XXII

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Prossegui com passos apressados de volta à cafeteria, ansiosa para compartilhar com Norman o que descobrira. Ignorava os protestos de minhas pernas, cansadas, sob o forte sol do meio-dia que queimava sobre mim. Apesar do tempo frio, aquela fonte de calor era suficiente para fazer brotar pequenas gotas em minha testa. Eu não sabia dizer se eram de esforço ou aflição.

Ouvi, pela terceira vez no dia, o tilintar do pequeno sino da cafeteria assim que entrei. O local estava bem cheio, o que era perfeitamente razoável para o horário de almoço. Corri os olhos pelo estabelecimento e encontrei João mais adiante, ocupado em servir alguns clientes. Norman, por sua vez, estava sentado ao balcão, de costas para mim. Me aproximei sentindo um pequeno tremor nas mãos, notando que ele mexia em um pequeno objeto na outra mão.

- Norman? - chamei, fazendo com que o homem se virasse para mim.

- Lilian. - respondeu, com um leve sorriso. Não era o costumeiro, meio sarcástico e descontraído. Seus lábios estavam puxados demais para o lado, e seus olhos tinham uma sombra que eu não vira antes. Ele parecia reflexivo, como se pensasse em algo que lhe causava inquietação. - Encontrou algo na biblioteca?

- Apenas uma coisa, mas é, no mínimo, interessante. - respondi um pouco ofegante, retirando meu caderno da bolsa e o abrindo. - Um artigo de jornal de há pouco mais de dois meses, mais precisamente do dia 15 de agosto. - o olhar do homem ficou notavelmente mais curioso, e não demonstrava a inquietude de antes. Agora, de frente e mais perto, pude notar que ele tinha um anel prateado no dedo médio da mão esquerda. Eu nunca o vira usando. - "Jovem estudante, Dorothy Davis, perde o controle e agride professor no Colégio Municipal de Boston Village." - li minhas anotações sobre a matéria, repuxando o canto da boca por impulso ao ler o nome da menina. Levantei o olhar para Norman, cujos olhos, um quê arregalados, me garantiam que aquilo lhe era novidade.

- Dorothy Davis, huh? - disse ele, me indicando com a cabeça o assento a seu lado. - Parece que temos uma suspeita principal.

- Não tenho como discordar. - respondi, sem me demorar para voltar à leitura. - "O escândalo ocorreu durante a oficina de artes do local e foi testemunhado por toda a classe de alunos. De acordo com as testemunhas, a jovem perdeu o controle emocional e gritou palavras de baixo calão. Davis teve de ser contida por outros alunos para que não agredisse fisicamente o professor. Frank Harding, o professor de artes, disse em entrevista que decidiu não prestar queixa na justiça e solicitou que a jovem não fosse expulsa do colégio. De acordo com o Sr. Harding, 'a aluna é brilhante, com um grande potencial artístico que não deveria ser desperdiçado'." - olhei mais uma vez para Norman, que encarava o balcão absorto em algum pensamento. - Não ficou sabendo disso na época?

- Devo ter lido algo do tipo, mas não me lembrava até agora. Sabe como é, não é o tipo de coisa que você guarda na mente. - ele deu de ombros, e me vi concordar. Trabalhando em um jornal de alcance internacional, eu não podia deixar de ver o jornal daquela cidade como uma revista de fofocas sobre seus cidadãos. - Eu conheço o Sr. Harding. Fui seu aluno durante a época do colégio.

- Ótimo. - respondi, guardando o caderno de volta na bolsa. - Já sabemos com quem falar. Acredito que ele se abrirá facilmente, uma vez que são velhos conhecidos.

- Espero que sim. - disse o homem, tomando a dianteira para fora da cafeteria. - Vamos, então? Devemos ser rápidos, para falar com ele no horário de almoço.

Seguimos pelas ruas, Norman me guiando pela cidade. Andamos por cerca de 15 minutos até que chegássemos ao colégio, localizado na parte central do município. O prédio era grandioso, de longe o maior que encontrara ali. Feito inteiramente de tijolos e de aparência antiga, o lugar tinha à frente um jardim bem cuidado, onde vários adolescentes e crianças se encontravam brincando e conversando. Em cima da entrada, cravadas na fachada cinzenta feita de pedra, estavam as palavras "Colégio Municipal Ulysses S. Grant". Para uma cidade tão isolada como aquela, me surpreendi com o porte da instituição.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora