Raras foram as ocasiões, durante um trabalho, que eu visitara tantas vezes um cemitério. Nunca antes, porém, as visitas foram tão tristes. Depois de algumas horas de velório, o caixão contendo o corpo de João foi levado até seu túmulo por um grupo de homens; Norman era um deles. Mantive-me em silêncio durante toda a cerimônia, observando com desgosto os amigos e familiares do morto em prantos, os discursos repletos de amargor, a expressão de dor em cada rosto. Um embrulho havia se formado em meu estômago com a pesada atmosfera do lugar.
O sol já era alto no céu quando, enfim, a cerimônia se deu por encerrada. Mesmo com os impulsos que me diziam para sair de lá o mais rápido possível, me forcei a esperar Norman. Ele encontrava-se perto do sepulcro já coberto ao lado da viúva de João, que chorava desconsoladamente. Eu, por minha vez, observava ambos à distância, perto da entrada. O número de presentes diminuía a cada minuto, enquanto eu testemunhava a dor de duas pessoas que haviam perdido uma parte de si mesmas da pior forma possível. Beatrice, desde o velório até ali, não conseguira conter as lágrimas, que pareciam não acabar. Norman, por sua vez, tinha fixa no rosto a expressão vazia, sendo uma vez ou outra entrecortada por um espasmo repentino de dor. Há alguns dias pensei detestar seu sorriso... Agora me aflige não ver nem mesmo um resquício dele.
O horário de almoço deveria ter passado há muito quando, enfim, deixamos o cemitério. Após acompanharmos Beatrice até sua casa - depois de ela insistir diversas vezes que precisava ficar sozinha, uma vez que Norman parecia apreensivo em deixá-la -, fomos a um restaurante qualquer, para comer. Eu observara Norman durante todo o evento, sabia que ele não comera nada do que fora servido. Eu, da mesma forma, não conseguira tocar em petisco algum; fome era tudo que eu não sentia.
– Não vai comer? – perguntei preocupada, ao ver o prato do homem em minha frente praticamente intocado. Eu me forçara a almoçar, mesmo com o nó na garganta, e àquela altura já estava quase acabando. Norman, por sua vez, mexia distraído na comida, parecendo não ter a intenção de alimentar-se.
– Eu já comi o suficiente. – mentiu, sem olhar para mim. Mesmo aflita com seu estado, não insisti; sabia que não adiantaria. – Precisamos continuar.
– Você tem certeza de que conseguirá? – perguntei, fazendo ele enfim me encarar. – O que aconteceu... – desviei os olhos, desconfortável. – É natural que deseje se afastar.
– Eu preciso encontrá-los, Lilian. – disse ele, com seriedade e determinação que eu não conhecia até então. – Seja quem for ou quantos forem, eu não vou dormir em paz até que os assassinos de João paguem. – olhei mais uma vez em seus olhos, assombrada. Aquele fogo no olhar e a raiva em sua voz evocavam antigas lembranças que eu não gostaria de desenterrar. – Ainda mais agora que temos dois suspeitos. – ele voltou a olhar para o prato, e seus dedos envolveram os talheres com mais força. – Davis e Harding.
– Está bem. – respondi, num suspiro fraco. Esperava mesmo que Norman se mantivesse com tal força, pois seria complicado ter de motivá-lo quando esta se esvaísse. – O que você quer fazer?
– Acho que poderíamos visitar a casa da garota e falar com seus pais. – disse ele, já retirando uma quantia de dinheiro do bolso do paletó. – Ela continua sendo a pessoa com mais ligações entre os casos. Pelo horário, – ele levantou um pouco a manga do braço esquerdo, revelando um pequeno relógio de pulso de tiras de couro preto; de onde estava, via que os ponteiros marcavam 14h55. – Dorothy deve estar na escola, o que nos dá uma boa oportunidade para conversar sem tê-la por perto.
– Tem razão. – concordei, com o dinheiro já separado. – Vamos lá.
Após pagarmos o almoço, saímos do restaurante e andamos até a residência da família Davis. Norman, de algum forma, conhecia o endereço, mas não o questionei. Aquele não era o melhor momento para investigá-lo e, de qualquer maneira, eu já imaginava o porquê. Foi ele quem encontrou o livro de desenhos de Dorothy, afinal. Após uma rápida caminhada de 5 minutos, chegamos em frente à casa. Construída em estilo colonial, a casa de um andar possuía paredes amarelas feitas de madeira e uma razoável varanda branca, com algumas plantas decorando-a. O jardim da frente era bem cuidado e a casa, como um todo, era bem conservada, o que me fez acreditar que a família possuía certo conforto econômico. Apesar disso, aquela não era uma das maiores residências que eu vira na cidade; deveria bastar para três pessoas, no máximo.
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Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)
ParanormalNão existe sobrenatural. O que existe é o que pode ser explicado pela lógica, pela ciência e pela experimentação. Ponto. Ao menos, é nisso que Lilian Taylor acredita. Repórter, ela investiga um misterioso caso envolvendo a morte de um renomado e fam...