VIII

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– Com todo o respeito às suas crenças, padre, – comecei, sem conseguir conter um pequeno sorriso. – mas acredito que precisamos de mais informações antes de tirarmos alguma conclusão a respeito da autoria das mortes.

– Isso se as mortes tiverem um autor em comum. – completou Norman, apoiando o quadril no balcão e cruzando os braços em uma posição descontraída.

– Exatamente. – concordei, olhando novamente para o padre, que mantinha o mesmo olhar sério.

– Vejo que são céticos, meus filhos. – ele ajeitou os óculos mais uma vez, levantando-se.  Seu rosto estava vermelho como se segurasse várias palavras em sua garganta, e sua voz trêmula de nervosismo denunciava isso. – Eu conheço muitos como vocês. São como Tomé, precisam ver para crer! – ele se virou, começando a caminhar lentamente para a saída. – Mas acreditem em mim, eu já vi coisas que nenhuma ciência dos homens é capaz de explicar. Coisas terríveis, profanas, das quais apenas o Santo dos santos é capaz de nos livrar.

– Deixe ele. – disse Norman, piscando um dos olhos para mim e negando com a cabeça assim que o padre pisou para fora da cafeteria. – Ao menos ele vai nos ajudar a pesquisar sobre o símbolo.

– Espero que sim. –  respondi, suspirando. Esse padre é intenso. Esperava que o velho não tentasse me evangelizar durante o trabalho, mas se fizesse sua parte e não me atrapalhasse, ele poderia acreditar nos demônios que quisesse.

– Vamos comer algo. – disse Norman, já se virando em direção à cozinha. – Quando terminarmos, podemos ir até o prefeito contar o que soubemos até agora e pedir algum contato para nos ajudar a identificar essas coisas.

– Está bem. – falei, guardando novamente meu caderno e as outras duas pistas do saquinho de couro. – Vocês teriam torta de carne de porco?

•••

Comemos um rápido almoço e saímos da cafeteria; Norman nos levou até a mansão, com seu carro. Assim, em menos de 10 minutos, estávamos parados em frente à casa do prefeito pela segunda vez naquele dia.

– Sr. Ray, Srta. Taylor. – cumprimentou o mordomo, quando abriu a porta. – Gostariam de falar com o prefeito?

– Sim, por favor. – pedi.

– Está bem. – o criado assentiu, nos dando espaço para entrar na casa e logo nos guiando pelo mesmo caminho que já havíamos feito. – Vou lhes levar até ele. Apenas esperem um pouco antes de entrar para que eu possa avisá-lo.

– Sem problemas. – disse Norman, enquanto caminhava atrás de mim. – Não queremos incomodar o prefeito, ainda mais se estiver em negócios importantes.

O mordomo não respondeu, e continuou caminhando elegantemente até a sala onde o prefeito havia nos recebido mais cedo. Eu, no entanto, olhei para trás curiosa, vendo um sorriso de canto no rosto de Norman. Ele e o prefeito pareciam ter uma relação no mínimo conturbada, e meu parceiro de investigação demonstrava ter um certo prazer em tecer comentários ácidos e irônicos sobre o Sr. Wallace. Gostaria de saber o motivo disso.

– Um segundo, por favor. – pediu Alfred, entrando no escritório do prefeito e fechando a porta. Menos de dez segundos depois, ele a abriu novamente, permitindo que víssemos o prefeito caminhando dos fundos da sala até as poltronas onde havíamos nos sentado mais cedo.

– Podem entrar. – disse o homem, acenando com uma das mãos. – Obrigado, Alfred.

– Disponha, senhor. – dito isso, o mordomo fez uma breve reverência e saiu fechando a porta, enquanto eu e Norman nos dirigíamos até às poltronas e nos sentávamos.

– Então, descobriram algo? – perguntou o Sr. Wallace, cruzando as pernas e olhando para nós.

– Não muito, mas acreditamos ter encontrado uma pista. – falei, tirando da bolsa o saquinho que, agora, possuía apenas a flor e o osso. – Eu estive no velório de seu primo, e encontrei isso escondido em um canto da casa. – o prefeito se inclinou, curioso, e começou a analisar os objetos que deixei em cima da mesa. – Achamos que, se o Sr. Wallace foi morto por alguém, o assassino deve ter deixado isso como algum tipo de assinatura ou marca. O senhor já viu algo assim antes?

– Não... Definitivamente não. – ele pegou a flor, aproximando-a do rosto e a analisando. – Nem mesmo essa flor, acredito que nunca vi algo parecido.

– Também havia uma moeda junto. – disse Norman, tirando do bolso da calça o papel com o desenho que eu havia feito. – Ela tinha esse símbolo inscrito nela.

O prefeito pegou o papel da mão de Norman, e ficou alguns segundos o analisando. Da mesma forma como havia ocorrido quando entreguei o papel para o homem a meu lado, o prefeito amassou a folha, com claro desconforto na face.

– Que símbolo... Perturbador. Guarde isso, por favor. – ele devolveu o papel para Norman, que apenas observava o outro com uma espécie de curiosidade científica, quase como se estivesse testando uma hipótese. – Eu também nunca vi isso em minha vida.

– Achamos que o senhor poderia nos ajudar, de outra forma. – falei, fazendo a atenção do prefeito se voltar para mim. – Também não fomos capazes de identificar exatamente que objetos são esses ou quais são suas origens.

– Quem sabe, você possa nos arranjar os contatos de um botânico e um veterinário ou médico. – completou Norman. – Alguém que saiba identificar isso.

– Eu posso fazer isso. – disse o Sr. Wallace, levantando-se e caminhando até sua mesa, de onde tirou uma folha e uma caneta. – Não temos exatamente um botânico, mas o Sr. Müller, dono da estufa, pode saber algo sobre a flor. Quanto ao osso, acredito que o Dr. McKinley pode ajudar. – ele rabiscou algo rapidamente e nos entregou, mostrando dois endereços com o nome dos especialistas ao lado. – Espero que lhes seja útil.

– Acredito que será. – eu disse, me levantando e estendendo a mão para o homem, que a apertou. – Obrigada pela ajuda, senhor.

– Não há de quê. Se precisarem de qualquer coisa sobre esse caso, é só pedirem que farei o possível. – ele olhou para Norman, que também se levantara mas não o cumprimentou como eu. – Aliás, quase me esqueci de comentar. Chegaram a conhecer o padre Filippo? Eu o chamei, acredito que ele possa ajudar.

– Conhecemos. Ele foi até a biblioteca pesquisar sobre a moeda que falamos. – disse Norman.

– Ele é um homem muito sábio, acredito que será de grande ajuda. – disse o prefeito, nos acompanhando até a porta. – Enfim, obrigado por virem. Qualquer informação nova, por favor, me comuniquem.

Acenei com a cabeça e agradeci mais uma vez, saindo em seguida com Norman atrás de mim. Uma vez que estávamos fora da mansão e quase chegando a seu carro, me senti tentada a questionar sua relação com o prefeito e o porquê de tanta ironia direcionada um ao outro, mas me contive. Aquele não era o momento mais adequado e, de qualquer forma, ele não me responderia. Não com a verdade, pelo menos.

– Eu vou te deixar para conversar com o doutor e irei até a estufa descobrir sobre essa flor. – disse ele quando adentramos seu veículo, um carro moderno e preto. – Podemos nos encontrar na cafeteria depois, nada fica muito longe aqui.

– Está bem. – tive um estalo, e fiquei muito nervosa de repente. – Apenas uma dúvida... O Dr. McKinley não é o homem que trabalha no necrotério, é?

Norman olhou para mim de cima a baixo por um segundo, antes de se voltar para a frente e dar partida no carro.

– Não, Lilian. – disse, sorrindo de lado. – Não é o mesmo homem.

Crônicas Abomináveis: Dia das Bruxas Macabro (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora