Tomei mais um gole de água, olhando para o ambiente ao meu redor. Poderia ter pedido uma dose de uísque - muitas das outras pessoas ali tinham tomado essa decisão -, mas suprimi meu desejo. Não era à toa que estava ali, precisava manter o foco. Mesmo que isso significasse forçar uma expressão serena em meu rosto, escondendo minha inquietação.
Aquele bar, por si só, já era um ambiente sombrio; desde que você conhecesse sua história, é claro. Há muitos anos, o estabelecimento era a residência de um recluso senhor de nome Corbitt, que falecera há tempos. Pelo que soube em minhas pesquisas iniciais com moradores da região, existiam boatos de que a casa era assombrada pelo espírito do antigo dono, e poucos arriscavam se aproximar. A casa, porém, não era meu objeto de interesse, tampouco a lenda urbana que cresceu ao seu redor. O que me levara até Boston era outro mistério, que de certa forma também se ligava à casa: a morte completamente suspeita do renomado e famoso médico Dr. De La Cruz.
Pouco se sabia a respeito das motivações que levaram o médico até ali. A versão oficial, contada por supostas testemunhas que diziam-se amigos de longa data do homem, afirmava que o doutor havia sofrido um mal súbito e morrera de parada cardíaca, enquanto visitava um amigo na cidade. Nem todos os jornais, todavia, engoliram tal história; eu, muito menos. Havia muitas pontas soltas, detalhes incongruentes e eventos que não batiam. De La Cruz era um homem extravagante, riquíssimo, famoso; as pessoas saberiam se fosse alguém passível de, subitamente, morrer de parada cardíaca. Além disso, nunca antes o médico havia visitado a região, pelo menos não a passeio. O que me levara até ali, no entanto, não havia sido nenhuma dessas estranhas divergências da história. Testemunhas locais relataram ter visto o doutor junto a dois outros homens - possivelmente os supostos "amigos" que contaram a versão oficial -, perambulando pela casa Corbitt, quando ainda estava abandonada. Como se não bastasse o estranhíssimo relato - o que um homem tão renomado faria em um local caindo aos pedaços? -, circulavam boatos de que a perícia encontrara a marca de uma facada em seu peito, precisamente na região de seu coração. Definitivamente, aquele não fora fruto de mal súbito.
O que a maioria especulava a respeito do caso era o assassinato do médico pelas mãos do conhecido mafioso Giovanni Forgione, que fora reconhecido como um dos dois homens que acompanhavam De La Cruz durante a visita à casa abandonada. O italiano teria assassinado o doutor com o auxílio do segundo homem, e ambos teriam tomado os bens do médico; o bar clandestino em que eu estava, inclusive, era propriedade recente do mafioso. Assim que soube do caso, corri à Redação e fiz questão de que fosse investigado por mim. Por mais que a teoria de homicídio pelas mãos de Forgione fosse quase óbvia, preferia fazer minha própria pesquisa e, a partir daí, tirar minhas conclusões. Por essa razão, estava naquele lugar.
– Vai pedir mais alguma coisa, senhorita? – perguntou a garçonete, aproximando-se.
– Não, muito obrigada. – respondi, sorrindo. – Na verdade, devo confessar que estou curiosa. – apoiei meus cotovelos na mesa, colocando uma das mãos em meu rosto e fazendo uma expressão de interesse. Como eu esperava, o rosto da mulher se iluminou em curiosidade, e aproveitei para tentar descobrir alguma informação. – Eu estou há pouco tempo na cidade, e ouvi algumas histórias a respeito desse bar. Dizem que era uma casa mal assombrada...
– Não tenho certeza se era, de fato, assombrada, mas era com certeza um lugar sinistro. – ela deu um risinho de canto. – Eu morria de medo de andar por aqui antes do bar abrir.
– É mesmo? – perguntei, ainda mostrando interesse. – E como, então, se tornou um local tão agradável?
– Bom... – ela pareceu relutar um pouco, olhando para os lados, mas ainda assim se aproximou e disse, como um segredo: – Foi o Sr. Forgione. Há alguns meses ele investiu uma grande quantidade de dinheiro aqui, e abriu o lugar. – ela sorriu mais uma vez. – Isso foi ótimo, afinal, estou empregada agora.
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Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)
FantastiqueNão existe sobrenatural. O que existe é o que pode ser explicado pela lógica, pela ciência e pela experimentação. Ponto. Ao menos, é nisso que Lilian Taylor acredita. Repórter, ela investiga um misterioso caso envolvendo a morte de um renomado e fam...