XII

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O sol desaparecia por detrás das árvores de folhas já secas quando chegamos ao local da quarta morte. Era uma casa um pouco mais afastada do centro da cidade, com um grande quintal que, agora, estava ocupado por três carros da polícia e alguns adolescentes assustados. Policiais estavam espalhados pela área: pelo que pude ver através da janela do veículo de Norman, cerca de quatro deles estavam na casa e dois conversavam com os jovens, do lado de fora. A casa, agora com faixas de polícia restringindo a passagem, era uma construção de dois andares, feita de madeira e pedra. Um local agradável para uma reunião casual com amigos, certamente. Uma pena que tenha sido palco de um acontecimento tão horrível.

– Essa provavelmente foi e será a pior festa de Halloween da vida deles. – comentou Norman, no instante em que estacionou o carro. Os homens do prefeito nos forneceram apenas algumas informações a respeito das circunstâncias dessa última morte. Sabíamos somente que a vítima era uma jovem e sua morte foi presenciada por todo um grupo de amigos, que se reuniam naquele dia para uma pequena confraternização na casa da família de um deles. A festa, é claro, foi interrompida pelo óbito da garota.

– Vamos lá. – eu disse, já abrindo a porta do veículo e saltando para fora. – Precisamos ver o que encontramos.

– Na verdade, – começou Norman, fazendo com que eu e o padre, que já me acompanhava rumo à casa, parássemos e voltássemos nossa atenção para ele. – vou deixar isso com vocês por agora. Eu preciso resolver algumas coisas urgentes.

– Mais urgentes que isso? – perguntei, um tanto quanto indignada. Eu poderia morrer sem saber em que tipo de negócios aquele homem estava envolvido, mas me irritava ver que isso poderia atrapalhar nossa investigação.

– Não se preocupe, minha filha. – disse padre Filippo, colocando uma das mãos em meus ombros. – Deus está ao nosso lado. – Oh, céus, isso vai ser um inferno. – Daremos conta disso hoje.

– É claro que vão. – concordou Norman, sorrindo e dando partida no carro. – Vejo vocês amanhã de manhã na cafeteria, tudo bem?

Antes mesmo que um de nós pudesse responder, o homem deu ré e saiu do terreno, indo para sabe-se lá onde. Suspirei derrotada. Agora lembro o porquê de preferir trabalhar sozinha.

– Venha, minha filha. – disse o padre, me soltando e virando-se em direção à casa. – Nós precisamos descobrir o máximo que conseguirmos agora, antes que a polícia vá embora.

Assenti e, resoluta, segui o padre até um dos policiais que estavam do lado de fora. Enquanto seu parceiro conversava com dois garotos um pouco mais à frente, ele estava encostado no capô de um dos carros, fumando um cigarro. Parecia jovem, um pouco mais novo que eu, talvez. Usava um uniforme de inverno, que consistia em calças e casaco cinza-escuros, botas pretas e um quepe acinzentado, com o símbolo do departamento de polícia. No ar frio do crepúsculo, a fumaça de alcatrão que saía por baixo de seu bigode misturava-se ao vapor, proporcionando um aspecto sinistro à cena. De alguma forma, no entanto, mesmo em meio a tão detestável situação, seus olhos castanhos entregavam o óbvio tédio que sentia.

– Com licença, meu filho. – falou padre Filippo, chamando a atenção do homem. – Poderia nos dizer o que aconteceu aqui?

– Não sei se devo, senhor. – respondeu ele, nos olhando de cima a baixo com desconfiança. – Quem são vocês? E como souberam o que está acontecendo aqui?

– Meu nome é Lilian Taylor, repórter investigativa do The Washington Post, e este é padre Filippo. – falei, impaciente. Já basta Norman sair de última hora, este também não vai me atrapalhar mais. – Somos enviados do prefeito para investigar as mortes que vêm ocorrido recentemente.

– Ah, então é você a repórter. – disse ele, assentindo. – Ouvimos mesmo que tinha alguém investigando, uma mulher de fora. – o policial deu uma pequena risada; tive que me segurar para não revirar os olhos ali mesmo. – Bom, há pouco mais de meia hora um desses garotos chegou todo esbaforido na delegacia, falando que uma menina morreu na festa de Halloween desses adolescentes. Nós, é claro, achamos que foi resultado de uma brincadeira que não deu certo ou uma overdose de uma dessas drogas. De certa forma, foi mesmo uma bincadeira que deu errado. – ele deu de ombros, parando um pouco para tragar seu cigarro. – A menina morta está dentro de um barril cheio de água, daqueles que usam para pegar maçãs com a boca.

– Como assim, "está dentro"? – perguntei, confusa. – Vocês não a tiraram de lá?

– Ela morreu afogada? – perguntou o padre, em seguida.

– Não e não. – respondeu o policial, finalmente demonstrando um pouco de assombro pelo ocorrido. – Ela morreu... cozida. – um calafrio subiu por minha espinha; uma sombra de horror sussurrando nos confins da minha mente. – Do que as crianças contaram, a água estava fria, mas começou a ferver assim que a menina enfiou a cara na água. Só que quando chegamos, verificamos que a água está gelada novamente. – franzi o cenho, confusa. O policial, no entanto, apenas deu de ombros. – Cheios de drogas, provavelmente. Enfim, não foi por isso que não tiramos o corpo de lá. Ela está... – ele pareceu um pouco desconfortável. – Grudada. Não sabemos como, mas já tentamos tirá-la dali e ninguém conseguiu.

– Entendi... – falei, com voz tão fraca que quase soou como um sussurro. Ao mesmo tempo, anotava cada palavra relevante daquela conversa em meu caderno, tentando desesperadamente estabelecer alguma relação com as outras mortes. – Obrigada.

– Disponha. E boa sorte com sua investigação. – completou ele, uma leve nota de escárnio no tom da voz. Não me surpreendia: não era a primeira vez que policiais tinham antipatia por mim. Ninguém gosta de alguém que faz seu trabalho melhor que você, afinal.

– Acho melhor eu ir lá dentro primeiro e você ficar por aqui para conversar com esses jovens. – disse o padre, assim que nos afastamos um pouco do policial. – Talvez os oficiais se abram mais facilmente comigo... Além disso, – ele colocou uma das mãos por cima do terço que adornava seu pescoço, apertando a cruz. – quero rezar pela alma daquela jovem. – seu rosto assumiu uma expressão triste. – Que ela descanse em paz.

– Tudo bem. – falei, sorrindo fraco. Sabia que aquilo seria inútil para a garota morta, mas se isso o ajudasse a se sentir melhor consigo mesmo, que o fizesse. – Se precisar de mim, é só me chamar.

O velho homem assentiu e virou-se, iniciando seu rumo para dentro da casa. Olhei ao meu redor, ponderando por onde começaria. O companheiro do policial com quem eu acabara de falar ainda estava conversando com os mesmos dois garotos, visivelmente abalados. Além destes, um casal de adolescentes se abraçava, a garota chorando compulsivamente nos braços do namorado. Provavelmente nervosa demais para me responder, e ele não parece muito melhor.

Estava quase indo tentar a sorte com os dois - ainda que sem muitas expectativas - quando notei uma figura mais ao longe, escondida até então de minha visão por um carro. Ela não estava muito distante, mas talvez tivesse se isolado por não suportar tanta agitação perto de si. Parada, olhava para a casa com uma expressão de tristeza notável no rosto; os olhos azuis pareciam marejados, de onde eu estava. Usava um batom vermelho e maquiagem forte, possivelmente por conta da temática da festa. Seus cabelos, escuros como a noite, estavam presos em um coque simples e bonito. O que mais me chamou a atenção, no entanto, foi a fantasia de bruxa que vestia; uma fantasia que eu certamente já havia visto na casa dos Wallace.

Dorothy Davis, pela segunda vez, estava relacionada a uma das estranhas mortes de Boston Village.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora