II

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Como previsto, eram sete e pouco da manhã quando desembarquei em Boston Village. Ao contrário da ferroviárias de Boston e Cleveland - onde precisei fazer uma baldeação - grandes, cheias e bem organizadas, a estação da cidadezinha era pequena, sendo praticamente um casebre de madeira com apenas um punhado de funcionários. Após uma rápida conversa pedindo informações sobre as localizações do hotel e da casa do prefeito, pedi um táxi em direção ao primeiro, uma vez que a estação ficava nos limites da cidade. Ao chegar no hotel, pedi que o taxista me esperasse; apenas faria uma reserva no lobby e deixaria minha mala, levando comigo somente meu caderno de anotações e um lápis. Feito isso, voltei ao carro e pedi que o homem me levasse até a casa do prefeito, ao que ele me olhou surpreso.

– A senhorita talvez esteja falando da prefeitura, não? – perguntou, após dar a partida no automóvel.

– Não, a casa do prefeito. – respondi, sem entender bem tamanha surpresa. – Tenho negócios a tratar com ele.

O homem assentiu, a mesma expressão incrédula no rosto. De início, não entendi. Talvez não fosse comum o prefeito atender empregados em sua própria residência. Poderia ser um homem recluso, quem sabe. Ainda assim, não fui capaz de decifrar a razão de tamanho espanto.

Até ver a casa do prefeito.

"Casa" nem sequer era o termo apropriado. A mansão localizava-se em um terreno gigantesco, que com certeza se estendia por alguns quilômetros quadrados. Em estilo colonial, a residência possuía três andares acima do solo, feita inteiramente de pedra com um telhado de telhas que um dia já foram laranjas. Atravessando um enorme portão de ferro, onde estava gravada a letra "W", apresentava-se um jardim muito bem cuidado, por onde corria um caminho ladeado de pinheiros aparados até a gigantesca casa. A entrada, localizada logo após o incrível jardim, consistia em uma pequena escada que levava até uma varanda, onde estava, cercada de grandes janelas por ambos os lados, uma grandiosa porta dupla de madeira, ricamente decorada.

Não era possível que uma cidade tão pequena pudesse sustentar tamanha riqueza e luxo. Quaisquer que fossem os negócios que o prefeito tratava ali, definitivamente não eram legais.

Após pagar o taxista, saí do automóvel e atravessei o imponente portão, que estava aberto como uma boca metálica prestes a me devorar. Andei apressadamente pelo jardim, inquieta pela situação que percebia ter me encontrado.

Que tipo de favor Jackson teve que retribuir para um homem desses?

Foi com esse pensamento que cheguei às grandiosas portas onde um homem esperava, impaciente. Ele parecia ter minha idade - entre 27 e 35 anos, talvez -, e era um pouco mais alto que meus 1,70 de altura. Sua pele clara, menos pálida que a minha, contrastava com o terno cinza escuro e o chapéu de mesma cor na cabeça. Ele vestia camiseta social lilás com listras brancas, sem a gravata. Sua postura, inquieta e descontente, mostrava que aquele não era o lugar onde queria estar. Algo em seu olhar e no modo como se portava demonstrava certo desdém pelo lugar, e me passava a impressão de não ser uma companhia agradável. Senti uma antipatia imediata por aquele homem, que não me parecia o tipo de pessoa em quem eu depositaria minha confiança.

– Bom dia. – cumprimentei, ao parar em sua frente. Ele passou os olhos para mim, me analisando de cima a baixo, e apertou a mão que eu lhe oferecera. – Sou Lilian Taylor.

– Bom dia. – ele me encarou com desconfiança, como se não entendesse a razão por eu estar aqui. – Norman Ray.

– O senhor também está aqui para se encontrar com o prefeito? – perguntei, depois de um breve silêncio desconfortante.

– Na verdade, sim. – ele me analisou mais uma vez, e a expressão de confusão se intensificou em seu rosto. Não disse mais nada, mas parecia intrigado com minha presença. Poderia ser implicância de minha parte, mas não pude deixar de me incomodar com esse fato.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora