caramelos com pedaços de navalhas dentro deles. – o desprezo do prefeito pelo trabalho policial era notável em cada palavra que proferia. – Para eles, ele engoliu por vontade própria, e morreu de hemorragia interna.

– Entendo... – falei, anotando tudo. – O senhor sabe se há alguma ligação entre o caso de seu primo com os anteriores?

– Não há. Nenhum dos mortos eram conhecidos um dos outros, e nenhuma circunstância da morte parece bater. - ele deu outra longa tragada no charuto, intensificando o cheiro de tabaco já presente no ar.

– Você tem mais algum detalhe sobre a morte do seu primo? – perguntou Sr. Ray, que também havia acabado de terminar seu copo de uísque.

– Não. Tudo que sei, ou melhor, tudo que o xerife me contou, – ele revirou os olhos, irritado. – é o que acabei de falar para vocês. Eu não confio no trabalho daquele velho. Por isso, preciso que investiguem isso para mim. – o prefeito olhou nos nossos olhos, com a expressão muito séria. – Eu preciso saber o que aconteceu com o meu primo, e preciso que meus cidadãos parem de morrer. – seu olhar voltou-se para mim, e pude ver uma sombra de desespero no fundo de seus olhos escuros. – Acontecem coisas estranhas na cidade durante essa época, mas nada como isso. As pessoas estão começando a espalhar boatos e a ficar assustadas, e eu preciso que vocês descubram exatamente o que está acontecendo para a mídia e a população não espalharem mentiras sobre isso. Não quero pânico na minha cidade.

– Entendo. – terminei de escrever as últimas anotações, fechando meu caderno. – Prometo que faremos nosso melhor para isso, senhor.

– É, com certeza faremos. – completou Sr. Ray, irônico.

– Obrigado, Srta. Taylor. – disse o prefeito, ignorando o outro homem e se levantando. Nós dois também ficamos de pé, e o Sr. Wallace apertou minha mão. – Se precisarem de algo, podem me pedir. Estão trabalhando diretamente para mim, agora.

– Está bem. Obrigada. – respondi, me perguntando se valia a pena me envolver naquilo. Graças a Jackson, infelizmente, já não poderia voltar atrás; não se quisesse manter meu caso e meu emprego.

Após o prefeito chamar Alfred, o mordomo apareceu mais uma vez na porta e guiou o Sr. Ray e eu pelos mesmos corredores pelos quais passamos até a entrada da mansão. Assim que a porta fechou-se atrás de nós, me virei para meu novo companheiro com o intuito de conversar com ele sobre o caso e tentar decidir por onde começaríamos. Qual foi minha surpresa, porém, ao perceber que o homem já estava andando em direção à saída, sem sequer esperar.

– Com licença. – chamei, andando apressadamente até ele e um pouco irritada com aquilo. – Pensei que poderia ser bom discutirmos um pouco sobre esses casos, e decidirmos por onde investigar primeiro. – ele parou e me olhou, sem esboçar muita reação. – Nós iremos trabalhar juntos, afinal.

– Eu estou indo para o necrotério. – falou, e continuou sua caminhada até a saída, sem me esperar mais uma vez. – Seria bom dar uma olhada lá e ver se encontramos algo que o prefeito não disse.

– Está bem. – o jeito daquele homem me irritava. Não tinha a mínima intenção de fazer amizades ali, definitivamente não. Esperava, porém, que, se fosse para trabalhar em parceria com alguém, deveria haver uma comunicação melhor. – Eu vou junto.

Ele assentiu com a cabeça, e continuou sua marcha pelas ruas da cidade. Vendo seu passo determinado, deduzi que morava em Boston Village há um bom tempo - talvez, toda sua vida. Algo, no entanto, me intrigava desde que o prefeito nos apresentara um ao outro. Fazia sentido que o prefeito procurasse um repórter investigativo ou um detetive para ajudar nos casos, afinal, tratavam-se de casos de homicídio sem resposta. Um dono de cafeteria, no entanto? Por mais que fosse um morador local, que conhecesse a cidade e os outros habitantes, ainda não havia lógica em chamar um civil qualquer para casos potencialmente perigosos dessa forma. Tem algo por trás disso.

– É aqui. – sua voz interrompeu meus pensamentos, e percebi estarmos parados em frente a uma casa bem grande e cinza, depois de uns 15 minutos caminhando. O lugar não era nem de longe tão grandioso como a mansão do prefeito; parecia, na verdade, que alguém adaptara uma casa comum para se tornar um necrotério. Tinha dois andares, e na frente uma placa dizia o que já sabíamos: Necrotério de Boston Village.

Sem dizer mais nada, entramos no edifício, em busca do corpo de Lawrence Wallace.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora